Valor da causa

É lícito igualar o valor da cautelar ao da ação principal?

Autor

  • Henrique Napoleão Alves

    é consultor jurídico e advogado no escritório Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados professor do curso de especialização em Direito Tributário das Faculdades Milton Campos e doutorando em Direito pela UFMG.

21 de novembro de 2012, 7h00

Com o encerramento da fase administrativa dos processos tributários administrativos, tem se tornado cada vez mais comum que a Fazenda Pública, em questão de dias, altere o status do débito tributário concernente nos registros respectivos, impedindo, assim, que os contribuintes consigam renovar suas certidões negativas de débitos fiscais (ou positivas com efeitos de negativas) (arts. 205 e 206 do CTN).

Como a Fazenda Pública pode ajuizar a ação de cobrança (execução fiscal) dentro do prazo de cinco anos a partir da constituição do débito (art. 174 do CTN), muitos contribuintes passaram a ajuizar ações cautelares inominadas com o objetivo de antecipar a garantia que ofereceriam em face da execução fiscal, e de pleitear, assim, a suspensão da exigibilidade do débito ou, ao menos, a possibilidade de renovação da certidão de débitos fiscais enquanto não for ajuizada a execução fiscal.

É possível afirmar que os tribunais têm aceitado essa prática, entendo como possível e legítimo o oferecimento de bens para antecipação de garantia em relação a débitos constituídos, mas não executados foi bem aceita, como exemplificam inúmeros precedentes da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (cfr., e.g., REsp 1.123.669, REsp 911.884, REsp 710.421 etc.). Mas, se por um lado o entendimento dos tribunais revela-se favorável a essa possibilidade, inclusive com a determinação da retirada de qualquer óbice para a renovação de certidões negativas de débitos fiscais, por outro lado os tribunais tendem a não conceder a suspensão da exigibilidade do crédito tributário com o ajuizamento da cautelar em si, até mesmo para permitir o ajuizamento posterior da execução fiscal à qual se refere a antecipação de garantia.

À míngua do importante debate sobre a questão da suspensão da exigibilidade mediante processo cautelar, dentro da mesma matéria há uma questão muito pontual que entendo merecer a atenção da comunidade jurídica: o valor da causa de ações cautelares desse tipo.

À parte do mandamento geral de que “a toda causa será atribuído um valor certo, ainda que não tenha conteúdo econômico imediato” contido no artigo 258 do CPC, não parece haver nenhuma regulamentação expressa sobre o valor da causa a ser atribuído a ações cautelares. E nem mesmo pode se depreender algo do tipo dos incisos do artigo 259 do CPC, cuja aplicabilidade para a determinação do valor da causa de ações cautelares tampouco deixa de ser conteste (o STJ, aliás, decidiu que sequer o processo cautelar se enquadraria nos critérios do artigo 259, mas apenas ao previsto no artigo 258 do CPC — e.g. AgRg no Ag 85.598/RJ, Rel. Min. Waldemar Zveiter, j. 07/05/1996, DJU 19/08/1996 p.28.874).

Diante disso, geralmente são adotados, nas ações cautelares antecipatórias de garantia, valores simbólicos apenas para fins de alçada. Afinal, trata-se de mera antecipação de bens; algo, portanto, que não tem o mesmo conteúdo econômico da ação principal que contesta o crédito tributário.

O STJ já decidiu, contudo, que nos casos em que a cautelar visa não apenas a renovação de certidão, mas a própria suspensão da exigibilidade do crédito tributário, o valor da causa deve refletir o montante da dívida passível de ser suspensa (v.g. STJ, AgRg no AgRg no REsp 517.954/PE, rel. Min. Francisco Falcão, 1ª T., j. 16/12/2003, DJ 22.03.2004, p. 222).

No âmbito dos tribunais estaduais, o TJ-MG, por exemplo, já repercutiu esse entendimento ao também afirmar que, conquanto o valor da cautelar não tenha que corresponder necessariamente ao valor da ação principal, ele deverá ser equivalente ao valor da dívida passível de suspensão (TJMG, 7ª Câmara Cível, Agravo de Instrumento 1.0024.06.264769-8/001, Rel. Des. Edivaldo George dos Santos, j. 21/08/2007, publ. 03/10/2007).

