Política nefasta

Falta de repasses impossibilita melhorias, afirma Orlando Perri

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28 de outubro de 2013, 16h25

De acordo com o relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso está em último lugar no quesito produtividade entre os tribunais de médio porte. Para o presidente do tribunal, desembargador Orlando de Almeida Perri, falta investimento em primeiro grau e suprir o déficit de pessoal. Entretanto, de acordo com ele, o governo não tem feito os repasses ao Judiciário, impossibilitando melhorias.

“Eu tenho explicado e procurado mostrar ao governador do Estado que essa política da Secretaria de Fazenda (Sefaz), de repassar ao Judiciário valor menor do que se prevê no orçamento e as leis orçamentárias, tem sido nefasta ao Poder Judiciário. Porque isso impede o recrutamento de novos servidores e magistrados”, disse em entrevista ao site MídiaNews.

De acordo com Perri, somente em 2012 a Sefaz não repassou ao Judiciário cerca de R$ 50 milhões. Sem recursos, o desembargador explica que não consegue suprir o déficit de pessoal, que segundo ele é de 400 servidores e 37 magistrados. “Está em andamento um novo concurso para a magistratura e vamos recrutar pelos menos mais 12 magistrados. Entretanto, mais magistrados somente se o governo do estado repassar dentro do ano orçamentário aquilo que lhe é devido ao Poder Judiciário”, afirma.

Leia a entrevista concedida ao site MídiaNews:

Os dados do CNJ apontam que o grande problema do Judiciário Estadual está na primeira instância. Com uma taxa de congestionamento de mais de 83,7%, sendo 80,7% na fase de conhecimento e 89,5% na fase de execução. Apesar dos dados não terem sido compilados na sua administração, dá para fazer uma avaliação dos motivos que levaram a números tão elevados?
O CNJ acabou incluindo na avaliação da taxa de congestionamento o número de arquivamentos concluídos pelos tribunais de justiça. Lamentavelmente o Tribunal de Justiça de Mato Grosso tem arquivado pouco. Julga-se até razoavelmente bem, mas arquivasse muito pouco daquilo que julga. Tomemos como exemplo os tribunais de São Paulo e Rio de Janeiro, que foram bem classificados pelo CNJ. Esses tribunais têm uma taxa de congestionamento na ordem de 78%, entretanto eles arquivam tudo que eles julgam. Enquanto que em Mato Grosso arquiva-se em média 44%. Então o número de arquivamento tem influído sobre maneira na taxa de Mato Grosso.

E o que tem sido feito para alterar essa situação?
Primeiramente trabalhando nas situações que contribuem para elevar a taxa de congestionamento. Já começamos a trabalhar na elaboração de três planos de gestão. Um a curto prazo, ainda para esse ano, outro para 2014 e o terceiro para 2015. Levado a efeito esses planos de gestão nós vamos diminuir sobremaneira a taxa de congestionamento junto ao CNJ.

O senhor sempre disse que sua prioridade seria a primeira instância. O que tem sido feito para realmente dar prioridade para o primeiro grau?
Um dos grandes problemas que nós temos é estrutural, principalmente na parte de pessoal. Uma das principais reclamações dos magistrados, advogados e servidores é a falta de mão de obra. Estamos trabalhando no sentido de encontrar soluções para suprir uma parte dessa grande deficiência que é a falta de recursos humanos. Por exemplo, a falta de arquivamento dos processos é um reflexo da falta de servidores. Tantos os magistrados como os servidores se preocupam muito mais em movimentar os processos, dar andamento aqueles processos que estão nas prateleiras aguardando os impulsos, do que trabalhar no arquivamento. Eles estabelecem prioridades. Inclusive um dos planos de ações que estamos tomando é para agilizar a arquivamento e reduzir a taxa de congestionamento.

Então o arquivamento dos feitos já será realizado em 2013?
Vamos fazer uma força tarefa a partir de novembro, para trabalhar especificamente no arquivamento dos processos que já se encontram nestas condições. Gostaria de acrescentar também que nós estamos tentando aumentar o número de servidores. Já demos posse para mais de 150 oficiais de Justiça e vamos convocar 80 juízes leigos ainda neste ano. Só estamos esperando a aprovação de uma lei que está na Assembleia Legislativa, para corrigir uma distorção da lei atual no que diz respeito ao cumprimento de meta.

De concreto, o que já mudou de quando o senhor assumiu até agora, passado 240 dias de administração?
Já começamos a modificar essa situação. De maio a setembro nós já recebemos 34 mil processos e julgamos 52 mil. Ou seja, nós julgamos 156% a mais do que entrou. Isso demonstra que estamos respondendo melhor que em 2012. Graças evidentemente a algumas ações já tomadas no âmbito dos juizados especiais, como não deixar desguarnecido de magistrados. Temos feito o possível para que isso não ocorra, porque a população espera uma resposta mais célere dos juizados.

