E o juiz mineiro "azdakiou" ou "Eis aí o sintoma da crise"
1 de novembro de 2012, 7h00
Já usei o Brecht e o seu "juiz Azdak" em outra oportunidade. Mas, em face da faticidade, repristino a bela peça do velho Bertolt. Trata-se do Círculo de Giz Caucasiano,[1] que trata da história de uma cidade imaginária em que ocorre um conflito de terras depois da guerra travada contra o nazismo. Mas o que interessa, aqui, é a história de Azdak. Ele é escrivão de uma aldeia, que, sem saber, acaba salvando a vida do Grão-duque, líder absoluto antes de um primeiro golpe de Estado e que volta ao poder no segundo golpe. Azdak quer se entregar (ou se punir) por ter salvado o tirano, mas quando vai se entregar, descobre que os tempos continuam os mesmos, e acaba sendo escolhido juiz. Para decidir o destino de uma criança, traça um círculo de giz e coloca as duas mães no meio, para lutar pela criança. Como Salomão decide por aquela que não larga a criança para não a machucar, ele decide em favor daquela que larga a criança, a serva Grucha.
A característica principal de Azdak é que ele decide como quer. Para a cozinheira, Azdak não entende do ofício e absolve os “maiores ladrões”, demonstrando que o povo estava consciente de que a lei era feita para proteger os poderosos… Azdak não era entendido como antítese a essa lei pelos personagens, e suas atitudes não levam as pessoas da peça a uma síntese.
Não vou me alongar na peça. Em outra Coluna (clique aqui para ler), detalhei o principal. Aqui, permito-me ir ao cerne da questão, citando algumas máximas de Azdak:
“É bom para a justiça funcionar ao ar livre. O vento lhe levanta a saia e pode-se ver o que está por baixo”;
“Contam a meu respeito que um dia, antes de pronunciar a sentença, eu saí para respirar o cheiro de uma roseira”;
“Me traga aquele livro grosso, que eu sempre faço de almofada para sentar! (Schauva apanha em cima da cadeira de juiz um grande livro, que Azdak se põe a folhear.) Isto aqui é o Código das Leis, e você é testemunha de que eu sempre fiz uso dele”, sentando-se sobre o livro.”
Em síntese: Azdak decide como quer! Por vezes, dá ganho de causa aos pobres; por vezes, contradiz-se ao infinito. Não deve explicações a ninguém. E tampouco explica as suas decisões.
Pois examinando a Sentença 0024.12.129.593.5, da 1ª Vara da Fazendo Pública de Belo Horizonte, chego à conclusão de que a Constituição, para o magistrado prolator, é algo como aquele “livro grosso” do Azdak… E a doutrina abalizada que trata do que está escrito nesse “livro grosso” também recebe tratamento idêntico do Doutor.
A decisão
Do que trata a decisão?
O caso: uma pensionista da previdência pública de Minas Gerais impetrou Mandado de Segurança alegando que estava recebendo valores menores do que faria jus, advindos de pensão por morte, em razão dos valores não terem sido calculados com fundamento no artigo 40, parágrafo 7º, I, da Constituição. A autoridade coatora informou que o cálculo dos valores estava de acordo com a Constituição pós-Emenda Constitucional 41/2003.
O Juízo concedeu a segurança, fundando-se na irregularidade da aprovação da Emenda 41/2003, pois esta além de subtrair direitos adquiridos do cidadão, pretensamente violando o artigo 60, parágrafo 4º (já refutada pelo STF), também não teria seguido o regular processo de elaboração em razão do vício de decoro dos parlamentares envolvidos (art. 55, § 1º, da CF), os quais teriam sido “comprados” para elaboração da referenciada EC, o que restou denotado do voto do Relator da AP 470, ainda em trâmite no STF.
Ainda interessante ressaltar que este último argumento acaba sustentado na e pela teoria dos “frutos da árvore envenenada”, que é utilizada de forma analógica para apontar que as leis (frutos) elaboradas por meio de viciado (pela corrupção da livre vontade dos parlamentares) processo legislativo (árvore proibida) devem ser tidas como inconstitucionais e refugadas.
