RETROSPECTIVA 2010

O mundo teve muitos debates e poucas decisões

Autor

  • Eduardo Felipe Pérez Matias

    é sócio de Nogueira Elias Laskowski e Matias Advogados. Doutor em Direito Internacional pela USP e autor dos livros A Humanidade contra as cordas: a luta da sociedade global pela sustentabilidade e A humanidade e suas fronteiras: do Estado soberano à sociedade global vencedor do Prêmio Jabuti. Twitter: @EduFelipeMatias

5 de janeiro de 2011, 10h58

Este texto sobre Direito Internacional faz parte da Retrospectiva 2010, série de artigos sobre os principais fatos nas diferentes áreas do Direito e esferas da Justiça ocorridos no ano que terminou.

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Introdução
Duas reuniões do G20, aprovação de reformas no sistema financeiro e no FMI, intensa discussão sobre não proliferação atômica e o programa nuclear iraniano, questionamentos sobre o Mercosul, duas conferências internacionais para discutir a proteção à biodiversidade e o combate às mudanças climáticas. Um dos principais efeitos da globalização, no campo jurídico, foi a multiplicação de foros de discussão internacionais e regionais. Assim, como tem acontecido nos últimos anos, 2010 foi um ano movimentado, repleto de debates importantes e algumas decisões significativas — ainda que boa parte delas dependa de detalhamento e que outras decisões tenham sido lamentavelmente empurradas para frente.

Muitos outros acontecimentos mereceriam ser destacados: tensão entre as duas Coreias, ataque israelense à frota de barcos com ativistas na Faixa de Gaza, eleições no Haiti, violações aos direitos humanos em países como Cuba e Irã, anúncio do fim das operações norte-americanas de combate no Iraque, escaramuças entre Venezuela e Colômbia. Esta retrospectiva enfoca, no entanto, quatro grandes áreas (economia internacional, política internacional, integração regional e meio ambiente) e aborda, em cada uma delas, um ou dois assuntos principais que despertaram atenção durante este ano.

Economia Internacional
Reuniões do G20 e Acordo de Basileia III
Neste ano, os chefes de Estado do G20 — grupo formado pelas vinte maiores economias desenvolvidas e emergentes — reuniram-se duas vezes, em Toronto e em Seul.

Em junho, na reunião de Toronto — a quarta do grupo até hoje —, avançou-se na discussão da reforma do sistema financeiro internacional, abordando-se temas como a diminuição da alavancagem dos bancos e o aperfeiçoamento da supervisão dessas instituições, embora, na prática, nenhuma medida tenha sido adotada. Os graves problemas com as contas públicas enfrentados por alguns países europeus, que persistem até hoje, levaram a que o encontro se focasse principalmente no dilema entre reduzir os déficits fiscais ou continuar incentivando o crescimento econômico. Predominou a posição daqueles favoráveis à redução dos déficits, como Reino Unido, França e Alemanha. Ao final, as economias avançadas se comprometeram a cortar seus déficits pela metade até 2013, e em estabilizar ou reduzir a relação entre dívida e PIB até 2016.

O debate em torno da reforma financeira seria retomado em julho na sede do Banco de Compensações Internacionais (BIS), na reunião do Comitê da Basileia — instituição formada pelos presidentes dos Bancos Centrais de 26 países mais a União Europeia, cujo objetivo é o intercâmbio de informações e a cooperação em questões de supervisão bancária.

Nessa reunião, adotou-se o chamado Acordo de Basileia III, que mantém a estrutura básica do Acordo de Basileia II, mas traz diversas medidas que buscam melhorar os mecanismos do acordo anterior. Entre elas, estão a criação de um padrão global de alavancagem, limitando a relação entre os empréstimos concedidos por um banco e o seu capital, o estabelecimento de um padrão de liquidez global e a definição de qualidade de capital.

Outra decisão foi a de se classificar as instituições financeiras que geram risco de crise sistêmica no mercado internacional — aquelas consideradas “grandes demais para falir”. Para diminuir a probabilidade de que os contribuintes tenham que pagar a conta em caso de insolvência dessas instituições, elas terão de obedecer a requerimentos adicionais de capital.