E quanto a Justiça comum?
Nós já estamos ultrapassando a produção que tivemos no ano de 2012. Pela previsão e pelo caminhar, nós vamos encerrar o ano com 40% a mais de processos julgados comparados com 2012.

Esse é um crescimento muito alto de um ano para o outro. O que ocorreu para atingir esse índice?
A verdade é que os juízes estão produzindo mais. Evidentemente que também já conseguimos suprir uma parte dos servidores, como os estagiários que praticamente estão em todas as comarcas do Estado. Então, nós já fizemos algumas movimentações no Estado e vamos realizar concurso público, para atender aquelas comarcas que mais necessitarem e que continuarem em condição de crítica.

O Judiciário Estadual tem dificuldade para completar o seu quadro de pessoal pelo salário pouco atrativo dos servidores efetivos comparados com outras esferas da Justiça. O exemplo disso foi o último concurso realizado em que muitos candidatos aprovados ou não assumiram as vagas ou pediram exoneração logo em seguida.
Nós tivemos problema nos últimos concursos, especialmente aquele que realizamos em 2008. Nós fizemos o concurso por polo e foi um grande equívoco do Tribunal de Justiça. Porque se a Justiça de Mato Grosso remunerasse bem, como em nível federal, nós certamente teríamos pessoas que se dispusessem a ir aos rincões do Estado. Mas, fato é, que o cidadão que mora em Sinop e se aprovado em um concurso para o polo de Sinop, mas nomeado em outra comarca, como Vera, ganhando o que se ganha, evidentemente que ele não vai deixar a sua casa para assumir o cargo e, por conta disso, nós tivemos uma evasão ou desistência muito grande. Aproximadamente cerca de 40% dos aprovados sequer tomaram posse e uma significativa parte assumiu e deixou as fileiras do Tribunal, porque o salário deixou de ser atraente. Nós estamos repensando no sentido de qual cargo realmente nos interessa mais, porque no último concurso houve uma grande evasão de analistas. Então, os próprios gestores já perceberam que os técnicos são os que permanecem nos quadros do Poder Judiciário. Por isso, estamos pensando que metade dos cargos deverá ser para técnico.

O senhor falou que irá fazer concurso. As vagas que serão abertas irão suprir a necessidade de mão de obra?
Não, por causa da questão orçamentária. Hoje nós precisaríamos em torno de 400 servidores, mas só conseguiremos fazer concurso para suprir 150 servidores. No que diz respeito a magistrado, estamos precisando de 37 novos magistrados. E já informo que está em andamento um novo concurso para a magistratura e vamos recrutar pelos menos mais 12 magistrados. Entretanto, mais magistrados somente se o governo do estado repassar dentro do ano orçamentário aquilo que lhe é devido ao Poder Judiciário.

Então quer dizer que o governo não está cumprindo com o determinado em lei?
Eu tenho explicado e procurado mostrar ao governador do Estado que essa política da Secretaria de Fazenda de repassar ao Judiciário valor menor do que se prevê o orçamento e as leis orçamentárias tem sido nefasta ao Poder Judiciário. Porque isso impede o recrutamento de novos servidores e magistrados.

De quanto foi o prejuízo?
No ano passado a secretaria deixou de repassar cerca de R$ 50 milhões no decorrer do ano de 2012. O valor está sendo pago este ano, a partir de julho em seis prestações. Então, nós estamos tentando convencer o governador dessa necessidade de recebermos dentro do ano corrente aquilo que é devido ao Poder Judiciário, para que nossas metas e ações não sejam prejudicadas.

A falta de repasse prejudica quais setores?
Principalmente o pagamento de pessoal, porque para outras despesas, nós temos o Funajuris que atende grande parte da nossa demanda. Atualmente nós temos 20 obras em andamento no Estado. Uma significativa parte delas custeada pelas verbas que são recorridas pelas fontes do Funajuris.

Falando em obras, o senhor retirou do orçamento de 2014 previsão para a construção dos Juizados Especiais e do Fórum de Várzea Grande. Qual motivo?
Existia realmente dois projetos de alto custo no Poder Judiciário. Um da construção do Fórum de Várzea Grande orçado em R$ 40 milhões e o outro da construção do complexo dos juizados especiais de Cuiabá também orçado em R$ 40 milhões. Nós mandamos rever os dois projetos, especialmente dos juizados especiais, até porque nós não precisamos dessa estrutura gigantesca e paquidérmica, como estava previsto. Basta, em termos de comparação, lembrar que o projeto elaborado para os juizados tinha só 3 mil metros a menos do que o Fórum de Cuiabá. A revisão é para se construir um prédio de acordo com as nossas necessidades. Não queremos nada luxuoso, só que o prédio possa abrigar os nossos juizados e que seja funcional, nada de ostentação.

