Certidão de débitos

CNDT pode ser porta para fraudes imobiliárias

Autor

  • Mauro Antônio Rocha

    é advogado especialista em Direito Imobiliário Urbanístico Tributário Comercial Societário e do Consumidor e pós-graduando em Direito Registral e Notarial (IBEST) e Direito Urbanístico (PUC-MG). É coordenador jurídico de Contratos Habitacionais da Caixa Econômica Federal e editor do site Cartilha do FGTS.

15 de abril de 2012, 6h36

A Lei 12.440 foi sancionada em meados do ano passado para instituir a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT), com o fito de – pelo que indicam seus dispositivos – conferir ao procedimento licitatório instrumento de aferição da regularidade trabalhista dos participantes e interessados.

Assim é que a referida lei – de apenas quatro artigos – dispôs no primeiro sobre a instituição da certidão retro nominada e no quarto e último sobre o termo de sua vigência, tendo destinado os demais – terceiro e quarto – para alterar dispositivos da Lei 8.666/1993 – conhecida por lei das licitações, para acrescentar a exigência aos participantes de comprovação de regularidade trabalhista e para determinar a apresentação da CNDT como prova de inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho.

Em vigor desde 9 de janeiro passado, a Lei 12.440 possibilita aos interessados a obtenção de certidão “expedida gratuita e eletronicamente, para comprovar a inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho”.

Segundo a lei, obstará a emissão da CNDT o inadimplemento de obrigações estabelecidas em sentença condenatória transitada em julgado proferida pela Justiça do Trabalho ou estabelecidas em acordos judiciais trabalhistas, inclusive quanto aos recolhimentos previdenciários, honorários, custas, emolumentos ou a recolhimentos determinados em lei, assim como o inadimplemento de obrigações decorrentes de execução de acordos firmados perante o Ministério Público do Trabalho ou Comissão de Conciliação Prévia.

Dispõe ainda que serão emitidas certidões negativas e certidões positivas com efeito de negativa, quando verificada a existência de débitos garantidos por penhora suficiente ou com exigibilidade suspensa, sem previsão legal para a emissão de certidão positiva.

Ocorre que a Corregedoria Nacional de Justiça, órgão do Conselho Nacional de Justiça, pela Recomendação 3/2012, em 15 de março passado, resolveu “recomendar aos tabeliães de notas que cientifiquem as partes envolvidas da possibilidade de obtenção prévia de Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT), nos termos do art. 642-A da

CLT, com a redação dada pela Lei 12.440/2011”, fazendo constar da escritura lavrada que a cientificação foi efetivamente realizada, nas seguintes hipóteses:

I – alienação ou oneração, a qualquer título, de bem imóvel ou direito a ele relativo;

II – partilha de bens imóveis em razão de separação, divórcio ou dissolução de união estável.

Por sua vez, a Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo, pelo Provimento 08/2012, resolveu alterar as Normas de Serviço para reiterar e estabelecer a cientificação das partes sobre a CNTD como obrigação dos tabeliães e escreventes autorizados e como condição de validade e solenidade da escritura.

Essas normas administrativas tiveram por conseqüência prática a mera alteração dos padrões escriturais dos tabelionatos com a inclusão da “cientificação às partes” nos instrumentos públicos e, também, a exigência dessa declaração de ciência pelos Oficiais de Registro de Imóveis não apenas para os instrumentos públicos, mas, também, para os instrumentos particulares admitidos por lei para as operações acima, dando início a uma verdadeira torrente de devoluções de instrumentos levados ao registro.

Dessa forma, o documento criado para atender às necessidades do procedimento licitatório no âmbito dos Poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, de interesse limitado aos interessados em participar de licitações e contratos da administração pública tornou-se obrigatório para a realização de transações na esfera privada.

Não bastasse sua obrigatoriedade – reitere-se, não decorrente de lei – a referida certidão apresenta problemas suficientes para, ao invés de “contribuir para que sejam evitadas discussões sobre eventual fraude à execução”, nos exatos termos dos considerandos do CNJ, estimular e promover a realização dessas fraudes.

