"O Reino Unido não deverá aderir ao Euro, nunca"
23 de março de 2012, 13h22
Entrevista concedida pelo primeiro-ministro birtânico David Cameron à jornalista Cecília Mailan, do programa Milênio, da Globo News. O Milênio é um programa de entrevistas, que vai ao ar pelo canal de televisão por assinatura Globo News às 23h30 de segunda-feira, com repetições às 3h30, 11h30 e 17h30
A influencia da Inglaterra vai muito além da política. É o país que criou o futebol, que aperfeiçoou a fina arte do debate, que zela pelas tradições e ao mesmo tempo se reinventa. Isso sem falar na ressonância cultural com a música de Beatles e a prosa de William Shakespeare. A Inglaterra é um país de muitas faces, resquícios dos tempos de império talvez. Gente dos quatro cantos do planeta escolheu viver aqui. E na capital Londres você encontra o mundo, cidade mais cosmopolita, impossível.
O choque de realidade veio em 2005. O ataque terrorista no sistema público de transporte deixou 52 mortos. Os quatro homens bomba eram radicais islâmicos. O multiculturalismo do qual tanto se orgulham os britânicos começou a ser criticado. Em 2010 um novo governo foi eleito prometendo controlar a imigração, depois de anos de fronteiras abertas e convidativas, o Reino Unido passou a limitar a entrada de quem vem de fora. O objetivo é reduzir o número de imigrantes de 200 mil para algumas dezenas de milhares por ano.
Depois de treze anos os conservadores de Margaret Thatcher e John Major estavam de volta ao poder. “Deixe que as pessoas julguem 10 anos de promessas não cumpridas. Deixe as pessoas decidirem sobre quem realmente está certo sobre o futuro do nosso país”. Mas sem maioria absoluta o jeito foi formar uma coalisão, a primeira em sete décadas. Entre acertos e tropeços a improvável parceira entre conservadores e liberais democratas deixa sua marca.
No fim do ano passado, quando a União Europeia se unia para salvar o Euro, o Reino Unido se isolava. O primeiro ministro David Cameron vetou o pacto fiscal que tinha como objetivo impor maior controle sobre as contas do bloco e restaurar a confiança do mercado financeiro na moeda comum. Foi um posicionamento arriscado, despertou tensões e críticas pesadas de outros líderes mundiais. Mas Cameron se defendeu alegando a preservação de interesses nacionais. Os britânicos nunca entraram para a zona do Euro composta por 17 países. Sempre optaram pela própria moeda, a Libra, e as próprias políticas econômicas. Em outras palavras, querem manter a autonomia da poderosa indústria de serviços financeiros de Londres. Ainda é cedo para saber se o mercado financeiro britânico terá vantagens ou desvantagens de longo prazo, por não estar sujeito às regras comuns europeias. Mas uma coisa é certa, a crise atingiu a ilha e as medidas de austeridade não caíram nada bem com o contribuinte britânico. Londres nunca viu tantos protestos como nos últimos dois anos.
Não é apenas a economia que está na agenda de David Cameron. Em abril de 2012 a guerra das Malvinas completa 30 anos. Em 1982, após dois meses de confrontos, mais de 800 soldados morreram e a Argentina saiu derrotada. Mas a defesa da soberania das ilhas, chamadas de Fauklands pelos britânicos, parece fazer parte da identidade do país. E a presidente Cristina Kirchner, apoiada pelo Brasil e por outros países da América Latina, insiste na guerra de palavras. A presença do príncipe William vestido de militar no arquipélago, foi o que faltava para a discussão ser revivida em alto e bom som dos dois lados do Atlântico.
Apesar dos problemas e desafios, David Cameron mantem a pose de que está tudo sob controle. Aos 46 anos o primeiro ministro segue a cartilha de muitos políticos conservadores antes dele. Estudou na melhor escola particular do Reino Unido, Eton, e depois numa das mais conceituadas universidades do mundo: Oxford. Um homem refinado, nas palavras e na aparência. Politico profissional, ele nos recebeu com simpatia na sua residência oficial, 10 Downing Street. E embora não venha para a Rio+20, não poupou elogios ao Brasil, que recentemente tomou o lugar do Reino Unido como sexta maior economia do mundo.
Cecilia Mailan – O ministro das relações exteriores Wiliam Hague esteve no Brasil dois meses atrás. O vice-primeiro-ministro Nick Clegg visitou o país no ano passado. Agora, é a vez do príncipe Harry. O Reino Unido está olhando para o Brasil de maneira diferente?
