Opinião

Não houve manobra na eleição da comissão do impeachment

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15 de dezembro de 2015, 5h06

Nesta quarta-feira (16/12) o Supremo Tribunal Federal deverá decidir se está ou não conforme a Constituição Federal a eleição dos deputados que compõem a Comissão Especial que opinará sobre o impeachment da presidente da República, conforme previsto no artigo 19 da lei 1.079/15 e em conformidade com o artigo 218, § 2º do Regimento Interno da Câmara.

Tenho fundadas dúvidas acerca da possibilidade de estas questões serem levadas ao STF por meio da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), eis que: 1) a decisão da Câmara dos Deputados poderia ser atacada via mandado de segurança, e, sendo assim, não caberia o manejo da ADPF, que só deve ser usada de forma subsidiária, ou seja, enquanto houver outro meio capaz de sanar a lesão, é descabida tal medida; 2) por outro lado, pretende-se atacar norma editada depois da promulgação da Constituição de 1988 — o artigo 218 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados — impugnável apenas via ação direta[1].

Quero aproveitar a oportunidade para tocar no mérito da questão  controvertida. 

 Assim dispõem os artigos em xeque: 

Lei 1.079/1950:  

"Art. 19. Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada a uma comissão especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os partidos para opinar sobre a mesma."

Regimento Interno da Câmara dos Deputados: 

"Art. 218. É permitido a qualquer cidadão denunciar à Câmara dos Deputados o Presidente da República, o Vice-Presidente da República ou Ministro de Estado por crime de responsabilidade. 

§ 1º… 

§ 2º Recebida a denúncia pelo Presidente, verificada a existência dos requisitos de que trata o parágrafo anterior, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada à Comissão Especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os Partidos." 

Alegam os autores da medida cautelar que a eleição a que se referem o artigo 19 da Lei 1.079 e o § 2º do Regimento da Câmara deveria ser aberta e, a rigor, sequer eleição deveria haver, considerando que a composição da Comissão Especial se daria unicamente mediante indicação dos líderes e sem possibilidade de disputa eleitoral. 

Nesse particular, registre-se que a eleição foi feita com base no 188 do Regimento Interno da Câmara, que dispõe: 

"Art. 188. A votação por escrutínio secreto far-se-á pelo sistema eletrônico, nos termos do artigo precedente, apurando-se apenas os nomes dos votantes e o resultado final, nos seguintes casos: 

III – para eleição do Presidente e demais membros da Mesa Diretora, do Presidente e Vice-Presidentes de Comissões Permanentes e Temporárias, dos membros da Câmara que irão compor a Comissão Representativa do Congresso Nacional e dos dois cidadãos que irão integrar o Conselho da República e nas demais eleições; 

Ainda, segundo os autores da ADPF as normas que permitiriam as votações secretas seriam todas inconstitucionais, quando não autorizadas pela Constituição, ou seja, só poderia haver votações secretas quando a Constituição Federal expressamente autorizasse.  

Será? 

Comecemos pelo primeiro argumento: o de que não poderia haver eleições, dado que a composição dos membros da comissão se daria por indicação dos lideres partidários ou dos blocos. 

Aos lideres partidários é permitida a indicação de deputados para a composição das comissões permanentes (pois nestes casos não há eleição e sim indicação) mas não para a composição da Comissão Especial do impeachment, por uma razão simples: A Comissão Especial deve ser eleita nos termos do artigo 19 da Lei 1.079/1950 e não formada por indicação dos lideres. Uma coisa é a formação de comissão por indicação outra é a formação de uma comissão mediante eleição. 

Ora, se se trata de eleição como claramente diz a Lei 1.079/50, é de se presumir a possibilidade de disputa e em assim sendo, a consequência é que outros além dos indicados pelos líderes poderão concorrer. 

Não nego que os líderes partidários possam indicar nomes, todavia, não havendo consenso acerca dos nomes indicados pelos lideres, inviável se torna a eleição em chapa única e, dessa sorte cabível a eleição com disputa.

A eleição com disputa de chapas é a forma democrática e regimentalmente prevista, desde que seja assegurada a participação proporcional dos partidos políticos, na forma prevista no Regimento. 

Deste modo não vejo "manobra" na eleição dos deputados  que comporão a comissão especial do impeachment, com a formação de duas chapas.

Sobre a alegação de que, no silêncio da Constituição, a votação naqueles moldes deve ser considerada inconstitucional quero ponderar alguns aspectos.

Se, no silêncio da Constituição, toda votação deve ser aberta, cumprindo considerar inconstitucional qualquer lei que autorize o escrutínio secreto, indago aos leitores se as seguintes eleições seriam inconstitucionais: eleição do presidente do Supremo[2], eleição do presidente do Senado[3], eleição do presidente da Câmara dos Deputados[4].

Todas as eleições referidas são feitas mediante escrutínio secreto por imposição regimental, mesmo a Constituição não tratando do tema  expressamente. 

Ou seja: será que realmente no silêncio da Constituição as eleições devem ser ostensivas (abertas)? Ou será que as normas infraconstitucionais podem desenhar qual ou em quais situações o voto pode ser fechado? Seria lícito ao STF interferir nessas situações quando reguladas por lei?

