Falsidade documental

Parte pode pedir original se digital for suspeito

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19 de julho de 2012, 9h00

Como é de conhecimento pelos causídicos ao peticionar nos autos virtuais, o procedimento necessário para juntada de documentos assinados por pessoas que não possuam firma digital é o escaneamento do documento como um todo, sendo convertido para formato de imagem compactada “.jpg” para, então, ser convertido no formato “.pdf”, o único possível de inserção e autenticação pelo sistema informático projudi, certificando-se-lho digitalmente.

Frequentemente, depara-se com documentos suspeitíssimos, nitidamente forjados, em que se constata ao mero passar de olhos — e cursor — que foi pós-inserida uma imagem, como o recorte digital de assinatura, sobre um documento que fora previamente datilografado em editor de textos, como o ‘Microsoft® Word’, sendo convertido em formato “.pdf” seguido de aposição de firma digital do patrono.

Para elucidar os fatos a lei faculta à parte interessada arguir a falsidade documental, inclusive nos autos virtuais. Entretanto, nos Juizados Especiais Cíveis exsurge um elemento complicador: a impossibilidade de realização de provas periciais que, em tese, tornariam o feito complexo, levando o magistrado a extingui-lo sem resolução do mérito, mesmo tendo tramitado por considerável tempo e estando o processo na iminência de ser prolatado o esperado decisum.

Assim, quando uma das partes se depara com documento digital suspeito, é instada a requerer que a contraparte junte o original aos autos e, persistentes as razões para crer que é, de fato, falso, não tem tido outra saída senão promover novo pleito na Vara Cível. Todavia, terá que arcar, no mínimo, com as custas processuais, visto que a praxe judicial tem dificultado o deferimento, ainda que provisoriamente, das benesses da assistência judiciária gratuita, sendo que nos Juizados não há tal necessidade, assim como a peculiar celeridade inerente.

Entende-se que exista solução salutar e que se melhor se adeqúe aos anseios queridos do Estado-juiz.

É sabido que não raro se tem notícia de técnicos judiciais com formação específica em ciências exatas e informática, em cursos de análises de sistemas e ciências da computação. Inclusive, ouvem-se rumores que há funcionários que laboram nas serventias e secretarias de fóruns de cidades medianas aptos tecnicamente em informática para auxiliar o Juízo a elucidar fatos tais como o objeto de incidente de falsidade de documento eletrônico, não se vislumbrando nenhuma complexidade.

O escopo do referido procedimento é questionar a fé impingida ao documento, seu valor probante e as consequências jurídicas quanto a sua declaração de falsidade. O Código de Processo Civil prevê:

Artigo 385. A cópia de documento particular tem o mesmo valor probante que o original, cabendo ao escrivão, intimadas as partes, proceder à conferência e certificar a conformidade entre a cópia e o original.

Artigo 386. O juiz apreciará livremente a fé que deva merecer o documento, quando em ponto substancial e sem ressalva contiver entrelinha, emenda, borrão ou cancelamento.

Artigo 387. Cessa a fé do documento, público ou particular, sendo-lhe declarada judicialmente a falsidade.

Parágrafo único. A falsidade consiste:

I – em formar documento não verdadeiro;

II – em alterar documento verdadeiro.

Artigo 388. Cessa a fé do documento particular quando:

I – lhe for contestada a assinatura e enquanto não se lhe comprovar a veracidade;

II – assinado em branco, for abusivamente preenchido.

Parágrafo único. Dar-se-á abuso quando aquele, que recebeu documento assinado, com texto não escrito no todo ou em parte, o formar ou o completar, por si ou por meio de outrem, violando o pacto feito com o signatário.

Artigo 389. Incumbe o ônus da prova quando:

I – se tratar de falsidade de documento, à parte que a argüir;

II – se tratar de contestação de assinatura, à parte que produziu o documento.