Trata-se, contudo, de entendimento contestável. Apenas a título de ilustração, o mesmo STJ afirmou que “[e]m que pese o valor da causa na cautelar não ter que seguir o da ação principal, nada impede sua identidade, desde que ambas as ações abranjam o mesmo conteúdo” (2ª T., REsp 1.135.545/MS, rel. Min. Eliana Calmon, j. 17/08/2010, DJ 26/08/2010). Uma ação cautelar, mesmo a que visa suspender a exigibilidade do crédito tributário, não tem identidade com uma ação principal tributária que procura deslegitimar o crédito tributário como um todo, não geram, em potência, o mesmo “benefício patrimonial” ou “econômico”.

De qualquer forma, e deixando de lado a consistência interna das decisões do STJ e TJ-MG criticadas, a extensão do entendimento ali exposto aos casos em que a ação cautelar visa apenas a antecipação da garantia e a renovação da certidão positiva com efeitos de negativa, sem qualquer pedido de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, revela-se particularmente problemática.

De fato, como em tais casos os contribuintes não pretendem suspender a possibilidade de ajuizamento da execução fiscal, mas apenas se precaver e evitar os prejuízos que teriam diante da inação estatal no ajuizamento da ação de cobrança, não há, na ação, qualquer possibilidade de configuração de “conteúdo econômico” correspondente ao débito principal, “mediato” ou “imediato”.

Ademais, se o contribuinte opta por ajuizar uma ação como essa, é porque pretende, evidentemente, garantir o débito e discuti-lo por meio de embargos à execução fiscal, e, nessa oportunidade, ele naturalmente já irá arcar com as custas proporcionalmente aos valores da “ação principal”. Não parece razoável que o contribuinte deva arcar duas vezes com custas judiciais calculadas a partir do valor integral do débito (pode-se até questionar se não haveria, aí, um enriquecimento indevido do Estado).

Em casos como de perdas e danos ou de reparação por danos morais, o mesmo STJ já decidiu que o valor da causa pode ser estimado por aproximação pelo autor, podendo haver posterior recolhimento de custas complementares ao final do processo, caso revele-se necessário (cfr., STJ, 4ª Turma, REsp 714.242, rel. Min. Joao Otávio, j. 26/02/2008, DJU 10/03/2008; 3ª Turma, REsp 8.323/SP, rel. Min. Waldemar Zveiter, j. 29/04/1991, DJU 03/06/1991, p.7.427). Naturalmente, são casos distintos de uma cautelar de antecipação de garantia em matéria tributária, mas, ainda assim, a mensagem que trazem os julgados é importante para reflexão: ao invés de impor ao contribuinte a cobrança de custas judiciais sobre um valor alto e que não condiz com a finalidade da ação cautelar antecipatória de garantia, é certamente preferível manter uma cobrança de custas menor, a ser eventualmente reparada caso haja alguma alteração relevante no curso do processo.

Em tempos de intensa padronização de decisões judiciais, o que se espera é que os juízos e tribunais saibam, na direção oposta, diferenciar as situações e dar, a cada caso, a solução jurídica mais adequada. Há boas razões para que os contribuintes não atribuam o valor do principal como valor da causa em cautelares antecipatórias de garantia, e para que os magistrados não determinem emenda à inicial e recolhimento de custas complementares nos casos de cautelar com valor de alçada. De todo modo, apenas por cautela e de um ponto de vista estritamente estratégico, muitos dos nossos clientes optam pelo ajuizamento direto de ação anulatória de débito fiscal com oferecimento de garantia ou de mandado de segurança com o mesmo fito de antecipar o oferecimento de bens nos casos de débitos constituídos e não executados (sobretudo naqueles de alto valor).

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  • é consultor jurídico e advogado no escritório Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados, professor do curso de especialização em Direito Tributário das Faculdades Milton Campos e doutorando em Direito pela UFMG.

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