Lei de Recuperações levanta questões polêmicas
9 de abril de 2013, 15h28
A Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, a Lei da Recuperação Judicial e Falência, completou oito anos. Portanto, apenas recentemente diversas questões polêmicas decorrentes dela começaram a surgir e a ser julgadas pelos tribunais estaduais e pelo Superior Tribunal de Justiça.
Especialmente no tocante à recuperação judicial, a prática demonstrou a necessidade de se confirmarem as interpretações mais adequadas da LRF ou de se realizarem ajustes nesta. O Judiciário tende, então, a assumir função proeminente de participar quase como criador das normas em si. Nesse contexto, a atuação do STJ é aguardada com ansiedade pela comunidade jurídica, dada a sua função de pacificação da interpretação jurisprudencial sobre lei federal.
Exemplo dessa proeminência dos tribunais sobre a LRF foi a discussão sobre a submissão à recuperação judicial dos créditos objeto de cessão fiduciária de recebíveis em garantia, a conhecida “trava bancária”, pelo fato de o banco receber diretamente dos devedores da recuperanda os créditos desta.
Na maioria dos tribunais (especialmente no Tribunal de Justiça de São Paulo, no qual há até súmula sobre o tema) prevalece o entendimento de se tratar de crédito não sujeito à recuperação judicial, por aplicação do artigo 49, parágrafo 3º, da LRF, que prevê a exclusão dos credores em posição de proprietário fiduciário de bem imóvel ou móvel.
Na outra ponta, há decisões (especialmente do Tribunal de Justiça do Espírito Santo) submetendo os credores à recuperação judicial sob o argumento de a cessão fiduciária de direitos creditórios não configurar propriedade fiduciária de bem móvel, pois o crédito (recebível) não teria esta natureza.
Em sessão do dia 5 de fevereiro de 2013, a 4ª Turma do STJ unanimemente decidiu que os créditos garantidos por cessão fiduciária estão excluídos da recuperação judicial, reformando decisão do TJES.
No dia 7 de março deste ano, o STJ proferiu outra importante decisão em favor de credores, reformando decisão do Tribunal de Justiça do Pará que submetia créditos decorrentes de adiantamentos de contratos de câmbio (“ACCs”) à recuperação judicial. Segundo o entendimento que prevaleceu, o artigo 49, parágrafo 4º, da LRF exclui os ACCs da recuperação judicial.
Na maioria dos casos, o pano de fundo da discussão é o princípio norteador da recuperação judicial: a preservação da empresa. Apoiados neste princípio, devedores defendem que a não sujeição desses créditos à recuperação judicial asfixia o caixa da recuperanda, impedindo a continuação das atividades. Os credores, por outro lado, sustentam que o objetivo da LRF é garantir e baratear o acesso ao crédito.
Esse embate tende a gerar novos litígios a serem solucionados pelos tribunais. Também no princípio da preservação da empresa está centrado o STJ no julgamento, ainda não finalizado, sobre o artigo 57 da LRF, que exige do devedor, após a aprovação do plano de recuperação judicial pelos credores, a apresentação das certidões negativas de débitos tributários, teoricamente um requisito para a concessão da recuperação judicial pelo juiz, na forma do artigo 58 da lei.
Já há algum tempo os tribunais vêm dispensando a recuperanda dessa obrigação, dado que normalmente continua devedora de tributos, inclusive por não haver legislação completa a prever o parcelamento. Assim, essa exigência inviabilizaria o instituto da recuperação judicial na prática. Iniciado o julgamento da questão pelo STJ, a ministra Nancy Andrighi votou favoravelmente a essa exigência.
Outro tema relevante que deve ganhar notoriedade quando enfrentado pelo STJ, talvez ainda este ano, refere-se à soberania da assembleia geral de credores, até pouco entendida como absoluta. Pela estrutura da LRF, o plano de recuperação judicial será votado pelos credores e, atingido o quórum necessário para a aprovação, o juiz deve conceder a recuperação judicial. Sob esse enfoque, criou-se jurisprudência de que, na prática, a decisão do juiz da recuperação seria meramente homologatória.
Contudo, o entendimento parece estar se modificando, especialmente com base em decisões proferidas pelo TJ-SP a partir de 2012, que já ecoam em outros tribunais, deixando de conceder a recuperação à empresa que teve o plano aprovado pela maioria dos credores, quando evidenciadas ilegalidades em cláusulas essenciais do plano. A modificação no entendimento considera que a soberania da decisão assemblear não é absoluta, competindo ao juiz observar, mais do que apenas a sua legalidade e constitucionalidade, a ética, a boa-fé, o respeito aos credores e a manifesta intenção de cumprir a meta de recuperação.
Trata-se de questão que promete alterar o panorama das recuperações judiciais, especialmente porque, não raro, planos absolutamente insustentáveis são aprovados, mediante concessões a grupos específicos de credores, simplesmente para atingir o quórum de aprovação.
Resultado: a empresa não se recupera, a maioria dos credores não é paga, e os princípios da função social e até da preservação da empresa (que evidentemente não pode se dar a qualquer custo) são colocados de lado, desacreditando o instituto da recuperação, provavelmente a mais relevante inovação da LRF.
Portanto, a discussão destes e de outros importantes temas da LRF é crucial para garantir o equilíbrio entre a recuperação da empresa e o interesse dos credores, inclusive fomentando modificações e ajustes nessa legislação extremamente nova, para garantir ou aprimorar a aplicação dos seus institutos.
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