Má qualidade do ensino se deve à formação do docente
11 de agosto de 2012, 14h04
Lei de 11 de agosto de 1827 criou os dois primeiros cursos de Direito no país, em São Paulo e Olinda. Inegável a importância de tal fato para a época. Indiscutível o papel representado por inúmeros juristas no decorrer da história brasileira. Atualmente, há 1259 faculdades de Direito.
Ao tempo em que se comemora mais um aniversário, cumpre aproveitar o ensejo para realizar um balanço da atual circunstância em que se encontram os cursos jurídicos e, especialmente, a condição do operador do direito, seu produto direto.
Infelizmente, a maioria ainda privilegia o ensino da dogmática, com prejuízo de uma formação holística, desprezando o imprescindível conteúdo filosófico-social e prevalência de uma perspectiva humanista.
Se, de um lado, o infindável número de faculdades amplia o acesso ao ensino, de outro, propicia a formação de má qualidade. São poucos os que se dedicam, com afinco, à docência, e menos ainda aqueles que cuidam de se atualizar para ir além da letra fria da lei. Assim, a má qualidade do ensino jurídico no país passa pela sofrível formação do docente, não raramente pouco valorizado, e com difíceis condições de ministrar o saber, diante de salas lotadas e com a explícita obrigação de dar boas notas, sob pena de perder o emprego.
O resultado deste círculo vicioso acaba, necessariamente, refletindo na composição de nossas instituições, tão caras ao regime republicano. A aprovação no exame da Ordem dos Advogados do Brasil — filtro que se afigura imprescindível diante do cenário antes apontado, conquanto há quem, sem razão, no Congresso Nacional queira aboli-lo — não torna o agora advogado mais ético, assim como aquele que se tornou juiz ou promotor de Justiça não passa a ser vocacionado, fiel à causa pública, apenas por conta do novo cargo.
Não se quer dizer com isso, evidentemente, que a frequência ao curso de Direito torne o cidadão moralmente elevado e justo, porém, sobretudo, afirmar que, em regra, a atual concepção dos cursos jurídicos foca apenas o direito posto, com pouca atenção à filosofia do direito, à ética, à sensibilidade na aplicação da justiça, gerando um profissional de baixa capacidade crítica, com absurdas dificuldades de interpretar os fatos e o direito como ciência sistêmica.
Pouco se ensina a pensar e escrever, com o necessário rigor jurídico, mesmo assim a monografia de conclusão de curso é requisito para a colação de grau. Em tempos de dr. Google, e recortar e colar, já viu. Melhor seria ensinar, para depois exigir, a elaboração de artigo curto, porém conciso e coeso, com raciocínio jurídico. Afinal, quantidade de toques nem sempre é qualidade na análise. Examinadores decepcionam-se, não raras vezes, ao deparar-se com o candidato que obteve farto sucesso na fase de múltipla escolha, porém naufragou na prova escrita, pois desconhece crase, exagera nas vírgulas e troca o s pelo z.
É triste ver como porta de entrada ao acesso a importantes cargos públicos, proliferar a indústria dos cursinhos, com ensino exclusivo da dogmática, preparando o futuro servidor por meio de regras mnemônicas. As bancas examinadoras, em regra, colaboram para isso, em razão do conteúdo das perguntas. Digno de destaque é o perfil assumido pela Defensoria Pública, que prevê no edital a necessidade de leitura de obras de caráter filosófico-humanista e de teoria geral do direito, com perguntas de múltipla escolha que exigem o exercício interpretativo.
Nesse sentido, após 185 anos de fundação dos cursos de Direito, o momento é de rever o conteúdo ministrado e o modo como tal ocorre. Em época de mensalão é preciso compreender que boa parte dos problemas nacionais esbarra na ausência ou deficiência da educação. Que as aulas de processo civil, direito tributário e empresarial continuem ocorrendo, porém que o futuro profissional do direito possa também aprender que o sucesso não necessariamente coincide com aquisição patrimonial, mas com conduta diuturna reta e coerente, fundada no respeito ao próximo e na solidariedade social. Que a dogmática não possa ser suficiente para nos tornar indiferente com a dor alheia.
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