A necessária crítica
Em primeiro lugar, não considero a decisão relevante em si. Pela sua fragilidade, diria que não assume relevância teórica. Nesse aspecto, é importante anotar, de saída, que o juiz “declarou” a inconstitucionalidade da EC 41. Como assim, “declarou”? Isso funciona desse modo? Pensei que juiz deixava de aplicar, com fundadas razões, um ato normativo (que pode até ser EC)… Mas “declaração” mesmo, enquanto ato formal, só pode ser feita se respeitada a regra de reserva de plenário, a partir do cumprimento dos ditames do artigo 97 da Constituição. Algo, aliás, que se tem por reforçado em face da Súmula Vinculante número 10 do STF.
Eis a diferença entre o controle difuso exercido pelo juízo singular e o controle difuso exercido pelos tribunais. E mais, há uma clara indicação por parte de nosso sistema constitucional no sentido de que as decisões de rechaço no que tange a inconstitucionalidade devem ser precedidas de ampla avaliação, e fundamentação daí, mais uma vez, a razão de que tais decisões sejam tomadas de forma colegiada pelos tribunais, em full bench. De se frisar: isso não é assim porque eu quero; é porque está na Constituição. De todo modo, a decisão serve como sintoma: de como o juízo singular tem dificuldades para realizar atos de jurisdição constitucional; de como ainda estamos sob a égide daquilo que venho denunciando como um fenômeno de “baixa constitucionalidade”.
Entretanto — e invoco mais uma vez, aqui, Cornelius Castoriadis (A Instituição Imaginária da Sociedade) — o que importa é o simbólico. Tudo o que se apresenta no mundo social-histórico está entrelaçado com o simbólico. Não que tudo seja simbólico. Mas, nada existe fora de uma rede simbólica. É nesse contexto que faço a anamnese dessa decisão.
O problema não é a sentença. O busílis da questão é o que ela pode representar de negativo no plano das relações simbólicas de poder, onde o direito assume papel de essencial relevância. A decisão do juiz mineiro é um sintoma grave da crise vivida pela doutrina e jurisprudência. Decisões são dadas ad hoc, fora de qualquer cadeia de coerência e integridade. É contra isso que escrevo. Não contra Sua Excelência. Mas contra os efeitos colaterais que podem advir.
Já de pronto, a sentença parece um típico exemplo daquela velha história “decido depois fundamento”. Isto é, “sou contra alguma coisa”, “encasqueto com ela”, escolho “um lado” e, depois, vejo os “fundamentos”. Despiciendo dizer que as decisões judiciais devem sempre ser por princípios e não por política (no sentido de que fala Dworkin). É mais ou menos a tese daqueles que sustentam que a AP 470 pode vir a ser anulada pela Corte Interamericana. Não tem fundamento, mas tem um efeito retórico “bem interessante”… Há uma peça de Shakespeare chamada “Muito barulho por nada”… A diferença é que, nestes casos, há muito barulho, não vai dar em nada, mas o rastro que fica não é desejável em uma democracia.
Na especificidade, onde peca a decisão?
a) Não há transito em julgado e sequer acórdão publicado na AP 470. Não se produzem efeitos jurídicos de um acórdão não findo. Aqui parece um erro elementar cometido pelo juiz mineiro. O juiz baseou-se no “efeito pictórico” do acordão… Só que esse efeito não consta no rol de requisitos pelos quais uma decisão possa irradiar efeitos.
De se consignar que, durante o voto sobre o crime de corrupção ativa, imputado a José Dirceu, o ministro revisor, Ricardo Lewandowski, chegou a aventar a hipótese de, no caso de transitar em julgado sentença penal condenatória dando por atestado que houve compra de votos de parlamentares para votar segundo os interesses do governo, seria o caso de o Tribunal começar a se preparar para enfrentar os eventuais processos que viessem a questionar a constitucionalidade de tais diplomas legislativos. É certo que a avença não alcançou sucesso entre os demais ministros. De todo modo, se fosse o caso de considerar, ad argumentandum tantum, a hipótese levantada pelo ministro, seria necessário que estivéssemos diante do trânsito em julgado da AP 470 e diante da necessidade de se enfrentar a questão nos termos regulares estipulados pela ordem jurídica processual. Definitivamente, não seria nos termos colocados pelo juiz mineiro.