Então não está descartado?
Não. Muito pelo contrário, nós pretendemos iniciar a obra nesta gestão, porque é inadmissível que uma capital não tenha um complexo e sim juizados espalhado pela cidade. Além do que isso gera muita despesa para os cofres do Judiciário.

De quanto?
Cada prédio é uma administração, além do que os aluguéis para o Judiciário custam muito alto. Os juizados localizados no edifício Maruanã custam para o Tribunal cerca de R$ 50 mil por mês. Nós tivemos que proceder com a mudança do Juizado Criminal, no prédio localizado na Getúlio Vargas, que estava caindo aos pedaços e vamos ter que proceder com a reforma do prédio histórico. O aluguel do novo espaço vai custar algo em torno de R$ 40 mil. Quer dizer, os alugueis para o Judiciário acabam custando muito. Mais um exemplo é o arquivo. Pretendemos construir um prédio, mas estamos alugando um novo espaço que irá custar mais R$ 20 mil por mês. O sonho do povo é sair do aluguel e o nosso também é. Precisamos de casa própria.

Muito se falou em orçamento. O senhor conseguiu algum incremento no valor previsto para 2014?
Nós conseguimos um incremento, fruto de muita negociação e sensibilidade do governador, e ele disse que vai manter o mesmo orçamento do ano passado, naquilo que se refere ao custeio. No orçamento deste ano nós conseguimos passar de R$ 60 milhões para R$ 107 milhões com emendas parlamentares. Em um primeiro momento o governo sinalizou que não iria manter os R$ 107 milhões, mas graças a Deus e a sensibilidade do governador esse valor será mantido e corrigido.

A gestão do senhor recebe muitas críticas de que as coisas não estão acontecendo e que a administração ainda não decolou.
Desde o meu discurso de posse eu tenho enfatizado que não sou milagreiro. As pessoas esperam de mim muito mais do que eu posso fazer, não como pessoa, mas como gestor, em decorrência dos recursos que são disponíveis ao Tribunal. Quisera eu ter recursos muito mais vultuosos para investir em mais magistrados, mais servidores, mais tecnologia. Enfim, os nossos recursos são limitados e nós estamos estabelecendo prioridades. Claro que estamos estabelecendo mudanças profundas no Judiciário. Estamos fazendo ainda aquilo que é básico. Estamos fazendo o alicerce. As ações feitas hoje só irão aparecer e ter resultado, daqui a dois, três ou cinco anos. Por exemplo, assumimos o Tribunal de Justiça com todos os setores trabalhando praticamente de modo artesanal. Só para se ter uma ideia, no setor de recursos humanos para conseguir uma informação, era necessário fazer inúmeros cruzamentos e ainda assim essa informação não era confiável. Estamos trabalhando agora na gestão de processos e na gestão de pessoas, para que em pouco tempo a administração do TJ possa apresentar resultados melhores do que hoje possível. Estamos fazendo alguns trabalhos que não dão vitrine, mas que são necessários.

Qual a avaliação que o senhor faz da sua gestão?
Estamos fazendo um trabalho que não está aparecendo, mas que trará um grande resultado para o Judiciário. A nossa administração começou a levantar voo a partir do sexto mês. Porque tivemos imensas dificuldades no início da gestão, como a greve dos servidores e com as obras. Todas as obras estavam com problemas e tivemos outras infinidades de problemas que tivemos de resolver e que acabou tomando uma boa parte do nosso tempo. Agora estamos começando a conseguir resultados, como já salientamos a questão dos juizados especiais e da própria justiça comum que esperamos fechar o ano com o julgamento de 40% a mais de processos do que em 2012. Isso tudo é sinal de que alguma coisa já foi feita e vamos obter resultados ainda melhores em 2014. 

Como está hoje o relacionamento com os servidores?
Está muito bem. Hoje é harmônico. Disse para o presidente do Sinjusmat que tudo que puder ser feito eu vou fazer. É claro que dentro das limitações orçamentárias e legais. Estamos procurando agora pagar passivos que o Poder Judiciário tem com os servidores. Estamos fazendo gestão junto ao CNJ para que aquele órgão proceda com a liberação do pagamento de direitos tanto de magistrados como de servidores que se encontram presos desde a gestão do ministro Gilson Dipp, em 2009. Esperamos e acreditamos que o ministro Falcão, com os pareceres técnicos, ele possa decidir pelo pagamento dos créditos. Agora estamos também fazendo o levantamento de outros créditos que os servidores têm direito e o cumprimento do que determina lei.

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