David Cameron – Sim, nós estamos. Eu quero ter uma relação forte entre o Reino Unido e o Brasil. Acho que temos forças complementares em nossas economias. O crescimento econômico brasileiro tem sido incrível e impressionante. O Reino Unido deveria estar fazendo muito mais no comércio e em investimento, isso em mão dupla, com o Brasil. Então estamos elevando nossas relações e, claro, este ano, para nós, com as Olimpíadas, com o Jubileu de Diamante da Rainha, é ótimo ano para visitar o Reino Unido e investir no Reino Unido. Então, queremos fortalecer esses laços de todas as maneiras que conseguirmos.
Cecilia Mailan – É nesse espírito que a campanha está inserida?
David Cameron – Exatamente. É um ano importante para o Reino Unido. Ter um monarca em seu 60º ano no trono, ter os Jogos Olímpicos e os Paraolímpicos em Londres, em 2012, significa um ano muito importante para nós. Então, estamos lançando essa grande campanha e vai haver uma grande demonstração disso no Rio, para dizer para as pessoas que é um grande ano para vir e visitar, mas também uma ótima economia para investir. O Reino Unido é uma das economias mais flexíveis e dinâmicas do mundo, muito forte em negócios criativos, com um mercado financeiro forte, e também com um forte setor financeiro. Há muitas empresas brasileiras que já investem no Reino Unido e esperamos que muitas mais venham.
Cecilia Mailan – Como o senhor sabe, o Brasil adiou a Conferência Ambiental Rio + 20 para evitar um choque de datas com o Jubileu de Diamante da Rainha. O senhor estará presente?
David Cameron – O plano é que o vice-primeiro-ministro esteja presente com um time muito forte liderado pelo nosso ministro do Meio Ambiente. Espero visitar o Brasil em outra data no ano que vem. Então espero que todas essas coisas possam fortalecer os laços entre nossos países.
Cecilia Mailan – Oficialmente, o Reino Unido apoia a aspiração brasileira a um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Até que ponto essa é uma perspectiva realista?
David Cameron – É claro que é difícil fazer essa reforma, mas nós acreditamos que o mundo mudou. O Brasil é um dos países emergentes mais fortes, um motor da economia e com uma atuação cada vez mais forte no cenário internacional. As pessoas estão perguntando o que o Brasil pensa sobre a mudança climática, o que o Brasil pensa sobre os assuntos mais importantes, seja Irã ou Afeganistão ou os problemas no nosso mundo. Então, o Brasil deve ter esse assento permanente. É difícil fazer esses arranjos, mas para o Reino Unido é muito claro: a hora é essa.
Cecilia Mailan – Com a aproximação do 30º aniversário da Guerra das Malvinas a tensão aumentou para ambos os lados. Como o senhor percebe o desenrolar dessa questão?
David Cameron – Temos que ser muito claros sobre a questão central que é que as pessoas que moram nas Malvinas querem manter sua condição atual como um território ultramarino do Reino Unido. Trata-se de um direito de auto-determinação. Está nas cartas das Nações Unidas. É o que acreditamos ser correto no nosso mundo. A população das Malvinas não podia ser mais clara. Então, o que tentei fazer foi deixar claro para todos que enquanto eles acreditarem nisso e quererem isso, o Reino Unido vai apoiá-los. É uma posição razoável, racional, sensível, humana e correta e ninguém deve duvidar disso no 30º aniversário. Por isso falei claramente sobre essa questão e espero que as pessoas acreditem que esse é o caso.
Cecilia Mailan – Em retrospecto, o senhor preferiria ter usado outra palavra no lugar de colonialismo, em janeiro passado?
David Cameron – Não. Porque toda a questão relacionada ao colonialismo é que foi frequentemente imposto sobre as outras pessoas uma soberania que elas não queriam. A população das Malvinas foi muito clara sobre o que ela quer: ela quer manter a condição atual, e qualquer pessoa querendo ir contra isso, forçá-la a fazer outra coisa… As palavras que eu usei foram apropriadas.
Cecilia Mailan – Dada a situação na Europa, é um alívio estar fora do Euro?
David Cameron – De forma resumida, sim. É correto para o Reino Unido, uma das maiores economias do mundo, ter sua própria moeda, ser capaz de determinar a taxa de juros e ter uma política econômica no país que nos dê flexibilidade de fazer o que é certo para o nosso país. Isso significa que vamos ter que tomar decisões muito difíceis. Temos um programa de redução da dívida, estamos adotando duras medidas de austeridade para controlar nossos gastos, para reduzir nosso déficit orçamentário, para lidar com nossas dívidas, mas só podemos fazer isso tendo uma política monetária independente que adeque as nossas necessidades. Para outros países olhando para a Europa, eles podem ver vantagens reais no Reino Unido, porque você pode vir e investir no Reino Unido, você tem acesso total ao Mercado Comum Europeu. Nós começamos esse Mercado Comum, mas você não fica sujeito aos problemas da zona do Euro porque não somos membros da União Monetária. Eu acho que é a coisa certa para o Reino Unido e não temos a intenção de mudar.
