Erros em série

Juiz dá "puxão de orelha" no MPF ao absolver acusados de acidente da TAM

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5 de maio de 2015, 7h18

Uma série de erros do Ministério Público Federal fez com que a Justiça Federal rejeitasse denúncia contra três acusados de contribuir para o acidente com um avião da TAM que causou a morte de 199 pessoas, em 2007, no aeroporto de Congonhas, em São Paulo. O juiz Márcio Assad Guardia, da 8ª Vara Criminal de São Paulo, diz que o órgão acusatório apresentou “distorção e invencionice”, “imprecisão absurda”, “verdadeiro devaneio” e omitiu dados da perícia.

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Erros em acusação impedem condenação de acusados de ter contribuído para o acidente do Voo 3054, diz juiz.
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Ele absolveu dois executivos da TAM — o então diretor de Segurança de Voo da companhia, Marco Aurélio dos Santos de Miranda e Castro, e o vice-presidente de Operações Alberto Fajerman — e a diretora da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) na época do acidente, Denise Maria Ayres Abreu. Segundo o MPF, os três deixaram a aeronave exposta a perigo mediante negligência, pois teriam ignorado procedimentos ligados às suas funções.

A denúncia diz, por exemplo, que os executivos da TAM deveriam ter ordenado que a aeronave pousasse em outro aeroporto ao constatar problemas na pista principal de Congonhas, num dia chuvoso. Já a decisão diz que não havia motivo concreto para o redirecionamento de aeronaves, pois o aeroporto estava em funcionamento regular, autorizado pelas autoridades competentes.

Apesar de o MPF indicar problemas na atuação da dupla, o juiz afirma que o órgão deixa brechas sobre qual deveria ser a conduta correta: “Qual o critério que seria utilizado? Bastaria que chovesse no mesmo dia? Ou algumas horas antes? Bastaria a identificação de pista molhada? Em suma, o parquet nem sequer delimita objetivamente o dever de agir, ou seja, o comportamento que seria apto a impedir o resultado, engendrando uma conduta desprovida de razoabilidade e que passa ao largo de qualquer lastro probatório ou normativo”.

Castro e Fajerman também eram acusados de terem deixado de informar os pilotos do Airbus A-320 sobre mudanças no procedimento de pouso, já que um reversor estava inoperante. O juiz disse que essa imputação consiste “em verdadeiro devaneio”, pois as provas nos autos demonstraram que a comunicação foi feita por meio de boletins, e-mails e do MEL (lista de equipamentos elaborada pelo fabricante do avião cuja leitura é obrigatória para pilotos, ou a "bíblia" do aviador, segundo o juiz).

A ex-diretora da Anac foi denunciada sob a acusação de ter liberado a pista de Congonhas “mesmo ciente de suas péssimas condições”. A denúncia cita liminar de uma Ação Civil Pública que impôs limites ao tráfego no aeroporto até a recuperação da pista. Mas a decisão, aponta o juiz, nem sequer tinha eficácia no dia 17 de julho de 2007, quando ocorreu o acidente, pois as obras já haviam sido concluídas.

A denúncia citava ainda procedimentos corretos para “aeronaves com sistema de freio inoperante”. O juiz apontou “falta de compromisso com a precisão semântica”, pois “nunca, em nenhum lugar do planeta, permitiu-se que uma aeronave operasse sem sistema freios!”.

Ao apresentar os argumentos finais, o MPF também quis mudar a acusação de modalidade culposa por dolosa. O juiz afirmou que “transparece à obviedade o descabimento do pleito ministerial, pois só poderia modificar a descrição da petição inicial se houvesse mudança na descrição dos fatos”.

Erro dos pilotos
Em resumo, a decisão diz que o acidente ocorreu por erro na execução do procedimento de pouso, conforme concluiu a perícia. “Nessa toada, ainda que houvesse uma ‘melhor estrutura’, ‘maior número de funcionários’ ou ‘outros instrumentos de comunicação com os pilotos e de análises de tendências’ — seja lá o que isso signifique na visão do MPF — não teria o condão de impedir o acidente ou minimizar eventual risco de sua ocorrência.”

“Seu fator determinante deu-se no exato momento da execução do procedimento de pouso, de modo que não se encontra no desdobramento causal de uma ‘fiscalização’ prévia do setor de segurança da companhia aérea, nem tampouco ao alcance de sua ingerência para evitar que o resultado não ocorresse”, escreveu Guardia.

Ele avaliou que somente haveria responsabilidade dos dirigentes nas hipóteses de, por exemplo, falta de treinamento adequado; escala de pilotos inexperientes ou com horas insuficientes de voo com aquele modelo de aeronave; inobservância de horas necessárias de descanso dos pilotos; ou excesso de carga de trabalho, o que não ocorreu no caso.

Disputa por linhas
O acidente se deu em meio a uma guerra empresarial em que a TAM e a Gol atuavam fortemente sobre a Anac para ficar com as linhas da combalida Varig, já em processo de recuperação judicial. Como a Justiça barrou a apropriação das linhas pelas duas aéreas, a Anac abriu novas janelas para que as companhias pudessem expandir sua operação, aumentando o número de voos.

Clique aqui para ler a decisão.

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