Advogado e cliente

Procurador propõe representação contra Thomaz Bastos

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29 de maio de 2012, 17h59

Para o procurador regional da República Manoel Pastana, que atua em Porto Alegre, o criminalista Márcio Thomaz Bastos cometeu um crime ao aceitar os honorários pagos pelo empresário Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira. Ele levou o assunto tão a sério que propôs uma representação contra o advogado, na segunda-feira (28/5), na Procuradoria da República em Goiás. Além da investigação, pediu a quebra dos sigilos fiscal e bancário do criminalista.

De acordo com o procurador, “o cliente do representado não ostenta renda lícita, que justifique o pagamento de honorários de um advogado em início de carreira, a fortiori de um causídico do nível do ex-ministro da Justiça, que, segundo divulgado na imprensa, teria cobrado R$ 15 milhões a título de honorários advocatícios”. Segundo ele, a conduta do ex-ministro da Justiça, que começou a advogar em 1956, está tipificada no crime de receptação culposa, previsto no artigo 180, parágrafo 3º, do Código Penal.

O procurador afirma que “conquanto o patrocínio do ex-ministro da Justiça não seja ilegal, o recebimento dos honorários em tais circunstâncias é ilegal, por configurar, em tese, ilícito penal, conforme se verá a seguir”. 

Em nota, o ex-ministro rebateu as acusações e criticou o comportamento do procurador. Segundo ele, as acusações mostram "retrocesso autoritário incompatível com a história democrática do Ministério Público". Para o criminalista, o procurador abusa do direito de ação ao confundir o advogado com o réu que defende, e ainda tenta intimidar o advogado para cercear o direito de defesa de seu cliente. 

Thomaz Bastos afirmou ainda que a atitude atenta contra o livre exercício do direito de defesa. "Os honorários profissionais remuneram o serviço de advocacia que está sendo prestado — fato público e notório — e seguem as diretrizes preconizadas pelo Código de Ética da Advocacia e por outras leis do país." 

Advogados entrevistados pela revista Consultor Jurídico refutaram a tese e criticaram os argumentos, incluindo o embasamento jurídico.

O criminalista Alberto Zacharias Toron é um deles. “Ingressamos numa etapa de um verdadeiro macartismo jurídico. Se não se tratar de uma hipótese de prevaricação por parte do procurador, estamos diante de uma verdadeira aberração. É inadmissível que se queira perseguir o advogado por sua competência profissional, pretextando o crime de lavagem. Chega a ser odioso e atentatório à própria cidadania, além de ofender toda advocacia”, declarou.

Em determinado ponto da representação, o procurador escreve que mais importante até do que impedir que o infrator tire proveito da prática criminosa, é “fazê-lo ficar sem recursos”. “Sem recursos, ele não terá como pagar advogados caros, para encontrar brechas na lei e subterfúgios defensivos, a fim de livrá-lo impunemente, tampouco teria a fidelidade de amigos e colaboradores influentes, que o ajudam na esperança de serem contemplados com o dinheiro sujo que o suposto criminoso movimenta”, argumenta.

O advogado Antonio Ruiz Filho, presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB paulista, lembrou que o direito de defesa deve ser colocado no mesmo patamar da liberdade de imprensa. “Essa é uma regra basilar que deve ser resguardada por toda sociedade para manutenção do estado democrático e de direito”, opina. Pare ele, “é completamente indevida a intromissão do Ministério Público numa relação de ordem privada, entre advogado e cliente”.

“Para o caso de haver alguma questão relativa a honorários, só a OAB pode examinar se está de acordo com regras legais e éticas. Não vejo como o MP pode impor a um advogado que, ao cobrar os honorários, examine a procedência dos valores. Essa tarefa não é dele. Quem investiga o dinheiro é o próprio MP ou a Receita Federal”, explica.

Fernanda Tórtima, presidente da Comissão de Defesa, Assistência e Prerrogativas da OAB-RJ, também criticou a representação, que classificou como “absolutamente descabida”. De acordo com ela, “só se pode imputar o crime de lavagem quando o advogado usa o mandato como uma ficção, fraude mesmo, como forma de ajudar o criminoso a dissimular a origem ilícita no dinheiro. No caso, a intenção é de receber os honorários pelos serviços prestados, independentemente do valor, que seja R$ 1 mil ou R$ 15 milhões”.

Márcio Thomaz Bastos escreveu artigo para o jornal Folha de S.Paulo desta terça-feira (29/5). "Também servi à profissão como dirigente da OAB-SP e da OAB nacional. Na vida profissional, alguns momentos me orgulharam muito: as Diretas Já, a Constituinte, o julgamento dos assassinos de Chico Mendes, a fundação do Instituto de Defesa do Direito de Defesa e muitas centenas de defesas que assumi, tanto no júri como no juiz singular", disse.

No mesmo artigo, ele escreveu: “Salvei minha independência como defensor, nunca a alienando a quem quer que fosse. A liberdade do advogado é condição necessária da defesa da liberdade. Assim como representei centenas de clientes dos quais nunca recebi honorários, trabalhei para muitos que puderam pagar, alguns ricos, entre pessoas físicas e empresas”.

Em nota divulgada no domingo (27/5), o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo, Luiz Flávio Borges D’urso, disse que “o fato de o advogado Márcio Thomaz Bastos ter sido Ministro da Justiça, não lhe impede de agora advogar livremente, sem qualquer restrição legal, aliás, o que já ocorre com inúmeros outros colegas que ocuparam postos e cargos de destaque na política nacional”.

