Relação mercadológica

Convenção parcial da marca se opõe à lei Renato Ferrari

Autores

  • Luiz Fernando Valladão

    é advogado professor universitário e procurador do município de Belo Horizonte. Coordenador da pós-graduação em Processo Civil da Faculdade Arnaldo Janssen. Autor dos livros Recursos e Procedimentos nos Tribunais no novo CPC (ed. D'Plácido 3ª ed) e Recurso Especial (ed. Del Rey 3ª ed).

  • Lucas Valladão Nogueira

    é advogado da Valladão Sociedade de Advogados.

4 de abril de 2014, 11h33

A questão que se coloca em debate é se as disposições contidas nas convenções de marca podem prevalecer sobre as previsões expressas na Lei Federal 6.729/79, apelidada de “lei Renato Ferrari”.

Ora, como se sabe, no ramo do mercado de veículos automotores figuram-se, de um lado, os grandes produtores, donos do processo de produção, da tecnologia automobilística e da marca, e, de outro, os seus distribuidores, que através do contato pessoal e direto com o consumidor, comercializam os veículos em suas concessionárias.

Em função da complexidade desta relação mercadológica, e sua forte influência na economia, a lei que disciplina especificamente a matéria previu, ainda, a necessidade de cada marca celebrar sua própria convenção particular para adentrar em pormenores ainda mais específicos que a lei não tratou. Acontece que, muitas vezes, as disposições formuladas nestas convenções se opõem ao que a lei federal determina.

Isso, por si só, já fere de pronto o primeiro artigo da lei Renato Ferrari, que admite a regulamentação da atividade por meio de “convenções” desde que estas “não a contrariem” (a lei).

Na prática, o que se constata é que as convenções passaram a prever restrições e punições em hipóteses que a lei não prevê. E isso ofende frontalmente o ordenamento jurídico.

Nosso Tribunal Superior, com a atribuição de tutelar a legislação federal infraconstitucional, já se posicionou no sentido de que as vedações contidas na lei e nas convenções devem ser interpretadas restritivamente (REsp 59.382-4/SP e RESP 3836). Isto é, a convenção não pode estabelecer regras prejudiciais que não estejam abarcadas pela legislação federal. Por exemplo, em muitas destas convenções há a imposição, nos casos de venda de um veículo a consumidor domiciliado em área demarcada como de outra concessionária, de um repasse de parte do valor da venda.

Isso quer dizer, em termos práticos, que se o consumidor que reside na área de operação da concessionária A adquire, por sua livre e espontânea vontade, veículo na concessionária B, da mesma marca, esta deve repassar margem da comercialização àquela.

Acontece que tal disposição — existente em várias convenções de marcas — vai de encontro à Lei 6.729/79, com as alterações dadas pela lei 8.132/90.

O artigo 5º, parágrafo 2º, antes da alteração realizada em 1990, dizia exatamente o que as convenções continuam a prever. Previa que “na eventualidade de venda de veículo automotor ou implementos novos a comprador domiciliado em outra área demarcada, o concessionário que a tiver efetuado destinará parte da margem de comercialização aos concessionários da área do domicílio do adquirente.”

Após a alteração, contudo, extirpou-se do ordenamento jurídico a restrição relativa à figura do repasse da margem de comercialização, nos casos de venda a consumidores residentes em área de operação de outra concessionária.

Agora, com a alteração legal, o mesmo dispositivo se limita a restringir a atuação direta ou por prepostos das concessionárias fora de sua área demarcada. Ou seja, a lei apenas veda a prática ostensiva da concessionária que busca o consumidor fora de sua área para vender os veículos. Tal alteração veio a calhar, diga-se de passagem, na medida em que acompanha os ditames constitucionais da livre concorrência (artigo 170, IV da Constituição Federal de 1988) e da tutela dos interesses do consumidor (artigo 39, IX do Código de Defesa do Consumidor).

Convenhamos, as convenções que reencarnam a imposição do mencionado repasse estão contrariando legislação hierarquicamente superior (lei Renato Ferrari) e, em última análise, até a livre concorrência constitucionalmente protegida.

O próprio Superior Tribunal de Justiça já sinalizou pela ilegalidade das convenções que imponham o tal repasse. Em precedente do final da década de 90, o saudoso ministro Menezes Direito decidiu exatamente sobre o dispositivo alterado na lei Renato Ferrari (artigo 5º, parágrafo 2º), no sentido de que “se o comando legal não exige o pagamento de parte da margem de comercialização aos concessionários da área do domicílio do comprador, mas, tão-somente, veda a comercialização fora de sua área demarcada, não se pode ampliar o comando para determinar o pagamento pretende a autora. Seria criar vedação quando a lei especial assim não estabeleceu.” (REsp 88.565/SP)

Portanto, diante da incompatibilidade desta disposição, contida em diversas convenções de marcas, face à legislação federal, cabe ao concessionário que a ela é submetido acionar o poder judiciário para que este, na esteira do entendimento do STJ, obste tal ilegalidade.

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