Cooperação recíproca

Advogados esperam surpresa agradável de Nalini

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23 de janeiro de 2014, 5h43

O novo presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, José Renato Nalini, veio da Corregedoria Geral. Seu último ato teria sido aquele de buscar a adesão da classe jurídica, com relevo para os advogados, a uma espécie de “economia” no uso do léxico, encurtando arrazoados e petições a limite não excedendo as dez laudas. Relembrando-se que o Tribunal de Justiça acabou de implantar, embora com dificuldades aqui e ali, sistema digital, ou eletrônico, no relacionamento com os demandantes, é bom que se faça a tradução: são dez páginas, transformadas em pixels. Além disso, há sugestão a que as partes simplifiquem o palavreado, ou seja, o uso da pletora de vocábulos existentes nos dicionários. Faltou, acredito, o estímulo a que as margens direitas fossem suprimidas, na medida em que há, conforme expressamente admitido no contexto levado à imprensa, o socorro dos prolegômenos existentes na Suprema Corte dos Estados Unidos da América do Norte. Lá, com efeito, é assim: curto e grosso.

A adesão ao projeto, se bem que razoavelmente pensada por mim, vai levar, realmente, a um esforço desesperado de muito advogado culto. Por exemplo: li outro dia, num escritor moçambicano muito laureado, a expressão “arruássemos”, ou seja, andar pelas ruas. Fiquei empolgado com aquela expressão. Gostei. Prometi usá-la nas primeiras razões que fizesse, alguma coisa como “arruássemos a liberdade do paciente”. Ficaria bonito. Ou então, enquanto falando no ultrapassamento dos prazos para a prisão preventiva, agregasse: “hipérbole”, “auxese”, “diasirmo”. Ou ainda, cuidando de enganador ou estelionatário, chamá-lo de “machatim”, “jacobeu”, “pantomineiro”, “almocreve de petas”.

Evidentemente, a utilização desses vocábulos seria um exagero, ou hipérbole, ofendendo até muito juiz destinatário de pretensão, pois há coisas, no português ortodoxo, a serem tomadas como xingamento. Na verdade, o atual presidente do Tribunal de Justiça pretende encurtar o diálogo entre uns e outros, tornando a atividade jurisdicional mais enxuta. Desagrada-me apenas o socorro da Suprema Corte norte-americana. Os ianques têm na disputa oral a quase totalidade das suas quizilas. Resta, naqueles tribunais alienígenas, pouco a escrever, notando-se que os americanos do norte, por não sei quais cargas d’água, não usam margem direita acertada, fazendo-o não por usura, é certo, mas por razão outra, pois bastaria um dedo a pressionar o computador. É coisa deles.

Eu, particularmente, preferiria a imitação dos juristas ingleses, notando-se que nas cortes da Rainha Elizabeth os magistrados usam aquelas perucas lindas a lhes ornarem o crânio. Não pesquisei, ainda, a razão pela qual os saxões teimam em utilizar aqueles compostos capilosos, mas parece, salvo melhor juízo de cabeleireiro culto, que houve na Europa, no início do século XIX, pouco antes dos barcos a vapor, uma epidemia de phthiraptera (piolhos), obrigando os nobres, enquanto nas caravelas, à extração total dos cabelos, sem exceção das mulheres, usando-se então a proteção fictícia. Consta que a mulher de D. João VI, Carlota Joaquina, tinha horror do Brasil, em parte devido àquele muito incômodo parasita. Nessa medida, evidentemente, não se pode buscar eflúvios na magistratura da Bretanha.

Escreva-se seriamente: o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo tem razão, sim, em querer encurtar despachos, decisões e recursos, mas tudo na medida razoável, pois há agora, visualizado segundo o processo eletrônico, CD’s repletos de imagens e palavras fisicamente registradas, tornando-se dificílima, às vezes, a interpretação de texto posto atrás, em conjunto com dezenas de alguns assentados à frente. Em síntese, uma loucura mansa e reservada, diga-se de passagem, a quem tenha possibilidades de usar instrumental adequado à edição. O processo verbalizado, à semelhança dos norte-americanos, seria mais ágil, é claro, mas isso implicaria na mudança dos nossos códigos em porção fundamental, na medida em que a nossa oralidade é mentirosa. O nosso oral é quase sempre substituído pelo próprio escrito.

Insisto em que vou, sim, cooperar com as sugestões da Presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo, confiando na recíproca, havendo diferença entre o sugerido pelo novo presidente e fenômenos marginais em plena vigência, embora em afrontamento direto ao Conselho Nacional de Justiça. Simplifico: os mais de trezentos mil advogados paulistas hão de oferecer, enquanto puderem, ajuda ao novo presidente da Corte bandeirante, fazendo-o voluntariamente. Em contraposição, querem, sim, a banimento do aviltante portal eletrônico que violenta, no foro civil e criminal, a intimidade dos profissionais que penetram naquelas casas de aplicação das leis. Há trezentos mil advogados atentos ao desembargador José Renato Nalini. Deve provir dele o primeiro abraço da nova gestão. A classe sabe devolver carinhos, mas está aprendendo, a duras penas, a reagir como comunidade.

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