"Atividade do promotor está engessada pela burocracia"
19 de março de 2012, 15h22
Esta entrevista faz parte da série que a ConJur publica a partir desta segunda-feira (19/3) com os candidatos a procurador-geral de Justiça de São Paulo.
"O Ministério Público perdeu o protagonismo e o espaço externo por conta de uma política de ensimesmamento. Ele está voltado para dentro." A conclusão é do procurador Mário de Magalhães Papaterra Limongi, um dos três candidatos a procurador-geral de Justiça de São Paulo. Para ele, o Ministério Público tem de retomar o protagonismo e participar mais dos debates que envolvem a sociedade. As eleições ao cargo máximo da hierarquia do cargo no estado acontecem no próximo sábado (24/3).
Em tom de crítica, Papaterra diz que a atividade do promotor, hoje, está “engessada”. E exemplifica: “Há um ato que regulamenta o atendimento público. O promotor precisa preencher uma ficha para dizer o que aconteceu naquela ocasião. Isso é absolutamente sem sentido. O bom promotor atende o público andando, na fila, conversando. Não precisa preencher ficha. Nós temos uma série de atos que torna difícil a vida do promotor”.
O reflexo dessa burocratização, diz, “é a perda da capacidade do promotor em ser agente político”. “O Ministério Público pediu ao constituinte para interferir em políticas públicas, atuando na área da cidadania e do meio ambiente, por exemplo, mas de uns tempos para cá não vem exercendo este papel; está muito tímido”, opina.
Além da abertura para a sociedade, Papaterra acredita que o MP paulista precisa, nos moldes do relatório Justiça em Números, editado anualmente pelo Conselho Nacional de Justiça, de um documento com dados da instituição. “Pretendo conversar com o Judiciário. Nós precisamos ter os mesmos números. É o Ministério Público quem fornece o número de condenações, por exemplo, ao CNJ. Isso passa, necessariamente, pelo MP”, conta.
Aos 59 anos, Papaterra dedicou a maior parte da sua vida à promotoria paulista. Em 1998, depois de 22 anos no cargo, tornou-se procurador do Ministério Público de São Paulo. E agora, confiante, concorre a procurador-geral. “Nos quatro anos em que fiquei fora da carreira, adquiri uma boa experiência administrativa, o que eu acho que pode ser muito útil para a instituição”, diz, em defesa de sua candidatura para a chefia da Procuradoria-Geral de Justiça estadual. Papaterra foi coordenador do Centro de Apoio Criminal (1996-1998) e Secretário-Adjunto da Segurança Pública (1999-2001) e de Governo (2002).
“Não tenho dúvida de que vou ser o mais votado, e acho que o governador nomeará o mais votado”, diz. O resultado da votação interna é enviado para o governador do estado, que pode ou não nomear o mais votado. O mandato é de dois anos e uma recomendação é permitida.
O procurador é natural de Jaú, no interior de São Paulo. Atua no MP-SP desde 1976, tendo passado pelas comarcas de Descalvado, São Carlos, Leme e Rio Claro. Atuou no Tribunal do Júri por nove anos. Em 2008 e 2009, foi membro do Órgão Especial do Colégio de Procuradores de Justiça e também diretor da Escola Superior do MP paulista.
Em conversa com a Consultor Jurídico, um mês antes das eleições, quando votam todos os promotores e procuradores do estado, Papaterra falou sobre a gestão atual do órgão, sobre legislação penal e sobre seus planos para o mandato, caso venha a ser eleito.
Os membros do MP paulista votam na sede da instituição e também nas sedes regionais, das 9 horas às 17 horas, no dia próximo dia 24. A participação no pleito é compulsória. Além de Papaterra, disputam ao cargo os procuradores de Justiça Felipe Locke Cavalcanti e Márcio Fernando Elias Rosa. Também participou da entrevista o chefe de redação da ConJur, Alessandro Cristo.
Confira abaixo trechos da conversa:
ConJur — A proposta do senhor é de continuidade? O senhor é apoiado pelo promotor Luiz Antônio Marrey [ex-secretário de Justiça e da Casa Civil do Estado de SP]…
Mário Papaterra — Não é de continuidade. Eu sou candidato de oposição ao atual procurador-geral [Fernando Grella Vieira]. Acho que há duas questões fundamentais que fazem com que divirjamos da atual gestão. O Ministério Público perdeu o protagonismo e o espaço externo por conta de uma política de ensimesmamento. Ele está voltado para dentro. Nós queremos retomar o protagonismo. Não se ouve mais falar do Ministério Público. O MP estadual, há quatro anos, não tem sido articulador. Isso não é admissível, porque quem pediu para ser agente político ao constituinte foi o próprio Ministério Público. Ele não pode ser uma instituição voltada para dentro, mas sim para a sociedade. Esta falta de contato nos fez perder espaço. A segunda , sob o ponto de vista interno, é a desburocratização do Ministério Público.
ConJur — Como assim?
