Opinião

Aprovados em concurso público têm direito subjetivo à nomeação

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6 de setembro de 2015, 10h45

Em 2011, o Supremo Tribunal Federal entendeu, em sede de repercussão geral, que a aprovação em concurso público dentro do número de vagas previstas no edital gera direito público subjetivo[1] à nomeação (RE 598.099, relator ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 10/08/2011).

No âmbito federal, o Decreto 6.944/2009 regulamentou a possibilidade de criação do polêmico “cadastro reserva” (artigo 12)[2]. Esse mesmo instituto é utilizado largamente pelos certames realizados nos demais entes federativos. Para a Administração Pública, o cadastro de reserva não teria o condão de gerar direito subjetivo ao candidato aprovado, mas mera expectativa de direito.

Contudo, nesses termos, o cadastro de reserva apenas retrocede toda a conquista dos administrados em ter seus direitos garantidos. Na realidade, a figura do cadastro de reserva é despicienda, pois todos os aprovados em um concurso público podem em tese ser nomeados ao cargo previsto dentro do prazo de validade do respectivo certame.

Não há utilidade em prever uma possível contratação, por meio do cadastro de reserva, se dela não imergir nenhum direito. Esse expediente apenas estabelece um imenso campo discricionário à Administração, deixando-a com absoluto controle do processo de nomeação, em desfavor dos candidatos. Ou pior, possibilita à Administração agir em conluio com empresas realizadoras de concurso, visando os altos ganhos obtidos com as inscrições.

Já se chegou ao absurdo de alguns editais de concurso público preverem vagas apenas para cadastro de reserva. Com o objetivo de coibir esse tipo de prática, foi proposto o Projeto de Lei do Senado 369/2008[3], pelo senador Expedito Júnior, que somente permite a formação de cadastro de reserva no concurso em número excedente ao de cargos a serem providos.

Independentemente da existência de cadastro de reserva, no caso de vacância[4] ocorrida dentro do prazo de validade, o candidato possui automaticamente o direito líquido e certo para ingressar no serviço público. A nomeação deve ser imediata, uma vez que o cargo vago deve ser necessariamente preenchido. Diferentemente da esfera privada, os cargos do serviço público são criados por lei[5] e não estão sujeitos diretamente à flutuação do mercado. Assim, tendo em vista que um serviço estava sendo prestado por um servidor antes da vacância, esse mesmo serviço deve ser prestado por outra pessoa, à luz do princípio da continuidade do serviço público.

Vale ressaltar que a contratação temporária não pode servir de justificativa para legitimar a negativa da Administração em nomear novos servidores aprovados em concurso público.

A contratação por tempo determinado – prevista no inciso IX[6], artigo 37, da Constituição da República; e regulamenta pela Lei Federal 8.745/1993 – tem como intuito atender excepcional interesse público mediante processo seletivo simplificado, prescindindo de concurso público (artigo 3º)[7]. Ora, se já existem candidatos aprovados em concurso público – método de seleção bem mais rigoroso do que o “processo seletivo simplificado” –, não há qualquer razão para se realizar a referida seleção simplificada. Basta nomear os aprovados no concurso público.

Essa forma de contratação é lícita somente no caso de visar efetivamente a atender serviço eventual sem existência de cargos vagos e desde que tal contratação seja devidamente fundamentada. Indubitavelmente, essa motivação é passível de controle jurisdicional, em razão da Teoria dos Motivos Determinantes[8].

A única exceção que se permite à Administração deixar de nomear aos cargos vagos os candidatos diz respeito à hipótese de o órgão ter alcançado o limite de gastos com a folha de pessoal, nos termos da Lei de Responsabilidade Fiscal (art. 22, parágrafo único, inciso IV, da Lei Complementar 101/2000).