As respostas a essas indagações darão a trilha para solucionar problemas dessa natureza. O peso dos valores que o voto secreto visa proteger versus  situações em que o voto aberto visa por igual prestigiar, devem ser considerados, na busca de uma solução harmônica e sistêmica que privilegie a independência e a separação dos poderes.

Numa república, o voto, via de regra, deve ser aberto. Todavia existem situações em que o voto secreto também desempenha um papel relevante no arranjo das relações entre os poderes e entre as instituições.

Essas situações excepcionais normalmente se manifestam quando se está diante de eleições para escolha de representantes. Em tais situações é preciso que o eleitor (no caso concreto o parlamentar que vai eleger outros parlamentares para compor uma comissão especial) não seja obrigado a explicitar seu voto evitando que, futuramente possa ser constrangido pelo representante eleito, caso não tenha votado nele ou que não precise se expor ao representante que será julgado após a admissibilidade do processo. 

No caso do impeachment quem está em xeque é o chefe do Poder Executivo, que pode, para se defender, adotar procedimentos de retaliação aos deputados que porventura tenham votado contra seus interesses, que não são, diga-se de passagem, necessariamente os interesses do Estado. 

Ainda sobre esse ponto, convém lembrar que o voto secreto previsto na lei  infraconstitucional só contempla a eleição dos membros da Comissão Especial. 

Já os votos deliberativos, ou seja, votos que decidem dada questão de mérito, esses devem ser ostensivos e sujeitos ao crivo do controle popular. 

Nesse contexto, entendo ser possível que o legislador tenha tomado por base este valor, sem desbordar dos contornos constitucionais, decidindo, via lei, se o voto para eleição de representantes deva ser fechado ou aberto, sendo induvidosamente constitucional lei que disponha que o escrutínio deve ser secreto. 

Quero registrar, que o presente artigo não visa proteger pessoas, julgar seus  atributos morais, nem avaliar a natureza das condutas ilícitas eventualmente  praticadas, seja a presidente da República ou o presidente da Câmara dos Deputados, mas apenas e tão somente defender a aplicação das leis e da Constituição sem casuísmos nem interpretações orientadas por ideologias.

A presidente da República tem o direito de se defender, na forma da lei, assim como o presidente do Congresso deve processar a aceitabilidade do pedido de impeachment também na forma da lei.  

Aos que entendem que o impeachment não deve prosseguir a oportunidade de fazer valer esse posicionamento é o voto na Câmara pela inadmissibilidade do pedido de impeachment. Do mesmo modo, os que entendem que o processamento do impeachment deve ser admitido só resta uma alternativa, o voto de 2/3 dos membros da câmara dos deputados. 

Defender que a presidência exerça o contraditório e a ampla defesa no processo de impeachment não se confunde com defender a presidente, assim como defender a aplicação do Regimento da Câmara pela presidência daquela Casa não deve ser confundido com a defesa da pessoa do presidente da Câmara dos Deputados.  

Em qualquer caso, devemos sempre, defender a aplicação da lei com imparcialidade e sem paixões ou ideologias, prestigiando o cargo ocupado por essas pessoas e não as pessoas que os ocupam.

Acredito que o Supremo Tribunal Federal, deve, no julgamento do dia 16 de dezembro decidir a questão com a imparcialidade esperada, e seja qual for a decisão, ela deverá ser cumprida. 

O Supremo Tribunal Federal ao decidir estará olhando para a Constituição em seu conjunto, inclusive para a regra de ouro da separação dos poderes. Somente deverá intervir nas questões intestinas do Poder Legislativo se for provocado e  nos casos em que categoricamente a Constituição da República lhe autorize, pois nos demais casos o STF deve negar-se a intervir no âmago do processo político.


[1] Confira-se a esse respeito:

[…] Incide, na espécie, o pressuposto negativo de admissibilidade a que se refere o art. 4º, § 1º, da Lei nº 9.882/99, circunstância esta que torna plenamente invocável, no caso, a cláusula da subsidiariedade, que atua – ante as razões já expostas – como causa obstativa do ajuizamento, perante esta Suprema Corte, da arguição de descumprimento de preceito fundamental. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, em recentíssimos julgamentos, procedendo à interpretação do § 1º do art. 4º da Lei 9.882/99, tem advertido ser inadmissível a arguição de descumprimento de preceito fundamental, quando ajuizada, como no caso, contra diplomas normativos pós-constitucionais, vale dizer, contra espécies normativas editadas após a vigência da presente Constituição (ADPF 158-AgR/DF, Rel. Min. GILMAR MENDES – ADPF 314-AgR/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO).

[2] Art. 12. O Presidente e o Vice-Presidente têm mandato por dois anos, vedada a reeleição para o período imediato.

§ 1º Proceder-se-á à eleição, por voto secreto, na segunda sessão ordinária do mês anterior ao da expiração do mandato, ou na segunda sessão ordinária imediatamente posterior à ocorrência de vaga por outro motivo.

[3] Art. 60. A eleição dos membros da Mesa será feita em escrutínio secreto, exigida maioria de votos, presente a maioria da composição do Senado e assegurada, tanto quanto possível, a participação proporcional das representações partidárias ou dos blocos parlamentares com atuação no Senado.

[4] Art. 60. A eleição dos membros da Mesa será feita em escrutínio secreto, exigida maioria de votos, presente a maioria da composição do Senado e assegurada, tanto quanto possível, a participação proporcional das representações partidárias ou dos blocos parlamentares com atuação no Senado.

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