Salienta-se que na hipótese descrita não há que se falar em necessidades de perícias grafotécnicas, visto que o objeto da contenda é justamente o documento como um todo, formado como não verdadeiro.

Ou seja, em visto da tramitação eletrônica do incidente de falsidade documental, entende-se plausível determinar à serventia que coteje os documentos entre si, sendo um impresso e outro digital, ou mesmo dois arquivos digitais, utilizando como critérios de conferência o volume de dados, as datas de criação e modificação dos arquivos, a grafia de eventuais firmas (v.g., caso o documento original contenha assinatura apostas em papel por canetas esferográficas), aplicando-se o disposto nos artigos supra do Código de Processo Civil.

Note-se que a própria Lei 9.099/1995 possibilita ao magistrado fazer valer da inquirição de técnicos judiciais a fim de emitir parecer técnico, que pode bastar para esclarecimento do fato sub judice:

Artigo 35. Quando a prova do fato exigir, o Juiz poderá inquirir técnicos de sua confiança, permitida às partes a apresentação de parecer técnico. Parágrafo único. No curso da audiência, poderá o Juiz, de ofício ou a requerimento das partes, realizar inspeção em pessoas ou coisas, ou determinar que o faça pessoa de sua confiança, que lhe relatará informalmente o verificado.

A inquirição de técnicos da confiança do juiz funciona tal como oitiva de testemunha técnica convocada, esclarecendo as questões que lhe forem indagadas, até mesmo oralmente, dispensável apresentação formal de laudos, dando-se o mesmo tratamento legal que é dado pelo Codex ao laudo pericial. Segundo os princípios do livre convencimento motivado e da livre apreciação da prova pelo juiz, até mesmo a perícia especializada não limita, como prevê o artigo 436, CPC do O juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos.

Há jurisprudência séria a respeito:

EMENTA: INDENIZAÇÃO. JUIZADO ESPECIAL. INFORMALIDADE NA PRODUÇÃO DE PROVAS. OS LIMITES DA SENTENÇA TERMINATIVA. 1. A INFORMALIDADE DOS ATOS DOS JUIZADOS ESPECIAIS EXIGE DA PARTE DILIGÊNCIAS ESPECIAIS. AS RESPECTIVAS ALEGAÇÕES, DEVEM ESTAR INSTRUÍDAS COM TODOS OS DADOS E INFORMAÇÕES A SEU ALCANCE. 2. A INQUIRIÇÃO DE TÉCNICOS PREVISTA NO ARTIGO 35 DA LEI 9.099/95 NÃO SE TRADUZ EM PROVA PERICIAL. 3. A SENTENÇA TERMINATIVA (ARTIGO 267 CPC C/C.51 LEI 9.099/95) ESGOTA OS SEUS EFEITOS NO PROCESSO ONDE FOI PROFERIDA. Decisão – DESPROVER O RECURSO. UNÂNIME. (APELAÇÃO CÍVEL NO JUIZADO ESPECIAL 19990110811336ACJ DF – Registro do Acórdão Número : 131918 – Data de Julgamento : 19/09/2000 – Órgão Julgador : Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F. – Relator : ANTONINHO LOPES – Publicação no DJU: 21/11/2000 Página: 40)

É o entendimento explícito tanto pela Turma Recursal Única quanto pelo Fórum Nacional dos Juizados Especiais:

Enunciado 13.6 da TRU — Complexidade da causa: Simples afirmação da necessidade de realizar prova complexa não afasta a competência do Juizado Especial, mormente quando não exauridos os instrumentos de investigação abarcados pela Lei 9.099/95.

Enunciado 54 do FONAJE: A menor complexidade da causa para a fixação da competência é aferida pelo objeto da prova e não em face do direito material

No mínimo, entende-se razoável, aprioristicamente, que se proceda com a inquirição de técnicos de confiança do juízo para aferir o grau de dificuldade da prova necessária ao convencimento, se é complexa ou não.

