Para Giorgio Agamben há perigo que estado de exceção torne-se regra
21 de setembro de 2014, 8h00

Agamben reconhece a falta de uma teoria do estado de exceção objetivamente consistente no direito público contemporâneo[4]; não se definiu, ainda, se o estado de exceção seria questão de fato, ou problema jurídico, ainda que se compreenda que a matéria encontra-se em área de intersecção entre o jurídico e o político[5]. Transita-se em uma “terra de ninguém”, onde há a presença (e também a ausência) do direito público e do fato político[6]. O estado de exceção, prossegue Agamben, relaciona-se estreitamente com a guerra civil, com a insurreição e com a resistência[7]. Haveria, assim, um perigoso e impreciso contexto ideológico, de satanização, e ao mesmo tempo de canonização do estado de exceção.
O estado de exceção também resulta, segundo Agamben, da erosão dos poderes legislativos do parlamento[8], passivo e impotente, o que possibilita o ativismo da magistratura. No estado de exceção o executivo veste-se na qualidade de guardião da Constituição, na intuição de Carl Schmitt[9], situação que se realizou de modo fático na Alemanha do entre guerras, por força da aplicação do art. 48 da Constituição de Weimar[10].
Para Agamben o estado de exceção encontra raízes conceituais na figura do “institutos” do direito público romano clássico. Nessa situação, dois cônsules governavam com base em um decreto baixado pelo Senado[11]. Suspendiam-se direitos, uma vez reconhecida uma transitória situação que exigia enfrentamento, e que a refinada nomenclatura da casuística juspublicista romana denominava de tumultus, expressão mantida pelas línguas neorromânicas, com o mesmo sentido originário. Legalizava-se a ditadura[12].
O estado de exceção, assim, seria instrumento de combate a uma necessidade[13]. E é justamente aí que reside o perigo. Ainda que em sua feição contemporânea decorra da teorização do direito público da tradição democrático-revolucionária, e não da tradição absolutista[14] – – é um tema de Robespierre, e não de Hobbes – – o estado de exceção, “impunemente, mediante a violência governamental, afasta o aspecto normativo do direito, eliminando-o”[15]. Assim, para Agamben, o totalitarismo faz do estado de exceção uma situação que apresenta um conteúdo aparente de legalidade[16]. Por isso, assusta-nos a passagem de Agamben, para quem, “o estado de exceção apresenta-se (…) como um patamar de indeterminação entre democracia e absolutismo”[17].
Constata-se o oximoro da “ditadura constitucional”, formulado por Carl Schmitt; o estado de exceção permite que o executivo detenha plenos poderes, expressão que segundo Agamben decorre do “verdadeiro laboratório da terminologia jurídica moderna do direito público: o direito canônico”. No estado de exceção decretos são promulgados com força de lei[18]. Regula-se por lei o que não pode ser normatizado[19].
O estado de exceção revela-se, em seu sentido formal, como um espaço jurídico vazio[20], o que o descaracterizaria como instrumento de ditadura. Porém, as teorizações com as quais contamos não explicitam se o estado de exceção estaria dentro ou fora do ordenamento[21]. A suspensão do ordenamento vigente, para a garantia de sua sobrevivência, acentua Agamben, não suscita uma resposta a uma lacuna normativa; o estado de exceção “apresenta-se como a abertura de uma lacuna fictícia no ordenamento, com o objetivo de salvaguardar a existência da norma e sua aplicabilidade à situação normal”[22].
O estado de exceção revela-se como absolutamente perigoso, na medida em que anula o estado jurídico do indivíduo, a exemplo do que ocorrera com aquelas que foram alcançados por medidas de exceção norte-americanas[23]. Nesse sentido, anulando a “potestas”, isto é, o elemento normativo e jurídico da política, em favor da “auctoritas”, nomeadamente, o elemento anômico e metajurídico dos arranjos institucionais[24], o estado de exceção é o instrumento que denuncia a suspeita matriz comum entre democracia e totalitarismo, instâncias que o provocativo Agamben concebe em um contexto de íntima solidariedade[25].
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