b) Para o juiz, o esquema de venda votos condenado no julgamento do mensalão já produz, por si, efeitos sobre o mundo jurídico. Ledo engano. Um dos pontos de julgamento é a corrupção passiva de alguns parlamentares, tendo um deles sido absolvido. Ou seja: para o juiz, esse esquema da venda de votos de parlamentares contaminou a atividade legislativa desse Congresso, fazendo com que a EC 41 contraísse um vício na origem… Logo, seria inconstitucional por defeito de forma. Diz ele que houve inconstitucionalidade por "vício de desvio de decoro parlamentar". É falsa a tese do magistrado, por pelo menos três razões:
— não se poderia presumir tal vício, que supostamente maculara a "vontade" ou "decisão" parlamentar (de que parlamentar? em que medida?); de que modo se pode comprovar uma coisa dessas? Como saber "objetivamente" quem votou ou não por supostamente ter sido "comprado" ou não? Como falar em abuso de prerrogativas parlamentares? Essas conclusões do magistrado só poderiam ter sentido se o acórdão do STF explicitasse tais vícios, amiúde.
— desde quando a validade de uma lei ou emenda depende de uma suposta "vontade imaculada do legislador"? Afinal, não estamos diante de "comandos despsicologizados"? Ou vamos voltar à cabotina discussão do século XIX entre vontade do legislador e vontade da lei? Ora, as razões concretamente articuladas no curso do processo legislativo são as expressamente apresentadas nos relatórios das comissões parlamentares e não aquelas não explicitadas que levam a se votar dessa ou daquela maneira (por exemplo, isso pode levar a que se questione a constitucionalidade de uma determinada decisão no curso do processo legislativo, etc.)
— não dá para aferir a legitimidade de uma decisão legislativa nesses termos. Por mais que se possa compreender o sentido do que pretende o juiz, ele não tem como exercer esse juízo. Como aferir que a "vontade" estaria viciada ou desviada, da maioria parlamentar necessária à aprovação da Emenda?
Ademais, deve-se registrar que — embora na Decisão — a tese da possibilidade da inconstitucionalidade por vício de decoro parlamentar parece ter sido inaugurada por Pedro Lenza, em seu Direito Constitucional Esquematizado.[2] É conhecida minha posição — refira-se, sempre respeitosa, acadêmica e lhana — acerca das esquematizações e simplificações em Direito. Dessa vez, temos um claro exemplo do tipo de efeito deletério que essas simplificações podem causar. De se anotar que a posição de Lenza é absolutamente isolada nesse sentido. Desconsidera, além da já aludida responsabilidade subjetiva/pessoal do parlamentar por atos de quebra de decoro, o importantíssimo fator de que questões relativas ao decoro parlamente dizem respeito ao autogoverno do Poder Legislativo, ingressando no plano da autonomia funcional deste poder. Vale dizer: sua resolução é uma questão interna corporis, não cabe ao Judiciário agir como se fosse uma espécie de paladino da boa ordem e dos costumes. Pensemos no inverso: poderia o Legislativo sustar atos do Judiciário sob o pretexto de que foram praticados por juiz que descumpriu a liturgia da profissão? Por exemplo, as sentenças exaradas pelo juiz Rocha Matos poderiam ser cassadas?
c) Examinando a decisão, exsurge, sem muita dificuldade, a seguinte questão: o juiz, sob o argumento da inconstitucionalidade, fez um juízo político, destituído de qualquer base, partindo de uma presunção não fundada em concreto. Insisto: Ainda que fundada a tese do juiz, até que ponto a vontade viciada do parlamentar poderia viciar de inconstitucionalidade a Emenda? De que maneira o Direito e a política ali se articulariam constitucionalmente?
d) Uma aferição desse quilate — dizer que uma emenda constitucional foi votada de forma viciada — necessita de uma profunda análise empírica. Passo a passo. Detalhe por detalhe. E isso somente após o STF decidir, explicitamente, acerca da questão. Não cabe ao juiz “deduzir” esse vício alegado. E nem pode presumir. Invocando de novo o “grande” Malatesta — sempre me permito ser irônico com esse autor —, se o ordinário se presume e só o extraordinário se prova, não parece que o vício se enquadraria como um “ato extraordinário”? Não necessitaria ser provado nos mais mínimos detalhes?
