Embargos Culturais

A política como vocação, de acordo com Max Weber

Autor

  • Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

    é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da USP doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP professor e pesquisador visitante na Universidade da California (Berkeley) e no Instituto Max-Planck de História do Direito Europeu (Frankfurt).

16 de setembro de 2012, 8h00

Numa conferência intitulada “A Política como Vocação” (Politik als Beruf) o pensador alemão Max Weber (1864-1920) retomou alguns temas centrais de sua reflexão. Nesta conferência, Weber ocupou-se mais especificamente de alguns temas, a exemplo do monopólio da violência com um dos traços definidores do Estado, da distinção entre viver “para” a política e viver “da” política, dos fundamentos da legitimidade, dos diferentes tipos de funcionários públicos, dos traços distintivos entre ética da convicção e ética da responsabilidade, entre tantos assuntos, até hoje marcados por intensa atualidade.

Lembrando o dito de León Trotsky de que todo Estado se funda na força, Weber retomou ideia de que o Estado é o detentor do monopólio da violência física. E o faria de modo legítimo. Nega-se a ingenuidade dos que veem o Estado como instrumento de uma idealizada paz social. A premissa é assustadora, ainda que absolutamente realista. Por isso, deve-se ter atenção para com aqueles que dominam o Estado, isto é, os agentes do governo, ambiente no qual vicejam os políticos. São estes que exercem poderes sobre nossas vidas.

Para Weber há quem viva “para” a política, bem como há quem viva “da” política. Os que vivem “da” política teriam na atividade parlamentar uma permanente fonte de rendas. Quem vive uma causa, segundo Max Weber, também viveria dela. Quem “para” a política vive tem o poder de transformar sua ação em seu fim de vida. Confunde-se entre o que se é para o quê se vive. E isso não seria mero jogo de palavras.

Assentado que no Estado tem-se a dominação do indivíduo sobre o indivíduo, necessário que se averigue sobre quais condições se desenvolveria esse domínio. Para Weber, há sobre nós uma autoridade recorrente do passado, que denominou de “poder tradicional”. Haveria uma segunda forma, marcada por dons pessoais e extraordinários de alguns líderes, que se denominou de “poder carismático”. Por fim, uma forma de dominação que explicita uma competência positiva, de base racional, que Weber teria chamado de “dominação pela legalidade”.

Nesta última transitam funcionários de carreira, inamovíveis, cuja honra “(…) reside em sua capacidade de executar conscienciosamente uma ordem, sob responsabilidade de uma autoridade superior (…) o funcionário deve executar essa ordem como se ela correspondesse a suas próprias convicções”[2]. O sentido de hierarquia vincula-se à aceitação de que a ação do funcionário é resultado de um comando próprio, no sentido de que suas opções confundem-se com as do chefe. É o que se percebe da teorização de Max Weber.

Num outro plano se encontra o chefe político, movível, dependente do vento das eleições, cuja honra se assenta não na obediência, mas em sua responsabilidade pessoal. Tudo o que faz, o que diz, o que determina, é orientação que lhe acarreta conta e risco.

A honra do chefe político sugere uma dupla ética que lhe exige uma opção. Essas éticas substancializam “duas máximas inteiramente diversas e irredutivelmente opostas[3]. À ética da responsabilidade contrapõe-se uma ética da convicção. Neste último caso, a ação é pautada pelo descompromisso com as consequências e pela obstinada observância de dogmas, crenças e mantras. Naquele primeiro caso, a responsabilidade é o traço definidor de pautas, agendas e escolhas, ainda que a custo do abandono da convicção que são sólidas, mas que se desmancham no ar.

Essa ambiguidade explica muitas coisas que nos cercam, esclarecendo porque na busca de horizontes possíveis corremos o risco de rompermos com nossas promessas. Muito menos do que exercício pragmático de incoerência tem-se na ação política um antídoto responsável para fórmulas rígidas, que obstruem a plasticidade e a flexibilidade que se espera do homem público.


[1] Doutor e Mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Consultor-Geral da União.

[2] Weber, Max, Ciência e Política- duas Vocações, São Paulo: Cultrix, 2006, p. 79. Tradução de Leonidas Hegenberg e de Octany Silveira da Mota.

[3] Cf. Weber, Max, Ciência e Política- duas Vocações, cit., p.113.

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