Em rápido exame é possível apontar as seguintes anomalias prejudiciais à segurança jurídica do negócio:

(a) A recomendação do CNJ para a cientificação da existência e acesso à CNDT mascara a real necessidade de consulta aos tribunais regionais do trabalho;

(b) Pelo Ato 1/2012 do Gabinete da Presidência do TST ao regulamentar a expedição da CNTD o tribunal “criou” um pré-cadastro onde permanecerão acobertados por 30 dias os débitos trabalhistas inadimplidos, com o direito de, nesse período, emissão de certidão negativa ao interessado;

(c) A advertência expressa pelo tabelião quanto à existência e possibilidade de acesso a essa certidão torna sua obtenção obrigatória pelas partes.

Num tempo em que os magistrados da Justiça Trabalhista exibem ‘sangue nos olhos’ em relação ao reclamado e estão sempre prontos para desconsiderar a personalidade jurídica, para a penhora ou o arresto de bens do devedor, é nos tribunais regionais – isto é, na ação não julgada, na ação com sentença não transitada em julgado, ou, na ação com sentença condenatório ainda não inadimplida pelo devedor – que reside o risco potencial da fraude à execução de que trata a recomendação do CNJ, por isso, tornou-se imprescindível – antes da realização de qualquer negócio jurídico – a pesquisa nos para apurar a existência de ação em andamento contra o vendedor ou, ainda, contra pessoa jurídica da qual eventualmente seja ou tenha sido sócio ou administrador.

Nesse sentido, a solenidade de cientificação das partes sobre a possibilidade de obtenção da CNDT pode desviar dos riscos a atenção do adquirente de boa-fé, levando-o a acreditar que a certidão emitida pelo tribunal superior seja suficiente para a operação.

Cabe ressaltar que a CNDT aponta – exclusivamente – as obrigações inadimplidas estabelecidas em sentença condenatória transitada em julgado proferida pela Justiça do Trabalho ou em acordos judiciais trabalhistas, inclusive no concernente aos recolhimentos previdenciários, honorários, custas, emolumentos ou recolhimentos determinados em lei e as decorrentes de execução de acordos firmados perante o Ministério Público do Trabalho ou Comissão de Conciliação.

O prazo de carência criado pelo Tribunal Superior do Trabalho pode ser justificável em relação aos objetivos iniciais da lei, assegurando a comunicação da inscrição do débito ao devedor e proporcionando-lhe o prazo de 30 dias para a regularização, em consonância com as normas que regem a inscrição do devedor fiscal no Cadastro Informativo de créditos não quitados do setor público federal – CADIN, de forma a não impedir a participação de devedores pontuais nos certames licitatórios.

No entanto, sua aplicação nas operações imobiliárias revela-se uma porta escancarada para a fraude, concedendo ao devedor a certidão negativa de débitos indicativa da lisura das transações e o tempo suficiente para alienar todo o seu patrimônio.

Ademais, parece-nos a advertência expressa e solene do tabelião quanto à existência e possibilidade de acesso à certidão negativa de débitos trabalhistas – CNDT torna sua obtenção obrigatória, posto que a desatenção das partes possa eliminar a presunção de boa-fé da transação, voltando-se contra aqueles mesmos que o Conselho Nacional de Justiça pretendeu proteger com a recomendação aqui tratada.

Finalmente, com relação aos contratos particulares admitidos por lei entendemos que tanto a recomendação do CNJ quanto a determinação do CG do TJ-SP não se aplicam aos contratos firmados entre particulares. Quanto aos contratos firmados com a interveniência de instituição financeira, entendemos aplicáveis apenas nas operações realizadas sob a égide da Lei 4.380/64, isto é, no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação.

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    é advogado especialista em Direito Imobiliário, Urbanístico, Tributário, Comercial, Societário e do Consumidor e pós-graduando em Direito Registral e Notarial (IBEST) e Direito Urbanístico (PUC/MG). É Coordenador Jurídico de Contratos Habitacionais da Caixa Econômica Federal e editor do site Cartilha do FGTS.

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