No âmbito do Supremo Tribunal Federal, já existe alguma sinalização positiva no sentido de que os candidatos aprovados têm direito subjetivo à nomeação para os cargos vagos ou que vierem a vagar durante o prazo de validade do certame. Vale conferir a ementa do Recurso Extraordinário 227.480/RJ:

EMENTA: DIREITOS CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. NOMEAÇÃO DE APROVADOS EM CONCURSO PÚBLICO. EXISTÊNCIA DE VAGAS PARA CARGO PÚBLICO COM LISTA DE APROVADOS EM CONCURSO VIGENTE: DIREITO ADQUIRIDO E EXPECTATIVA DE DIREITO. DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. RECUSA DA ADMINISTRAÇÃO EM PROVER CARGOS VAGOS: NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO. ARTIGOS 37, INCISOS II E IV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.
1. Os candidatos aprovados em concurso público têm direito subjetivo à nomeação para a posse que vier a ser dada nos cargos vagos existentes ou nos que vierem a vagar no prazo de validade do concurso. 2. A recusa da Administração Pública em prover cargos vagos quando existentes candidatos aprovados em concurso público deve ser motivada, e esta motivação é suscetível de apreciação pelo Poder Judiciário. 3. Recurso extraordinário ao qual se nega provimento. (RE 227480, Relator(a):  Min. MENEZES DIREITO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 16/09/2008, DJe-157 DIVULG 20-08-2009 PUBLIC 21-08-2009 EMENT VOL-02370-06 PP-01116 RTJ VOL-00212- PP-00537 RMP n. 44, 2012, p. 225-242).

Não obstante, em recente julgado, a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região acatou a tese de que nem mesmo a contratação temporária geraria direito subjetivo aos aprovados em concurso público, mas mera expectativa de direito.

Segundo o voto da relatora, “a contratação temporária de terceirizados não obriga a nomeação de candidato aprovado em concurso público, uma vez que não revela a urgência no preenchimento das vagas previstas no edital” (Apelação Cível 5006121-49.2011.4.04.7105. rel. desembargadora federal Vivian Josete Pantaleão Caminha. 4ª Turma. Tribunal Regional Federal da 4ª Região).

Entretanto, a existência ou não de cadastro de reserva e a eventual contração precária não são critérios relevantes para caracterizar o direito subjetivo à nomeação. Em verdade, faz-se necessária a aprovação em concurso público, a existência de cargos vagos ou que vierem a vagar durante o prazo de validade do certame e o respeito à ordem de classificação. Esses são os requisitos necessários para assegurar o direito à nomeação dos aprovados fora do número de vagas previsto no edital.


[1] De acordo com Seabra Fagundes, “os direitos que o administrado tem diante do Estado, a exigir prestações ativas ou negativas, constituem, no seu conjunto, os chamados direitos públicos subjetivos”. (FAGUNDES, M. Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. 7ª Ed. Atualizada por Gustavo Binenbojm. Rio de Janeiro: Forense, 2005, 209).

[2] “Art. 12. Excepcionalmente o ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão poderá autorizar a realização de concurso público para formação de cadastro reserva para provimento futuro, de acordo com a necessidade, de cargos efetivos destinados a atividades de natureza administrativa, ou de apoio técnico ou operacional dos planos de cargos e carreiras do Poder Executivo federal.”

[3] “Art. 1° O edital de cada concurso público de provas ou de provas e títulos no âmbito da administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá deixar de prever a especificação do número de cargos a serem providos.

Parágrafo único. A formação de cadastro de reserva nos concursos de que trata o caput deste artigo somente será permitida para candidatos aprovados em número excedente ao de cargos a serem providos.”

[4] No âmbito Federal, a vacância do cargo público ocorre nos seguintes casos do artigo 33 da Lei Federal n.º 8.112/1990.

[5] Artigo 61, § 1º, inciso II, alínea “a”, da Constituição Federal.

[6] “Art. 37. […] IX – a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”.

[7]Art. 3º O recrutamento do pessoal a ser contratado, nos termos desta Lei, será feito mediante processo seletivo simplificado sujeito a ampla divulgação, inclusive através do Diário Oficial da União, prescindindo de concurso público.”

[8] Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, “de acordo com esta teoria, os motivos que determinaram a vontade do agente, isto é, os fatos que serviram de suporta à sua decisão, integram a validade do ato. Sendo assim, a invocação de ‘motivos de fato’ falsos, inexistentes ou incorretamente qualificados vicia o ato mesmo quando, conforme já se disse, a lei não haja estabelecido, antecipadamente, os motivos que ensejariam a prática do ato”. (BANDEIRA MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 26ª Edição. São Paulo: Malheiros, 2009, fl. 955.)

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