O Movimento da Defesa da Advocacia divulgou, na segunda-feira (28/5), nota de apoio à OAB paulista, na qual disse que “a incompreensão, por parte do inconsciente coletivo, a respeito da figura do Advogado — que não pode jamais ser confundido com seu cliente — é mácula que precisa ser superada em um verdadeiro Estado Democrático de Direito, sendo de rigor cultivar, no seio da sociedade, a ideia de que sem defesa não há processo; e sem processo não há justiça”.

O Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), do qual Márcio Thomaz Bastos faz parte do conselho deliberativo, também criticou a representação. "É indiscutível essa Representação, bem como as críticas que o advogado tem sofrido nos últimos dias, ignoram frontalmente o direito de defesa, que existe, antes de mais nada, para proteger o indivíduo do poder estatal, opressivo, independentemente de sua classe social", declarou a advogada Marina Dias, diretora-presidente da entidade.

O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, também saiu em defesa do criminalista. "A partir do momento em que se imputa ao advogado a prática de crime por ele estar exercendo, dentro dos limites da lei, o direito de defesa, por óbvio se está a atentar contra as liberdades e contra o legal exercício de uma profissão, constitucionalmente protegida", afirmou.

A diretoria da OAB nacional designou o advogado Arnaldo Malheiros Filho para acompanhar o caso e defender pelo livre exercício profissional do advogado Márcio Thomaz Bastos.

Não é a primeira vez que o procurador Manoel Pastana interpela personalidades de processos sob holofotes. No ano passado, tentou incluir o nome do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na denúncia do esquema do mensalão, apresentada ao Supremo Tribunal Federal. Em representação, que comentou em entrevista à ConJur, citou atos legislativos assinados pelo ex-presidente e sua influência direta sobre a decisão de habilitar o Banco BMG a operar com empréstimos consignados para os segurados e inativos da Previdência Social, supostamente em favorecimento ao banco, onde, segundo o Ministério Público Federal, circulou dinheiro do esquema. É autor do livro autobiográfico De Faxineiro a Procurador da República, em que conta ter sido faxineiro, vendedor de livros, soldado, sargento especialista de aeronáutica e oficial de Justiça do Superior Tribunal de Justiça e procurador federal do INSS, antes de entrar para o MPF.

Leia a nota divulgada pelo ex-ministro Márcio Thomaz Bastos:

O advogado Márcio Thomaz Bastos repudia as ilações de um procurador regional da República no Rio Grande do Sul, por estar defendendo um acusado em caso de grande repercussão nacional. Trata-se de retrocesso autoritário incompatível com a história democrática do Ministério Público. Esse procurador confunde deliberadamente o réu e o advogado responsável por sua defesa, abusando do direito de ação.

Em seus quase 60 anos de atividade como advogado e defensor da causa do Estado Democrático de Direito, jamais se defrontou com questionamentos desse calão, que atentam contra o livre exercício do direito de defesa, entre outros direitos e garantias fundamentais, tanto do acusado como do seu defensor.

Os honorários profissionais remuneram o serviço de advocacia que está sendo prestado — fato público e notório — e seguem as diretrizes preconizadas pelo Código de Ética da Advocacia e por outras leis do país.

O escritório que dirige, como qualquer outra empresa, respeita todas as regras impostas pela Receita Federal do Brasil. Causa indignação, portanto, a tentativa leviana de intimidar o advogado, para cercear o direito de defesa de um cidadão. Trata-se de lamentável desvio de finalidade.

MÁRCIO THOMAZ BASTOS ADVOGADOS

Leia a nota da OAB:

“As democracias modernas consagram, como um dos valores fundamentais da sociedade, a liberdade do ser humano e elegem o advogado como o profissional habilitado para promover a defesa dos direitos e garantias fundamentais, tendo como esteio o devido processo legal e a ampla defesa.

A partir do momento em que se imputa ao advogado a prática de crime por ele estar exercendo, dentro dos limites da lei, o direito de defesa, por óbvio se está a atentar contra as liberdades e contra o legal exercício de uma profissão, constitucionalmente protegida.

O oferecimento de queixa-crime, com finalidade meramente midiática, contra o advogado MÁRCIO THOMAZ BASTOS, com o objetivo de inibir o exercício da defesa do seu constituinte, tem efeito perverso à democracia e à cidadania, não podendo ser tolerado.

O Conselho Federal da OAB se põe ao lado do advogado Márcio Thomaz Bastos, que simboliza neste caso o direito de defesa constitucional conferido a qualquer cidadão brasileiro e manifesta o seu repúdio à atitude de um membro do Ministério Público que tenta denegrir a imagem da advocacia brasileira, tentando confundir o exercício profissional com os atos que são imputados ao seu constituinte.

A Ordem dos Advogados do Brasil permanecerá vigilante na defesa das prerrogativas profissionais da advocacia e adotará as medidas judiciais e administrativas para coibir qualquer tentativa de diminuir o amplo direito de defesa e o respeito à dignidade da advocacia.

Ophir Cavalcante Junior.”

[Notícia alterada em 29 de maio de 2012, às 18h54, para acréscimo de informações.]

Clique aqui para ler a representação.

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