Segunda Leitura

Liderança e gestão no Judiciário a partir de estudo de caso (TRF da 1ª Região)

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

8 de novembro de 2015, 9h41

Spacca
O Jornal Nacional, da TV Globo, na quarta-feira (4/11), divulgou em âmbito nacional reportagem com o título “Garagem vira depósito com milhares de processos no TRF em Brasília”. Nela, entre outras coisas, se afirma que estava “tudo acumulado. Páginas e mais páginas na garagem que virou um depósito do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília. Ao todo, 65 mil processos que, há décadas, aguardam julgamento. Processos de 1995, 1996, 1997. A maioria deles, previdenciários”[1].

Não interessa agora procurar culpados e, muito menos, atribuir responsabilidade aos atuais gestores da corte federal. O problema vem de longe. O TRF da 1ª Região, criado pela Constituição de 1988, foi concebido de forma equivocada. Atribuiu-se-lhe nada menos do que competência sobre o Distrito Federal e 13 estados, situados em regiões de cultura, clima e costumes diferentes. Juntaram-se estados do Norte (todos), Nordeste (PI e BA), Centro-Oeste (MT etc.) e Sudeste (MG).

Essa irracional atitude, baseada em conveniências políticas (v.g., a Bahia não quis ficar subordinada a Pernambuco) ou interesses pessoais, deu origem a um tribunal que, de regional, só tem o nome, já que alcança quatro das cinco regiões administrativas do Brasil. Se a gestão era difícil ao início, depois se agravou com a interiorização. O órgão diretivo tem que dar solução a problemas que vão de Tabatinga, na divisa do Amazonas com a Colômbia, até Uberlândia, no Triângulo Mineiro. Cidades que, em comum, talvez só tenham a língua portuguesa.

Pois bem, o fato é que o problema aí está. Excesso de processos, servidores desestimulados, sensação de impotência, tudo a colaborar para que a situação persista e, com ela, sofram milhares de pessoas que procuram a Justiça.

Que fazer? Choramingar pelos corredores da corte? Não, por óbvio. É preciso um plano ambicioso, algo que vá além de mais um mutirão. Uma autêntica política pública judiciária, com a união dos membros do tribunal, pedidos de cooperação, fixação e cobrança de metas.

Como observa Patrícia Pereira da Silva, abordando o papel da liderança nas crises, “grandes líderes vivem à frente da realidade, reconhecem os eventos e seus significados e não fogem das consequências do que conseguem visualizar”[2]. A situação é de crise e deve ser vista como uma oportunidade, e não como um mal inevitável.

Assim, sem prejuízo da criação de novos TRFs ou de mais 33 cargos no TRF-1 (PL 8.132/14 da Câmara dos Deputados), é chegada a hora de atacar o problema de forma ampla, e não setorial. E nesse objetivo não apenas os órgãos de direção do TRF-1 devem se empenhar, mas também o Conselho da Justiça Federal, por ser o órgão que tem por missão integrar e promover o aprimoramento da Justiça Federal. Aos outros TRFs cabe cooperar, pois todos acabam sendo atingidos pelas dificuldades do TRF-1. Não é à toa que, no âmbito corporativo, as grandes empresas exigem eficiência de todas as filiais, pois sabem que a má imagem de uma atinge todas.

A título de sugestão, sem prejuízo de outras tantas que mentes brilhantes poderão apontar, vejamos 10 medidas que poderiam ser discutidas e, se aprovadas, postas em execução:

1) Um gestor do plano: as universidades brasileiras, quando se propõem a alcançar postos mais elevados nos índices de avaliação, convidam alguém de fora, que vem, aponta os defeitos, indica o que tem que ser feito e vai embora. Essa pessoa, odiada por muitos até o fim dos seus dias, evidentemente não pode ser alguém de dentro da instituição, pois laços de amizade impedem qualquer medida mais rigorosa;

2) Conselho Consultivo: composto por três pessoas reconhecidamente especializadas no assunto e que possam apontar caminhos. Uma da Justiça Federal, as outras duas da Justiça estadual e do Trabalho, estas para trazer conhecimentos diferentes. Apenas como exemplo e só a esse título, o ministro Sidnei Beneti, que dedicou toda sua vida ao Judiciário e que foi presidente da União Internacional dos Magistrados, é um exemplo típico de currículo adequado a tal tipo de missão;

3) Crença do presidente: os tribunais, atualmente, partilham a administração entre vários desembargadores, além dos servidores que ocupam cargos na cúpula administrativa. Mas, entre eles, sobressai a figura do presidente. Esse deve crer e expressar sempre o sentimento de que é possível tornar os serviços judiciários melhores. É ele quem mais influencia o grupo.

