Os desafios de Ayres Britto à frente do STF
22 de abril de 2012, 10h31
O primeiro deles é o fator tempo. No próximo dia 18 de novembro completará 70 anos de idade e será obrigado a deixar o serviço público, por imperativo constitucional. Portanto, dispõe apenas de 7 meses. Pouco importa se o magistrado está lúcido e forte, na melhor fase de sua vida. O art. 40, § 1º, inc. II da Constituição Federal é inclemente. A aposentadoria é compulsória.
Ao assumir o Supremo Tribunal, o novo presidente levará algum tempo para inteirar-se do funcionamento da máquina. Engana-se quem supõe que, por tratar-se do órgão de cúpula, é de todos o mais moderno. Na verdade, a tradição impera. Até pouco tempo havia costureiras que cuidavam de amarrar os autos com agulha e uma grossa linha. É só um exemplo.
Os poucos meses de gestão dificultam planos de médio e longo prazo. Na iniciativa privada as transformações se fazem em razão da vontade do diretor ou do conselho. Podem ser instantâneas. Porém, no serviço público, tudo depende de lei e de exigências que a complementam (v.g., licitações). Além disto, a ação do novo presidente não fica restrita ao STF. Abrange também o Conselho Nacional de Justiça, cuja estrutura física e de pessoal é pequena para suas múltiplas responsabilidades.
No CNJ existem atividades de grande relevância, como as do Departamento de Pesquisas Judiciárias, com os seus programas (v.g., “Justiça em Números”, com estatísticas de processos dos órgãos jurisdicionais brasileiros), atividades de interesse público (v.g., Cartilhas para Detentos), políticas públicas de enorme interesse (v.g., Fórum de Assuntos Fundiários), sem falar na parte disciplinar, com longas tardes julgando processos disciplinares (a 145ª sessão, de 10 de abril de 2012, tinha nada menos que 88 processos em pauta).
Na parte judicial do STF, por evidente, não cabe ao Presidente nenhuma ação que envolva os votos de seus pares. No entanto, cabe-lhe, sim, zelar para que o sistema funcione com efetividade. Aí é importante que a atenção se volte para os casos de maior repercussão e também para os mais antigos, por razões diversas. Os de repercussão, porque refletem na visão que o povo tem de sua Corte Suprema. Os antigos, porque nada justifica que fiquem esquecidos por décadas. Um levantamento cronológico dos recursos daria uma radiografia dos mais atrasados.
Ao se falar de casos de repercussão na mídia, não se pode omitir o maior deles, ou seja, a ação penal originária que trata do chamado “mensalão”. O ministro Ayres Britto não está alheio à relevância do caso, tendo manifestado sua intenção de julgar a referida ação.
No entanto, trata-se de processo com cerca de 233 volumes, mais de 50 mil folhas, 495 apensos e mais de 600 depoimentos de testemunhas. O relator é o ministro Joaquim Barbosa, que o encaminhou ao revisor, ministro Ricardo Lewandovski. Este, após o exame dos autos, pedirá ao presidente do STF que designe data para julgamento, seguindo o disposto no art. 12 da Lei 8.038/90 e 245 do Regimento Interno do STF.
Imagine-se o tempo que se levará no dia do julgamento para a simples leitura do relatório de 122 folhas. E as razões finais, onde cada advogado de um dos 36 réus terá uma hora para manifestar-se? E se houver exceção de suspeição, hipótese em que o ministro terá 3 dias para falar (CPP, art. 100), suspende-se o julgamento? Quantas horas por dia os ministros suportarão sentados, com a atenção voltada para as discussões? Quantas semanas levará o julgamento?
Fácil é ver que sobrevirão inúmeras tentativas de adiar a decisão final. O atraso no julgamento beneficiará eventuais culpados, pois, se a decisão for posterior a 5 de julho, os denunciados não ficarão impedidos de registrar suas candidaturas a cargos políticos (Lei 9.504/97, art. 11, § 10). Por outro lado, a passagem do tempo possibilita a prescrição, já que a denúncia foi recebida em agosto de 2007 (v.g., crime de corrupção ativa, onde eventual condenação à pena de 2 anos prescreve 4 em apenas 4 anos, CP, art. 333 c.c. 109, V e 110, § 1º).
No entanto, o atraso, que ao meu ver é mais provável do que possível, tem uma virtude: exporá a público a ineficiência das ações penais originárias (foro por prerrogativa de função), uma das grandes causas da impunidade da Justiça penal brasileira.
Mas não é só o “mensalão” que exigirá do novo presidente atenção especial. Outros temas surgirão na sequência. Por exemplo, a possibilidade de o CNJ utilizar relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para instruir suas investigações e o julgamento das Medidas Provisórias com reconhecimento da inconstitucionalidade da Resolução 1 do Congresso, que prevê prazo a uma comissão especial.
Não se esqueça que, além destes e de outros casos, o presidente e os demais ministros continuarão a receber diariamente dezenas de processos de grande relevância que deverão ser despachados. É uma rotina avassaladora.
E não é só isto. O novo presidente administrará um STF desgastado por conflitos internos, discussões públicas entre parte dos seus membros, suspeitas de parcialidade, tudo a levar o órgão de cúpula a uma vulgarização única em sua história e que mina, pouco a pouco mas continuamente, a sua credibilidade. Isto exigirá dele uma habilidade ímpar para tratativas conciliatórias, em uma autêntica missão diplomática.
Em suma, não são poucos os desafios que se colocam no caminho do ministro Ayres Britto. Todavia, para enfrentá-los, ele tem a seu lado uma vantagem, que é a sua personalidade afetiva e conciliadora. Alguém que exerce a autoridade com bom humor, sem mágoas, rancores ou vinganças. A inteligência emocional que o caracteriza tornará menos íngreme o caminho a ser trilhado. E os brasileiros anseiam por seu sucesso, por um STF respeitado e que seja um exemplo de postura aos 91 Tribunais do país.
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