Cecilia Mailan – Isso era o que eu ia perguntar: Qual é a sua intenção para o futuro? Nunca aderir?
David Cameron – Em minha opinião não devemos nunca aderir ao Euro. O Reino Unido é uma economia grande o suficiente para ter sua própria moeda, para lidar com suas próprias questões. Nós temos o melhor de dois mundos, que é acesso total ao Mercado Comum Europeu, podemos trocar bens, serviços e pessoas por toda Europa, o maior mercado comum do mundo, com 500 milhões de pessoas, mas não precisamos adotar uma moeda única, que, como todos sabem, tem problemas.
Cecilia Mailan – E o que o senhor diria para aqueles que sugerem que o Reino Unido não é suficientemente europeu?
David Cameron – Somos um país europeu, mas somos um país que tem ligações com o mundo todo. Temos uma relação atlântica muito forte, uma relação especial com a América, uma relação muito especial com a Índia, Paquistão, temos laços históricos com países da América Central e do Sul, inclusive com o Brasil. O Reino Unido é, provavelmente, uma das nações mais cosmopolitas, que olha para o exterior e para o livre comércio no mundo. Venha para Londres na Copa do Mundo e você vai encontrar brasileiros celebrando a vitória do Brasil, argentinos celebrando a vitória da ARgentina. Pessoas do mundo todo fizeram de Londres seu lar. Estamos muito abertos. É a história do Reino Unido, então não é apenas um país europeu, é muito mais do que isso.
Cecilia Mailan – O senhor fez um discurso duro sobre a imigração e ainda assim reconhece a necessidade do Reino Unido atrair os melhores e mais brilhantes talentos. Isso significa que trabalhadores menos qualificados, de fora da Europa, não encontrarão vagas?
David Cameron – Isso significa que devemos tentar controlar a imigração e garantir que estamos tendo o tipo de imigração que é benéfica para o Reino Unido. No passado, estávamos permitindo o ingresso de muitas pessoas pouco qualificadas, em parte porque falhamos em reformar o nosso sistema de bem estar social. Temos cerca de 5 milhões de pessoas economicamente ativas desempregadas e sem benefícios e, ao mesmo tempo, temos um grande numero de pessoas pouco qualificadas entrando no país. Um país aberto e moderno como o Reino Unido deve estar aberto a novos talentos. Queremos que estudantes brasileiros venham e estudem em nossas grandes universidades. Então, estamos focando nesse tipo de imigração ao invés de trabalho pouco qualificado. É o certo para o Reino Unido e diria que é o melhor para o Brasil e para os brasileiros.
Cecilia Mailan – Por que eles ainda podem ajudar o país a crescer e apoiar a economia, mesmo os menos qualificados.
David Cameron – O que você está fazendo é deixar os trabalhadores pouco qualificados fazendo o trabalho que poderia ser feitos por cidadãos britânicos que estão sendo pagos para ficar no seguro desemprego. Isso não é exatamente uma política social sensata, não é uma politica econômica sensata. Mas nós, com certeza, nos beneficiamos de estudantes brasileiros que vêm para nossas melhores universidades, estabelecendo um laço com o Reino Unido, ficando e trabalhando aqui, em um emprego qualificado ou voltando ao Brasil, mas mantendo uma ligação com o Reino Unido. Então, a oferta que fazemos é que todos consigam falar inglês, consigam uma vaga em uma universidade britânica, venham estudar e trabalhar aqui por um tempo, que é a oferta mais aberta que qualquer país do mundo pode fazer para estudantes internacionais.
Cecilia Mailan – O senhor recentemente disse que: “a vida é sobre tomar decisões difíceis, governo é sobre questões difíceis.” Qual foi a decisão mais difícil que teve que tomar?
David Cameron – Você tem que tomar decisões difíceis neste trabalho. Eu tomei a decisão de fazer um resgate de refém na Nigéria e, infelizmente, não funcionou e o cidadão britânico em questão foi assassinado pelos sequestradores antes que conseguíssemos chegar a ele. Tive que tomar essa decisão em um instante. Também tivemos tropas em combate no Afeganistão, um conflito muito difícil, um que pensamos que estamos tendo sucesso em transformar aquele país em um lugar seguro, não só para o Reino Unido, mas para o mundo todo. Estas são as decisões mais difíceis, porque são decisões de vida ou morte.
Cecilia Mailan – A pergunta que um telespectador brasileiro faz para o senhor é: se pudesse fazer uma pergunta a um líder mundial, que pergunta faria e a quem?
David Cameron – Eu gostaria de perguntar ao líder supremo do Irã por que ele quer ter uma arma nuclear e se ele consideraria desistir disso. Porque ele vai acabar desestabilizando o oriente Médio, ele vai causar problemas enormes com essa decisão. Uma compreensão verdadeira e real sobre por que está neste caminho que é tão ruim para o Irã, para p Oriente Médio, essa seria a minha pergunta.