4) Tempo para os servidores: os servidores sentem no dia a dia as dificuldades na administração dos processos. Mas nem sempre têm a oportunidade de exteriorizar suas preocupações e sugestões. Uma boa estratégia é dedicar um dia por mês para um café da manhã com os servidores e então se discutir formas de ação. Evidentemente, isso é possível em uma subseção judiciária ou comarca menor, mas não em um tribunal. Mas em um TRF pode-se tomar tal medida com os diretores (RH, Informática etc.). Com certeza, boas propostas surgirão. Além disso, é importante o presidente ter um canal com os servidores. Críticas e sugestões podem ser enviadas para um e-mail criado para tal fim, e sempre deverão ser respondidas.

5) Capacitação de servidores em administração da Justiça: é imprescindível capacitar servidores em técnicas de administração. Isso já é feito, por exemplo, na Seção Judiciária do Paraná. Uma vez ao ano, todos que ocupam funções administrativas são obrigados a reciclar-se. Mas é preciso mais. É preciso que as Escolas da Magistratura tenham um departamento destinado exclusivamente aos servidores, com um calendário de cursos permanente, inclusive uniformizando práticas em todas as seções judiciárias. Transmitidos por videoconferência, podem ser acessados por todos. E deve ser requisito para que os que ocupam função de confiança nelas permaneçam.

6) Pontuação e estímulo: no serviço público, o espaço para premiar a meritocracia é reduzido. Não é possível criar pagamentos extraordinários ou conceder vantagens ilegais. Ainda assim, algumas iniciativas podem ser tomadas. Uma delas é criar um sistema de pontuação para aqueles que desenvolvam habilidades especiais. Por exemplo, um concurso de inovações pode ser aberto, dando aos três primeiros colocados o direito de participar, com todas as despesas pagas, de congressos na área, no Brasil ou no exterior. No item estímulo, indicar servidores do quadro para cargos de comissão é essencial. Salvo situações excepcionais, pessoas de fora da carreira não devem ser indicadas, porque isso cria desalento nos funcionários.

7) Inovações positivas e reconhecimento: além das práticas administrativas de gestão e estratégia, outras, de caráter inovador, podem ser adotadas, com repercussão positiva na distribuição da Justiça, na imagem da corte e no ânimo de juízes e servidores. Por exemplo, entre as medidas de combate à corrupção propostas pelo Ministério Público Federal encontra-se a especialização de Varas em Improbidade Administrativa. Essa iniciativa não depende de lei, mas de simples decisão do tribunal. Um passo à frente de todos os tribunais do Brasil seria especializar uma das varas de uma seção judiciária. Na verdade, semiespecializar, pois a vara seria a única a receber tais casos, mas continuaria a receber os demais.

8) Copiar boas práticas: o Japão reergueu-se economicamente após a derrota na Segunda Guerra por força de capacidade de sua gente e por não temer imitar as boas práticas de outros países. O TRF-1 — e outros tribunais — pode adotar projetos de sucesso de outros tribunais, adaptando-os à sua realidade. Por exemplo, apanhando uma prática de excelência de cada TRF e convidando o servidor responsável para auxiliar na implantação. Nos TJs e TRTs, também poderão ser encontradas iniciativas de sucesso. Tal medida meritória não revelaria fraqueza, mas desejo sincero de bem servir.

9) Formação de líderes: é necessário que se estimulem juízes, para que construam a transformação das práticas antigas em uma forma de administrar moderna e eficiente. A formação de formadores vem sendo executada com sucesso pela Escola Nacional de Formação e de Aperfeiçoamento de  Magistrados (Enfam)[3], que promove parceria com as Escolas da Magistratura. E não só isso. É preciso também formar líderes entre os servidores, conforme afirmado no item 5º.

10) Adaptar-se à modernidade: as mudanças do mundo contemporâneo não podem ser ignoradas na gestão judiciária. O chamado home office pode ser estimulado. Menos gente transitando no tribunal, economia de combustível, metas impostas e cobradas, mães que conseguem permanecer mais tempo com seus filhos. Essa é uma prática adotada com sucesso no TRF-4 e Justiça Federal da 4ª Região. Mas outras podem ser avaliadas. A leitura da revista Você S.A. 2015, dedicada às 150 melhores empresas para trabalhar, pode trazer novidades que caibam nas regras do serviço público.

Seria possível pensar em outras medidas, mas muitas delas dependem de alteração constitucional ou legal. Por exemplo, os concursos do Judiciário admitem servidores que tomam posse e depois transitam entre a área judicial e a administrativa. Já é hora de haver concursos separados, de admitir pessoas para atuar em uma ou em outra área, definitivamente.

Em suma, enquanto os novos TRFs não chegam, é preciso que haja empenho máximo em prestar o melhor serviço possível, a fim de que não sejam penalizados os que procuram o Judiciário na última esperança do reconhecimento dos seus direitos.

Autores

  • é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente eleito da "International Association for Courts Administration - IACA", com sede em Louisville (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!