Advocacia americana

Quem não é advogado não pode investir em escritórios

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10 de março de 2012, 8h45

A Comissão de Ética da American Bar Association (ABA), a ordem dos advogados dos EUA, que se enreda, por maís de dois anos, em "estudos e deliberações" sobre a conveniência ou não das firmas de advocacia aceitarem sócios não advogados, foi atropelada por decisões que correm por outros caminhos. A firma Jacoby & Meyers, muito conhecida no país por sua atuação agressiva na área de indenização por acidentes, pediu à Justiça que declarasse a inconstitucionalidade das regras da ABA que proíbem a abertura do capital das bancas a não advogados. Um juiz federal de Nova York disse não.

O juiz Lewis Kaplan simplesmente indeferiu o prosseguimento da ação, na quinta-feira (9/3), com base em aspectos técnicos. "Diversas disposições nas legislações estaduais proíbem investimentos de não advogados em firmas de advocacia e não faz sentido discutir apenas uma", ele escreveu. "Além disso, a firma não comprovou que tenha sofrido qualquer dano por causa da regra", acrescentou. Para o juiz, os advogados deveriam levar essa questão para os legislativos estaduais ou para suas associações profissionais. As informações são dos sites da Bloomberg e da agência Reuters.

No dia anterior, o juiz de Nova Jersey Peter Sheridan tomou decisão semelhante: não aceitou examinar o caso e impediu o prosseguimento da ação no tribunal. Mas sugeriu que o caso deveria ser levado à Suprema Corte do Estado. O advogado Jeffrey Carton, que representou a firma, disse que seria contraproducente levar o caso para a instituição que deu força de lei à regra, originalmente. Agora, as atenções dos advogados americanos se concentram na ação que a Jacoby & Meyers moveu em Connecticut. Em todos os casos, os demandados são juízes estaduais, que aprovam as regras que governam a advocacia nos EUA (e concedem ou suspendem licenças de advogados).

O Distrito de Colúmbia (o Distrito Federal dos EUA) é o único território do país que, já há algum tempo, permite que não advogados sejam sócios de firmas de advocacia (com algumas limitações). Até agora, nenhum dos 50 estados americanos mudou as regras do jogo. Mas a pressão das bancas americanas cresceu depois que o Reino Unido e a Austrália mudaram suas regras, para que suas firmas de advocacia pudessem aceitar sócios não advogados. Dessa maneira, o mais provável é que algumas bancas americanas vão disputar a questão estado por estado, se em algum deles a firma demandante for bem-sucedida.

A única instituição que pode normatizar a questão em todo o país – mantendo ou reformando o status quo – é a ABA. Mas a ABA optou, há mais de dois anos, por lavar as mãos. Isto é, criou a comissão para "estudos e deliberações", que, por sua vez, repassou a discussão para as firmas de advocacia. Pediu a elas que enviassem seus pareceres, por carta, à comissão. As firmas enviaram uma centena de pareceres, metade dos quais contra e a outra metade a favor das mudanças. Assim, a ABA permanece de mãos "lavadas" e amordaçadas.

Os defensores das regras estabelecidas pelos códigos de ética, há muito sedimentadas, dizem que a abertura do capital das sociedades de advogados a não advogados, além de violar os códigos de ética, torna os advogados reféns dos investidores externos. Para o professor de Ética da Faculdade de Direito da Universidade de Nova York, Stephen Gillers, "os investidores, diferentemente dos advogados, não são governados por códigos de ética; por isso, eles podem ter poder sobre os advogados". E isso está no cerne do problema: os investidores podem influenciar (ou tentar influenciar) a atuação dos advogados, de olho em um determinado retorno financeiro. O objetivo de investidores é maximizar os lucros. Não coincidem com os objetivos da profissão de advogado.

Os defensores da mudança das regras apresentam dois arguemntos. Um deles é que a medida poderia melhorar suas condições para contratar profissionais qualificados, de outras áreas, porque seria possível à banca oferecer participação nos lucros da empresa, uma vez que não podem pagar salários competitivos. Por exemplo, uma firma especializada em Direito Imobiliário poderia contratar um engenheiro, para lidar com um cliente empreendedor do ramo. O outro é o de que a firma precisa de dinheiro para crescer e aceitar investimento externo sai mais em conta do que pegar um empréstimo bancário.

Esse é o caso da Jacoby & Meyers: a firma quer expandir a sua "franquia". Em sua petição ao tribunal de Manhattan, a firma declarou que já tem um pré-acordo com três investidores – Anthony Costa, Philip Guarnieri e Michael Ostrow – todos diretores do ES Bancshares Inc. (ESBS), a empresa holding do Empire State Bank. Um deles é também dono de uma concessionária Mercedes-Benz e de compra e venda de carros usados, informa o site da Bloomberg. A firma diz que também já negociou investimentos institucionais.

O atual modus operandi da Jacoby & Meyers já pode parecer muito estranho a qualquer advogado do Brasil – ou de qualquer país que considera nobre a profissão de advogado (como os da Índia, que estão lutando contra o mercantilismo das bancas inglesas, americanas e australianas). Desde sua fundação, em 1972 na Califórnia, a firma funciona em imóveis construídos para lojas (de frente para a rua, com placas grandes) – e não em prédios de escritórios. Foi uma das primeiras a fazer anúncios publicitários em diversos meios de comunicação – e uma ardorosa defensora do direito das bancas de fazer publicidade, como qualquer outro empreendimento empresarial. Agora, a firma quer abrir "lojas" em shopping centers e funcionar nos fins de semana, para atender a clientela.

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