Punição exemplar

Fabricante de creme de amendoim é sentenciado a 28 anos de prisão nos EUA

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23 de setembro de 2015, 14h30

Condenado em setembro do ano passado pela comercialização de creme de amendoim contaminado pela bactéria salmonela, em 2008 e 2009, o CEO da Peanut Corporation of America (PCA), Stewart Parnell, 61, foi sentenciado, nesta segunda-feira (21/9), a 28 anos de prisão por um juiz federal da Geórgia (EUA). Seu irmão Michael Parnell, corretor de alimentos, foi sentenciado a 20 anos, e a gerente de garantia de qualidade da fábrica Mary Wilkerson, a cinco anos.

Apesar de parecer que o sistema judiciário dos EUA toma medidas duras para proteger o consumidor, essa sentença foi uma “raridade”, como definiram a CNN, o jornal da ABA (American Bar Association) e outras publicações. Na verdade, foi a primeira vez que a Justiça aplicou uma pena dura a empresários acusados de comercializar produtos que causam intoxicação alimentar. Até agora, eles eram processados apenas por contravenção penal, com penas bem pequenas.

Assim, a sentença é considerado um marco — ou uma virada de mesa — em um país em que 48 milhões de pessoas (um em casa seis habitantes), por ano, sofrem de intoxicação alimentar, de acordo com a FDA (Food and Drug Administration). Mais de 100 mil pessoas são hospitalizadas todos os anos, e 3 mil morrem de infecções que o governo diz que poderiam ser prevenidas.

A salmonelose é uma das doenças mais comuns: infecta 1,4 milhão de pessoas a cada ano, diz a FDA. O surto de salmonelose, causado pelo creme de amendoim contaminado pela salmonela (referência ao cientista Daniel Elmer Salmon, que associou, pela primeira vez, a doença a essa bactéria), matou nove pessoas e deixou 714 outras doentes, muitas em situação crítica — e cerca da metade, crianças — em 46 estados. O número de doentes não reflete a realidade, diz a FDA, porque apenas uma em 39 pessoas apresenta queixa formal em casos de intoxicação alimentar.

Mais recentemente, ocorreu um surto de salmonolese causado por pepinos contaminados, que infectou 418 pessoas, em 31 estados, de acordo com os Centros para o Controle e Prevenção de Doenças. Casos anteriores foram associados à carne, aves, ovos e leite, todos contaminados pela salmonela.

Estratégia jurídica
O fim da impunidade foi imaginado pelos promotores e investigadores da Geórgia. As duas leis estaduais à disposição deles para processar os executivos da PCA — uma que pune conduta temerária, e outra, a adulteração de alimentos — só resultariam em acusação de contravenção penal. Por isso, eles convocaram o FBI para assumir as investigações e verificar violações de leis federais.

Os investigadores do FBI e os promotores federais fizeram um acordo de delação premiada com o ex-gerente da fábrica de processamento Samuel Lightsey e entrevistaram muitos funcionários da empresa. O resultado foi a apresentação à Justiça de 72 acusações de fraude, conspiração e colocação de produtos adulterados no mercado. Os promotores pediram uma sentença de 803 anos de prisão.

O ex-gerente e os então ex-funcionários — todas as fábricas da empresa foram fechadas — narraram histórias tétricas sobre as condições de funcionamento de algumas das unidades, confirmadas pelos inspetores federais. As fábricas estavam cheias de baratas, ratos, fungos, sujeira, graxa acumulada e fezes de pássaros.

Havia buracos na parede e no teto, o que permitia a entrada de ratos e da chuva. Os ex-funcionários relataram “inundações” nas fábricas. Segundo os investigadores, a água acumulada em uma fábrica que deveria estar seca é, para a salmonela, o mesmo que adicionar gasolina ao fogo.

Depois dessas descobertas, a primeira medida que foi tomada contra o ex-CEO da PCA foi afastá-lo do Conselho de Padrões do Amendoim do Departamento de Agricultura dos EUA. Esse conselho é responsável por estabelecer os padrões de qualidade e de manuseio do alimento no país.

No julgamento, no ano passado, os promotores levaram à corte 45 testemunhas e apresentaram mais de mil documentos, entre os quais resultados de exames de laboratório e muitos e-mails, que comprovaram que os altos executivos da empresa sabiam que o creme de amendoim estava contaminado pela salmonela e, mesmo assim, ordenaram sua comercialização.

Em um dos e-mails, em que um gerente de fábrica se mostrava hesitante em despachar os produtos contaminados, Parnell respondeu com uma mensagem que causou furor no julgamento: “Just ship it” (apenas despache).

Nova lei
Parte dos “infortúnios” da fábrica e de seus executivos decorreu de uma lei que foi aprovada pelo governo Obama, em 2011, em consequência da repercussão pública do surto de salmonelose causado pelo creme de amendoim contaminado. A Lei da Modernização da Segurança Alimentar proporcionou ao estado mecanismos mais duros para punir empresas que cometem abusos contra o consumidor.

Ela permitiu ao governo, por exemplo, fechar todas as fábricas da PCA nos EUA. Isso impediu a PCA de se beneficiar da Lei da Falência, que permitira à empresa continuar operando por determinado tempo, apesar do processo criminal e dos processos civis contra ela.

A nova lei e as sentenças aplicadas aos executivos da PCA deverão, segundo os jornais, repercutir nos Conselhos de Administração das empresas produtoras de alimentos em todo o país. Segundo o proprietário da Stericycle Expert Solutions, que ajuda a controlar “recalls” de produtos que podem provocar doenças nos EUA, todos os anos são retirados das prateleiras de supermercados uma grande quantidade de produtos por causa de contaminação bacteriana. Com essa decisão, as coisas devem começar a mudar.

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