Ora, não é necessário muito esforço para perceber que o regime de responsabilidade do parlamentar por quebra de decoro é subjetiva. Vale dizer, o parlamentar responde — civil e criminalmente — na medida da sua responsabilidade. Não faz o menor sentido evoluir para um regime de responsabilidade que importasse na determinação da nulidade dos atos por ele praticados. Aliás, é de se perguntar: Se a quebra do decoro é circunstância suficiente para determinar a decretação de que o ato por ele praticado é void, então como ficariam os atos que foram asseverados por parlamentares condenados pelas Comissões de Ética da Câmara e do Senado justamente por terem incorrido em quebra de decoro parlamentar. Atenção: Como ficariam os votos do ex-senador Demóstenes Torres, por exemplo? Deveriam ter seu computo excluído nos projetos em que foram registrados? Imaginem que, em casos de votação apertada, o computo de um voto faz toda a diferença.
Mais: A atuação dos parlamentares envolvidos (bem como o ato de ofício praticado, o voto) está em questionamento. Não a totalidade do funcionamento do Congresso. Do contrário, anule-se tudo. Inclusive o julgamento que está sendo feito por ministros nomeados nesse período… Aqui a decisão parece querer resolver o paradoxo ou o dilema do Barão de Münchausen: afogando-se no pântano com seu cavalo, puxou-se a si mesmo, e o cavalo, pelos próprios cabelos.
e) Se a AP 470 sequer foi julgada e seu pressuposto resultado é lançado como fundamento da decisão, é porque, de fato, este não reside ali, mas na vontade do magistrado (parece que o magistrado acredita no Oitavo Capítulo da TPD, no sentido de que a decisão judicial é “um ato de vontade” — só que, em Kelsen, há a previsão de uma moldura, que parece que, no caso, foi arrombada pelo magistrado já na primeira incursão).
e) Outro equívoco do juiz foi tentar, agora, depois de o STF já ter julgado constitucional a EC 41, tentar rediscutir a causa, dizendo que houve quebra de cláusula pétrea. Ora, isso já foi definido de há muito. Certo ou errado, consumatum est.
f) Por fim, a teoria dos frutos da árvore envenenada… O que ela teria a ver com a questão da inconstitucionalidade? Inventou-se um novo modo de aferir a inconstitucionalidade? A tese, exsurgida no Direito norte-americano na década de 20 do século passado, serve para inquinar uma prova de ilícita. Ora, há tantas teses e teorias sobre o controle de constitucionalidade, que parece desnecessária uma invocação desse jaez.
g) Nulidade processual envolve mais do que vício de vontade, de forma e de objeto. Exige tratar o ato processual do ponto de vista da cadeia normativa que se desdobra através do processo legislativo. Ou seja, é preciso fazer um juízo sobre os efeitos dos atos na cadeia processual e o impacto deles sobre o ato final do processo. Isso porque não estamos no direito privado, tratando de atos isolados, etc.
h) O problema do raciocínio do juiz é que ele tratou a questão como se se tratasse de uma questão de direito privado, quando as nulidades no processo têm pressupostos diversos das dos atos jurídicos privados, porque é preciso levar em conta a estrutura normativa do procedimento, a interconexão dos atos procedimentais, do ponto de vista do ato final a que os atos do procedimento visam.
Numa palavra final
O raciocínio do magistrado mineiro, se levado às últimas consequências, (re)cria o famoso paradoxo do tempo ou da máquina do tempo. Se, de fato, o Congresso esteve viciado (até quando?) em face do vício de decoro, talvez o próprio ministro Joaquim Barbosa não poderia ter tido o seu nome aprovado; vários ministros não poderiam ser ministros; quantas leis foram aprovadas nesse período? Até onde ia(foi) o vício decorrente da falta de decoro parlamentar? Nem mesmo os aumentos salariais de juízes e promotores nesse período valeriam (com o que teríamos que devolver o dinheiro)… E as medidas provisórias aprovadas? Pensar nesse “retorno” proposto pelo juiz mineiro é como o sujeito que volta na máquina do tempo e mata o próprio pai; consequentemente, ele não teria nascido…; e se não tivesse nascido, não teria entrado na máquina do tempo…ups.