Cecilia Mailan – Pegando mais leve: o senhor trabalha e vive em uma das principais atrações turísticas de Londres: Downing Street, 10, onde estamos agora. Como é um dia típico aqui? Dá para cuidar da família, por exemplo?
David Cameron – Eu consigo ter um pouco de tempo para a família, quer dizer, tenho sorte, por assim dizer. Faço o menor trajeto entre a casa e o trabalho do país. Eu desço as escadas do meu apartamento que é logo ali. Eu tendo a acordar muito cedo, trabalhar em questões do governo por algumas horas, então eu faço café para as crianças antes de irem para a escola e desço as escadas para a primeira reunião do dia. Então, eu tenho tempo para a família logo no começo do dia. Não é nem 9h30 e eu já troquei uma fralda. Então, não é tão ruim.
Cecilia Mailan – O Brasil está vendo esse lugar em um filme chamado A Dama de Ferro [sobre a ex-primeira ministra britânica Margaret Thatcher]. Em um filme futuro, sobre os seus dias de governo, quem o senhor gostaria de ver atuando como David Cameron e Ed Miliband [líder do oposicionista Partido Trabalhista]?
David Cameron – Não sei se serei tema de filmes! Quer dizer, Margaret Thatcher foi uma primeira-ministra lendária. Ela fez coisas extraordinárias para esse país. O retrato de Meryl Streep foi surpreendentemente preciso, com relação as suas expressões faciais e todo o resto. Eu fiquei triste que foi um filme feito agora. Porque é um filme sobre uma mulher idosa com problemas relacionados à idade. Sobre o mundo futuro, eu tenho que continuar trabalhando, fazer tudo o que puder e esperar que ninguém faça um filme sobre isso.
Cecilia Mailan – Futebol: sua seleção está em uma posição difícil no momento, nenhum líder dentro e fora do campo. Quais são as chances para a Inglaterra na Copa de 2014? Alguma aposta?
David Cameron – Eu não vou fazer nenhuma aposta, nós somos um país apaixonado por futebol, assim como o Brasil.
Cecilia Mailan – Vocês inventaram o jogo.
David Cameron – É uma das coisas que nos une. Tivemos nosso momento: 1966, o ano em que eu nasci, foi a última vez em que ganhamos a Copa do Mundo. Vocês conseguiram fazer isso algumas vezes, depois. Estou muito orgulhoso da nossa Premiere League [campeonato de futebol da Inglaterra]. É uma coisa incrível que a Inglaterra tem: O campeonato é visto no mundo todo, tem os melhores jogadores do o mundo e estabelece um exemplo de quão aberto o Reino Unido é. Com relação à próxima Copa do Mundo eu sempre tenho esperanças. Estarei torcendo como um louco, sei que temos que esperar pelo melhor, mas nos preparar para o que pode não acontecer.
Cecilia Mailan – Olimpíadas.
David Cameron – Esse é o outro elo incrível entre o Reino Unido e o Brasil. Temos as Olimpíadas chegando aqui neste verão. Está andando muito bem. Em geral, neste estágio os governos ficam sob muita pressão, porque as coisas ainda não estão prontas, não está dando certo, mas parece que está tudo correndo muito bem e estamos muito entusiasmados com isso. Estamos entusiasmados em receber o mundo neste verão e claro que será um grande elo entre Londres e Brasil quando vocês assumirem a chama olímpica em 2016.
Cecilia Mailan – O senhor está muito feliz em passar a imagem do legado que o governo que manter depois das Olimpíadas. Como isso pode ser atingido? Pode ser copiado por outros países?
David Cameron – Acho que a coisa mais importante não é construirmos coisas que nos próximos anos serão cobertas pelo mato e que não serão usadas por ninguém. Seja o centro aquático de natação, seja o velódromo para o ciclismo, seja o estádio principal, o importante é garantir a perspectiva de um bom uso futuro. Por exemplo, nosso Aquacenter, que tem essas piscinas incríveis para nadar, treinar e saltar – estive lá outro dia – pensamos que serão usadas por mais de 200 mil pessoas por ano no futuro. Garantimos um bom legado. O maior legado de todos é tentar inspirar os jovens do Reino Unido a praticar esporte, a praticar esportes de competição, serem capazes de serem quem quiserem ser. É um tempo de grandes aspirações. Nós, políticos, gostamos de acreditar que podemos inspirar as pessoas e conseguir que façam grandes coisas. Na verdade, heróis do esporte, jogadores de futebol, atletas olímpicos são aqueles que mais inspiram as pessoas em nosso país. Esse é o verdadeiro legado: mais pessoas no esporte, mais pessoas sonhando mais alto.
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