Veja-se que o procedimento acima descrito só encontra óbice em caso de inafastável complexidade complicadora, que afete de tal modo sua intelecção a ponto impossibilitar a valoração dos fatos e o convencimento deste juízo acerca da verdade.

Verificada tal condição, não restaria alternativa senão remeter os autos ao Juízo Cível para tramitação pelo rito ordinário, entretanto, entende-se que seja decisão a ser tomada somente como ultima ratio, sob pena de perda de tempo, a afetar a razoável duração do processo. Assim decidindo, é de rigor que se aproveitem os atos já realizados, como se justifica a seguir.

Há posicionamento interessante da Turma Recursal Única do PR no sentido que, quando há atos processuais a incutir complexidade ao feito, é mister que a tramitação se dê perante o Juízo Cível:

RECURSO INOMINADO – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE COBRANÇA DE TAXA DE CONDOMÍNIO C/C ANTECIPAÇÃO DE TUTELA – CONTESTAÇÃO COM INCIDENTE DE FALSIDADE DE DOCUMENTO – PEDIDO INCIDENTAL DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS PELO RÉU – IMPUTAÇÃO, PELO AUTOR, DE CRIME DE FALSIDADE DOCUMENTAL E IDEOLÓGICA PRATICADO PELOS REPRESENTANTES DO CONDOMÍNIO – PROCESSO QUE SE TORNOU COMPLEXO NO SEU EVOLVER – INCOMPETÊNCIA DO JUIZADO DECLARADA – EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO – SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. DECISÃO: ACORDAM os Juízes da Turma Recursal Única dos Juizados Especial Cível e Criminal do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento ao recurso.Pela sucumbência, condena-se o(a) Recorrente ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados em 20% sobre o valor da causa. (TJPR – TURMA RECURSAL ÚNICA – 20080004190-6 – Curitiba – Rel.: HORACIO RIBAS TEIXEIRA – – J. 18.07.2008)

Em que pese a possibilidade de se extinguir o feito e impor ao reclamante que promova novel pleito, data venia, discorda-se veementemente da apontada solução, pois: a um, há que se esgotar os meios de prova facultados ao Juízo pela Lei 9.099/1995 que, aliada à Lei 11.419/2006, sobretudo com a inquirição de prova técnica, evitando-se a extinção do feito, remetendo-se-lho ao Juízo Cível competente em razão estritamente da complexidade comprovada; a dois, a interpretação sistemática e teleológica da mens legis concomitantemente à principiologia processual e ritualística não têm o condão de ferir o contraditório e ampla defesa ao se proceder de tal modo quanto aos atos já realizados; e a três, a lei que dispõe sobre a informatização do processo judicial determina o aproveitamento dos atos processuais mesmo em situações mais trabalhosas, em que ainda haja nos autos documentos não-eletrônicos: determinação de ofício pelo órgão judicante:

Artigo 12.  A conservação dos autos do processo poderá ser efetuada total ou parcialmente por meio eletrônico.

Parágrafo 2o  Os autos de processos eletrônicos que tiverem de ser remetidos a outro juízo ou instância superior que não disponham de sistema compatível deverão ser impressos em papel, autuados na forma dos artigos 166 a 168 da Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973 — Código de Processo Civil, ainda que de natureza criminal ou trabalhista, ou pertinentes a juizado especial;

Parágrafo 3o  No caso do parágrafo 2o deste artigo, o escrivão ou o chefe de secretaria certificará os autores ou a origem dos documentos produzidos nos autos, acrescentando, ressalvada a hipótese de existir segredo de justiça, a forma pela qual o banco de dados poderá ser acessado para aferir a autenticidade das peças e das respectivas assinaturas digitais.

Parágrafo 4o  Feita a autuação na forma estabelecida no § 2o deste artigo, o processo seguirá a tramitação legalmente estabelecida para os processos físicos.