Mário Papaterra — O Ministério Público está muito engessado por atos e por regulamentações internas que dificultam a atividade fim do promotor. Não somos contra a coleta de dados para poder gerir, mas achamos que há um exagero regulamentatório que está tornando a vida do promotor muito difícil. Há um ato, por exemplo, que regulamenta o atendimento público. O promotor precisa preencher uma ficha para dizer o que aconteceu naquela ocasião. Isso é absolutamente sem sentido. O bom promotor atende o público andando, na fila, conversando. Não precisa preencher ficha. Nós temos uma série de atos que torna difícil a vida do promotor.
ConJur — Há quem diga que o MP ganhou o corpo e a força que tem hoje, inclusive diante da sociedade, por causa do trabalho na Constituição. Assim, a constituinte privilegiou muito o Ministério Público…
Mário Papaterra — Acho que, infelizmente, nós diminuímos isto. Mesmo assim, continuamos com o principal: o idoso, o adolescente, o povo ainda nos procura. O promotor tem credibilidade. Normalmente, nas pequenas cidades, ele exerce papel importante, quer em uma questão simples como vaga em escola, quer em assuntos mais graves, como a degradação ambiental. Vejo isso na minha cidade, com muita frequência.
ConJur — Qual é o tipo de acompanhamento que o MP deve fazer em relação às reformas do Código de Processo Penal e do Código Florestal?
Mário Papaterra — Existe o Conselho Nacional de Procuradores Gerais e outra série de órgãos em Brasília, mas que ficam só na formalidade. Precisamos de gente que acompanhe o processo legislativo — e não é para defender os interesses do Ministério Público, mas sim os interesses que o constituinte achou que o MP deveria defender. A Constituição nos deu poderes para isto. Nós temos que interferir mais no procedimento legislativo. Tem que ter um escritório profissionalizado em Brasília, com gente especializada, designando pessoas que possam representar o Ministério Público em cada caso concreto, com o peso da chefia da instituição. O Código Florestal, por exemplo, vai contra todo o pensamento dos promotores do meio ambiente de São Paulo. Tivemos uma longa discussão no conselho sobre a soma da área de reserva legal, da área de proteção permanente. Se o Ministério Público estivesse presente, esse projeto não passaria.
ConJur — Qual o peso da participação do MP no Congresso?
Mário Papaterra — A questão não é ganhar ou perder. Não sou leviano de achar que a presença pura e simples do promotor no debate vai fazer com que a gente ganhe todas. Nós vamos ganhar e vamos perder. Isso é democracia. O legislador é votado, ele aceita lobby. Não acho que o lobby seja algo errado. Nós precisamos fazer lobby e não fazemos. Não fizemos nesses quatro anos. A última vez que eu vi uma posição de lobby forte do Ministério Público foi na questão do exame criminológico, que nós perdemos.
ConJur —Qual outro ponto o senhor acha que tem de ser fortalecido?
Mário Papaterra — A execução penal talvez seja o ponto que mais precise de fortalecimento.
ConJur — Em que sentido?
Mário Papaterra — Os promotores das execuções criminais têm de ser prestigiados até pelo Judiciário. Eles são batalhadores e se queixam de que suas teses, invariavelmente, não são conhecidas. Eles se queixam, inclusive, de uma certa benevolência do nosso tribunal [Tribunal de Justiça de São Paulo]. Claro, todo promotor acha que o tribunal decide mal.
ConJur — E quanto à tramitação direta de inquérito entre Polícia e MP. A Resolução que trata do assunto [Resolução 63, de 2009, do Conselho da Justiça Federal] retira do Judiciário federal a necessidade de intermediar a circulação das investigações enquanto não há denúncia.
Mário Papaterra — Na verdade, isso tudo precisa ser mais bem conversado. Ela é uma bela reivindicação do Ministério Público porque o MP é o destinatário do inquérito, não o Judiciário. Em todos os lugares é assim. Quando as coisas são resolvidas mais rapidamente, a população gosta. Essa briga de corporação não traz benefícios para ninguém.
ConJur — Como o procurador-geral pode mudar isso?
Mário Papaterra — As diferenças institucionais não são corrigidas simplesmente porque eu quero. É necessário conversar. A função do procurador-geral é uma função política também, e o combustível do político é a saliva. Ele precisa conversar com o tribunal e com a Polícia, com a Civil em especial, porque os inquéritos policiais são nossa fonte de trabalho. Tenho ouvido de vários colegas que, hoje, 90% dos processos se iniciam por flagrantes e não investigação. Isso é ruim para todos nós. Constatada a falha, precisamos encontrar a cura. Para a Polícia Civil isto é relevante para que tenha prestígio. Para nós também. Uma vítima de um roubo ou furto não se conforma em saber que há um boletim de ocorrência ou que não houve investigação. Isso desmoraliza a Polícia e o Ministério Público. A Polícia não pode ficar preocupada com um eventual controle nosso. Porque esse controle será benéfico para todos. Aliás, não tem muito o que discutir sobre este ponto, já que está na Constituição. Acho até que nós não estamos fazendo isso. A Polícia não tem razões para reclamar. Nós é que devíamos estar nos mexendo e vamos fazer isso.
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