A origem do pensamento do "jurista do III Reich"
25 de julho de 2011, 9h55
“Carl Schmitt é um pensador do Direito e da política extremamente complexo e refinado, um autor muito mais citado do que propriamente conhecido”, sintetiza Ronaldo Macedo. No livro, tanto quanto a obra, ele esmiúça a origem do pensamento jurídico de Schmitt e o seu projeto político para a República de Weimar, assim como as críticas ao parlamentarismo, sua visão de democracia e os questionamentos ao romantismo político.
Nessa trajetória, chega a identificar traços de ingenuidade no teórico alemão, como, por exemplo, a crença de que a ideologia do führer pudesse ser contida pelas instituições ou pela força popular, conforme transparece no texto O füher protege o Direito, cuja versão integral, traduzida para o português, é apresentada como anexo ao final do livro de Macedo.
Crítico ferrenho das ideias liberais, a obra de Carl Schmitt reveste-se de originalidade e profundidade. Ao longo do tempo, mudou alguns conceitos, sem se tornar contraditório, influenciado pelo pensamento jurídico institucionalista. “É um autor polêmico, em todas as acepções que se pode dar a este termo”, escreveu Macedo. Até hoje a sua teoria do decisionismo — a relevância da sentença — atrai a atenção de inúmeros juristas e filósofos.
“Para o jurista de tipo decisionista, a fonte de todo o Direito, isto é das normas e os ordenamentos sucessivos, não é o comando enquanto comando, mas a autoridade ou soberania de uma decisão final, que vem tomada junto com o comando”, escreveu Macedo.
Filiado ao Partido Nacional Socialista, Carl Schmitt defendia a tese de que todo governo capaz de ação decisiva deve incluir um elemento ditatorial na sua Constituição. Profundo conhecedor da Constituição de Weimar, um marco histórico para o Direito — chegou a escrever um ensaio com o autoexplicativo título A Ditadura, onde sustenta a estrutura do poder totalitário e critica as práticas institucionais das políticas liberais.
Schmitt considerava impossível separar o universo jurídico da atuação política. Definia o exercício do Direito como uma função de natureza política e a própria Constituição como uma peça política, e não um conjunto de normas a regulamentar o funcionamento do Estado. Assim, como instrumento político, entendia que a sua guarda deveria estar sob a incumbência do presidente do Reich. Logo depois, esse presidente viria a ser Adolf Hitler, com as consequências já conhecidas por todos.
Hans Kelsen, um dos seus mais ferrenhos opositores, refutou todos os argumentos de Schmitt e defendeu a importância de tal função ser desempenhada por um Tribunal Constitucional, até mesmo como garantia de imparcialidade nas decisões. Mas era Schmitt quem falava e escrevia o que o regime nacional-socialista queria ouvir e ler e os ensinamentos de Kelsen só viriam a prevalecer no pós-guerra.
A tese e os argumentos de Schmitt foram expostos em O Guardião da Constituição, de 1931. O livro foi publicado no Brasil em 2007. No texto de apresentação, o ministro Gilmar Ferreira Mendes, do Supremo Tribunal Federal, lembra que o embate sobre a jurisdição constitucional envolvendo Kelsen e Carl Schmitt, “dois dos mais notáveis juristas europeus do início do século XX", mostra-se relevante ainda hoje. A história deu razão a Kelsen, mas o debate sobre o papel a ser desempenhado pelas Cortes Constitucionais, decisivo da vida institucional de inúmeros países na atualidade, “obriga os estudiosos a contemplarem as considerações de Schmitt e, inequivocamente, as reflexões de Kelsen”, registrou o ministro.
Além de uma certa ingenuidade, Ronaldo Porto Macedo Jr. também identifica no jurista alemão boa dose de “oportunismo”, destacando o seu “esforço” para se tornar “o teórico do Estado total” e, assim, ocupar um lugar de destaque no debate jurídico-político na Alemanha, principalmente a partir da ascensão de Hitler ao poder. “Há fortes motivos para acreditar que Carl Schmitt não foi o grande teórico do Direito nazista, apesar de ter sido o grande jurista alemão a aderir ao nazismo, o que lhe valeu o reconhecimento como o jurista emérito do III Reich”, escreveu Macedo.
Serviço:
Carl Schmitt e a Fundamentação do Direito
Autor: Ronaldo Porto Macedo Jr.
Editora: Saraiva
Edição: 2ª Edição – 2011
Número de páginas: 502
Anexos: Sobre os três tipos de pensamento jurídico e O führer protege o direito
Outros livros de Carl Schmitt na Estante:
O Guardião da Constituição
Na apresentação do livro, o ministro do STF Gilmar Ferreira Mendes contextualiza o embate entre Carl Schmitt e Hans Kelsen sobre a legitimidade e os limites da jurisdição constitucional.
O Conceito do Político e Teoria do Partisan
Dois importantes textos sobre o mesmo tema reunidos em um único livro: a atuação do poder político na organização popular contra inimigos externos e internos.
Legalidade e Legitimidade
Para Carl Schmitt, legítima será a norma jurídica que possuir caráter de permanência, de abstração e de impessoalidade, e que faça a distinção entre a elaboração e aplicação da lei.
Teologia Política
A fundação e o desenvolvimento das estruturas do Estado moderno associadas à teologia. A apresentação do livro é do ministro Eros Grau.
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