Artigo 13.  O magistrado poderá determinar que sejam realizados por meio eletrônico a exibição e o envio de dados e de documentos necessários à instrução do processo.

O Código de Processo Civil determina que se faculta ao magistrado, que porventura receber os autos remetidos, analisar a pertinência de cada uma das provas e atos processuais já produzidos, aproveitando-os ao máximo possível tal como, em interpretação analógica ao manejo do incidente arguível, pontuamos:

RECLAMAÇÃO. DECLÍNIO DE COMPETÊNCIA DO JUÍZO. REABERTURA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. OITIVA DE TESTEMUNHAS. DESNECESSIDADE. APROVEITAMENTE DOS ATOS PROCESSUAIS INSTRUTÓRIOS. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 567 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. RECLAMAÇÃO DESPROVIDA. CÓDIGO DE PROCESSO PENAL 1. A REPETIÇÃO DE PROVAS JÁ PRODUZIDAS INSERE-SE NO ÂMBITO DA DISCRICIONARIEDADE DO MAGISTRADO, O QUAL ANALISA A SUA CONVENIÊNCIA. 2. OS ATOS PROCESSUAIS PRATICADOS POR JUÍZOS INCOMPETENTES SOMENTE SE ANULAM SE TIVEREM CONTEÚDO DECISÓRIO, DEVENDO SER MANTIDOS OS ATOS INSTRUTÓRIOS, COMO NO PRESENTE CASO. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 567 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. CÓDIGO DE PROCESSO PENAL 3. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (239230620118070000 DF 0023923-06.2011.807.0000, Relator: JOÃO TIMOTEO DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 02/02/2012, 2ª Turma Criminal, Data de Publicação: 13/02/2012, DJ-e Página 297)

Ora, o sistema informático, o banco de dados e modus operandi utilizados pelo Juizado Especial Cível do PR são os mesmos pelo qual tramitam os autos virtuais nos demais Juízos Cíveis, sendo conhecido como Projudi, compartilhando a mesma estrutura, programa e servidores, também, as serventias e cartório distribuidor, não existindo incompatibilidade.

E é nesse sentido o escopo do princípio do aproveitamento dos atos processuais (vide artigo 250, parágrafo único do CPC), corolário da economia processual, sem deslembrar também os princípios da instrumentalidade das formas e da efetividade do processo a justificar a presente manifestação processual.

Entende-se que para a parte autora da suposta falsificação documental a saída salutar seria requerer o desentranhamento do respectivo documento e arcar com suas respectivas consequências processuais, o que se dará mediante anuência da outra parte, pois, como se argumentou, não seria difícil provar com futura perícia que é, de fato, fajuto.

A propósito, é bem verdade que os atos processuais sincréticos praticados pelo Juizado Especial antes do fato jurídico processual que, em tese, verteu em complexo o feito, encontram-se em harmonia com o rito ordinário.

À guisa de considerações derradeiras temos que:

a) sendo dispensável o processamento da arguição de falsidade documental para a resolução do mérito, poder-se-á o Estado-juiz reputar-lhe inexistente para o processo, desentranhando-o, hipótese cabível caso não sejam apresentados os documentos originais à serventia, processando-se o incidente como se pedido de exibição fosse. O mesmo ocorreria caso a parte que juntou o documento controverso perfaça o desentranhamento com anuência a contraparte;

b) caso junte-se documento parecido com o outrora juntado, entendendo possível valorar por métodos destituídos de complexidade, poder-se-á determinar a inquirição de técnico judicial de sua confiança e oportunizando-se às partes indagá-lo em oportuna audiência;

c) persistente a complexidade, há que se remeter ao juízo competente sempre aproveitando os atos processuais e demais provas já produzidas, renovando-se ou deferindo-se novamente as tutelas antecipatórias deferidas caso persistentes as premissas e condições para concessão, com fundamento no sincretismo processual comum e em harmonia com ambos os ritos, ordinário e sumaríssimo.

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