Azdak é um personagem de Brecht. Como tantos outros na história da literatura, representam o protótipo do “juiz solipsista”; podemos ver também algo parecido na peça As Vespas, de Aristófanes; o personagem Humpty Dumpky, de Alice Através do Espelho dá as palavras o sentido que quer… Pois é. Mas não pode ser assim. Definitivamente, não. Já escrevi muito sobre isso em livros, textos e nesta Coluna. Decisão judicial não é escolha. Não é um ato voluntarista. Não é um ato de vontade (se alguém disser que sim, então deve assumir-se como um decisionista, tal qual dizia, pessimisticamente, Kelsen lá no finalzinho da sua TPD).
Por tudo isso, a decisão do juiz de Minas não faz bem a democracia. Não é um bom exemplo. Será, obviamente, reformada. Mas esse não é ponto. O problema fulcral é: Como é possível que um juiz chegue a uma conclusão desse naipe? Qual é o imaginário jurídico que forja isso? Que doutrina é essa que dá azo a um comportamento voluntarista — mesmo que bem intencionado — desse quilate?
Parece haver uma conspiração anti-epistêmica no seio das práticas jurídicas. Diz-se qualquer coisa sobre qualquer coisa. Inventam-se fórmulas, teses e conceitos (como esses do decoro parlamentar como fundamento de inconstitucionalidade e da mutação constitucional e o controle difuso) que depois são reproduzidas em provas de concursos públicos (e em decisões). E vingam…!
Faço apenas uma pergunta: Até quando?
[1] No Programa Direito e Literatura – do Fato á Ficção (TV Justiça) há dois programas disponíveis sobre o assunto, tanto no site da TV Justiça (http://www.tvjustica.jus.br) como no site www.unisinos.br/direitoeliteratura.
[2] Assim, não é possível concordar com a tese de Lenza no que tange à inconstitucionalidade por vício de decoro parlamentar. Outra discordância minha diz respeito à relação que Lenza faz entre "mutação constitucional" e "Poder Constituinte Difuso". Tenho o dever de mostrar isso, em face, exatamente, da dimensão que a obra do autor assume no âmbito, principalmente, dos concursos públicos, cursinhos de preparação, etc, de todo o Brasil. Não esqueçamos que é dos concursos públicos que nascem juízes, promotores e demais agentes estatais. Nos termos apresentados por Lenza, o Poder Constituinte Difuso seria aquele que deriva a mutação constitucional, verbis: “o poder constituinte difuso pode ser caracterizado como um poder de fato e se manifesta por meio das mutações constitucionais” (Lenza,Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 16a. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 197.). Na medida em que a mutação constitucional acontece, no mais das vezes, através da ação do Poder Judiciário, seria de se perguntar: Pela tese do Poder Constituinte difuso, o judiciário seria um poder constituinte de fato? Mas, se assim o é, qual a importância do Poder Constituinte “de direito”? Ora, a teoria do Poder Constituinte tem uma razão de ser: Precisa justificar e legitimar a origem do poder político, fora dos contextos eclesiásticos ou aristocráticos dos modelos tradicionais. Nesse sentido, de que modo é possível justificar – coerentemente – a existência de um poder constituinte “de fato” (difuso) ao lado do poder constituinte “de direito” (originário/ de reforma)? Aliás, seria de se perguntar: Se o poder é difuso, ele é constituinte? Esse tipo de questão é cobrada em concursos públicos. A prova oral do Ministério Público de São Paulo, por exemplo, tematizou exatamente essa questão. Todavia, o fato de ter sido cobrada em concurso não atribui ao conceito o caráter de verdade científica. Ao contrário, nesse caso mostra como os concursos estão longe da ciência do direito. Por isso, penso que as obras de direito que se destinam a concursos deveriam ter notas de rodapé dizendo se a posição é só do autor, é de fulano, beltrano, do tribunal tal, é majoritária, etc.
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