Tamanho importa?

Modelo "verein suíço" viabiliza a criação de megabancas globais

Autor

8 de setembro de 2015, 11h49

Um sistema de associação de escritórios, com poucos compromissos entre eles e separação de lucros, está permitindo surgimento de megabancas globais. Em janeiro deste ano, a Dentons, que se define como “banca internacional”, celebrou uma união com a Dacheng, a maior banca da China. Três meses depois, adquiriu a McKenna Long & Aldridge, de Atlanta (EUA), com 400 advogados. Assim, a Dentons Dacheng McKenna se tornou a maior banca do mundo, em número de advogados.

Com as aquisições, o número de advogados que operam sob a bandeira da Dentons chegou quase a 7 mil — uma população maior do que a de muitas cidades pequenas. Ficou cerca de 60% maior do que as duas bancas que lideravam o ranking por quantidade de advogados, a Baker & McKenzie e a DLA Piper, que têm, cada uma, entre 4 mil a 4,5 mil advogados, de acordo com o Jornal da ABA (American Bar Association).

O “truque” para o crescimento instantâneo da Dentons, como de outras tantas bancas internacionais, é um modelo de associação chamado de “verein suíço”. Verein, em alemão, significa exatamente associação voluntária. Na prática, é uma união sem compromissos (ou quase sem compromissos) como se pode entender pela definição do termo.

A verein, segundo o estilo suíço, não precisa ser registrada para ter uma personalidade jurídica separada. Uma estrutura verein é ideal, por exemplo, para a formação de uma organização não governamental (ONG) internacional, tais como a Anistia Internacional. Mas é conveniente, também, para a estruturação de firmas que estabelecem escritórios em diversos países.

No caso dos escritórios de advocacia, as bancas que se estruturam no estilo verein têm algumas vantagens que as bancas que se fundem não têm. Por exemplo, quando duas bancas se fundem, elas combinam duas sociedades separadas em uma. Isso cria diversas dificuldades, como a de se corrigir grandes disparidades financeiras entre os sócios de bancas diferentes.

Em anos recentes, as tentativas de expansão rápida de bancas, através da fusão, resultaram em colapsos de grandes organizações, nos EUA, como os da Dewey & LeBoeuf e da Bingham McCutchen.

A expansão pelo modelo “verein suíço” evita esses problemas, em grande medida, porque as múltiplas sociedades, apesar de adotarem uma marca comum (o nome da banca mais conhecida) e algumas funções de administração, elas se mantêm como entidades distintas, legalmente e financeiramente.

Os lucros são mantidos em fundos separados e, por isso, essas entidades não enfrentam os mesmos problemas complexos de integração econômica que a fusão tradicional gera. Assim, cada escritório opera fundos diferentes de receitas e lucros.

Pelo fato de o controle da firma ser descentralizado há outra vantagem: as bancas só têm obrigações com as entidades reguladoras do país onde estão estabelecidas. Além disso, o sistema reduz custos.

Em seus sites, as bancas verein publicam uma extensa declaração de isenção de responsabilidades, para deixar as coisas bem claras. No caso da DLA Piper, por exemplo, um dos parágrafos diz: “O uso do nome DLA Piper, palavras e frases tais como banca, escritório de advocacia ou prática jurídica internacional é feito por conveniência apenas e não implica sociedade entre tais entidades, nem aceita responsabilidade por atos ou omissões entre elas”.

Justamente por isso, muitos na comunidade jurídica duvidam que as bancas verein possam ser consideradas, realmente, como escritório de advocacia. Mas o fato é que bancas que estão entre as maiores do mundo, como a Baker & Mckenzie, DLA Piper, Hogan Lovells, Norton Rose e a Dentons, adotaram esse “atalho” para se expandir rapidamente. Por exemplo, a Dentons e a Norton Rose têm cinco dessas entidades, cada uma, e a DLA Piper tem três.

Tamanho importa?
Para o presidente da K&L Gates, Peter Kalis, que dirige uma banca de 2 mil advogados, que cresceu através de fusões, o modelo verein é um “atalho”, tomado por líderes de bancas que não estão preparados para enfrentar as dificuldades naturais da fusão de bancas e isso pode resultar em problemas a longo prazo.

Mas o consultor de escritórios de advocacia Peter Zeughauser discorda. Para ele, as dificuldades são naturais, como em qualquer negócio. Mas há vantagens também e duas delas são o tamanho da banca e a popularidade da marca. “Ninguém contrata você se nunca ouviu falar de você”, ele disse ao Jornal da ABA. “Quanto mais advogados você tiver, mais provavelmente os clientes que podem contratá-lo já ouviram falar da banca”.

Ele explica que muitas bancas que adotaram o sistema verein, preferem definir seu mercado de uma forma mais estreita do que a Dentons e bancas similares. No entanto, bancas como a Dentons veem seu mercado potencial tão amplamente quanto possível.

Para Zeughauser, essas megabancas precisam ser grandes. “Para elas, ser grande significa a capacidade de servir os clientes globalmente, com diversas equipes espalhadas pelo mundo. Ser uma megabanca confirma a proposição de que isso pode ser feito. E você pode ser parte de uma lista pequena de bancas com essa capacidade”.

Nesse sentido, é possível ver a Dentons, e bancas similares, como uma butique, porque ela tem um nicho, disse o professor da Faculdade de Direito da Harvard, David Wilkins. “Não é uma butique tradicional, que se foca em uma área específica, como em tecnologia ou nos mercados de capitais. Mas uma megabanca tem um nicho, que é a capacidade única de atuar em 15 ou 20 países. E temos observado a movimentação de clientes para esse nicho”.

No final das contas, essa parece ser a estratégia fundamental das bancas com estruturas verein: criar um sistema bem amarrado de destinação de clientes multinacionais para os escritórios da megabanca em 15 ou 20 países. Assim, um escritório nos EUA não indica ao cliente o melhor advogado, em determinada área do Direito, no Canadá. Remete seu caso para um escritório do “grupo” no Canadá. Cria-se uma espécie de camisa de força para o cliente.

Diferente de fusão
Apesar dessas vantagens, a situação das vereins são confusas, disse Peter Kalis, da K&L Gates. “Na verdade, elas são esquizofrênicas. O lado direito do cérebro se preocupa com o marketing e com a venda de uma imagem de banca que oferece todos os serviços, em todos os lugares. O lado esquerdo do cérebro, no entanto, se preocupa em limitar a responsabilidade de cada uma das bancas na estrutura. Elas têm problemas de conflito de interesse (porque cada uma das bancas representam, algumas vezes, clientes que se opõem) e de estrutura financeira.

Por outro lado, as sociedades de advogados tradicionais, que concentram todo o lucro em um fundo financeiro único, para ser distribuído, estimula a cooperação, a colaboração e não feudos, que geram conflitos e concorrência interna, diz a CEO da Herbert Smith Freehills, Sonya Leydecker. “Quando há um interesse econômico comum, você toma o tempo necessário para conhecer seus sócios em diferentes lugares e trabalha com eles, o que assegura melhor qualidade dos serviços”.

Nos EUA, grandes bancas mais prestigiosas têm um sistema rígido de remuneração, em que os sócios são pagos com base no regime de antiguidade — e nem mesmo de originação de negócios. O objetivo é criar uma cultura em que, em vez de concorrerem entre si, os sócios sejam estreitamente ligados e, mais provavelmente, coloquem os interesses dos clientes e da banca acima de seus próprios interesses.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!