Foram idealizados, ainda, dois “colchões” — recursos a serem acumulados para amenizar os efeitos de eventuais crises —, que deverão assegurar o capital mínimo dos bancos. O primeiro é o chamado “colchão de conservação”, que será permanente e terá um nível fixo, independentemente da situação econômica mundial. O segundo é o “colchão anticíclico”, valor a ser acumulado durante períodos de expansão — ou seja, durante tempos de “vacas gordas” —, a serem definidos pelo Banco Central de cada país.

O Acordo de Basileia III foi aprovado pelos líderes do G20 na quinta reunião de cúpula desse grupo, realizada no mês de novembro, em Seul. Outra determinação de Seul foi a de aprovar a reforma do FMI — que já havia sido deliberada na reunião dos ministros do G20 ocorrida em outubro deste ano. Essa reforma consiste em uma redistribuição das quotas na instituição, dando maior voz aos países emergentes. O voto desses países deve aumentar em 6%, o que fará a China passar para o 3º, a Índia para o 8º, a Rússia para o 9º e o Brasil para o 10º lugar em número de votos.

O Conselho Consultivo do FMI também será reestruturado, refletindo essas mudanças na distribuição de poder. Foi também adotado o “plano de ação de Seul”, com o objetivo de promover um crescimento forte, sustentável e balanceado, com compromissos nas áreas de política fiscal, de comércio, e de desenvolvimento.

Nada disso foi suficiente, entretanto, para reverter a impressão de que a reunião de Seul teria sido mal sucedida. O que causou tal impressão? A frustração ao final da reunião de cúpula de Seul se deveu, principalmente, ao fato de esta não ter resolvido o problema da chamada guerra cambial, expressão que se refere à manutenção de taxas de câmbio artificialmente subvalorizadas por parte de alguns países — notadamente a China — a fim de conferir vantagem a suas exportações.

O anúncio de nova injeção de dinheiro na economia norte-americana pouco antes da reunião havia ajudado a acirrar ainda mais os ânimos, pelo medo de que a medida venha a desvalorizar ainda mais o dólar, prejudicando as exportações dos demais países e, possivelmente, alimentando fluxos de capital especulativo e bolhas de ativos nos países emergentes. Os líderes do G20, no entanto, limitaram-se a declarar de forma genérica que empreenderiam seus melhores esforços em não desvalorizar as suas moedas. Fica para 2011, portanto, a possível solução desse problema.

Política Internacional
Não Proliferação Nuclear
A questão nuclear foi amplamente debatida em 2010. Em um importante acontecimento, os Estados Unidos e a Rússia celebraram um novo acordo de desarmamento atômico, para suceder o Tratado de Redução de Armas Estratégicas (START, na sigla em inglês), que havia sido firmado em 1991 com o objetivo de reduzir a presença de armas nucleares no mundo pós Guerra Fria. A expectativa é que o novo START seja aprovado pelo Senado norte-americano ainda antes do final do ano.

No entanto, a principal discussão sobre esse tema se deu na 8ª Conferência de Revisão do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), realizada em maio na sede da ONU, em Nova York, com a participação das delegações dos 189 países signatários.

Para medir o sucesso da Conferência de Revisão, é preciso entender se, com as decisões ali tomadas, o mundo teria ficado menos ou mais perigoso. E, para isso, a revisão teria que contribuir para que o TNP se tornasse mais efetivo.

A baixa efetividade desse tratado está ligada ao fato de ele ser visto como desequilibrado e pouco legítimo. Assinado em 1968, estabeleceu que somente os cinco países que já possuíam a bomba atômica na época de sua assinatura (Estados Unidos, Reino Unido, Rússia, China e França) poderiam seguir enriquecendo urânio ao nível necessário para fabricá-la. Os demais Estados signatários teriam o direito de enriquecer urânio somente para fins civis, sempre sob a inspeção da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Assim, o TNP pretendia impedir que novos países se tornassem capazes de produzir armas atômicas, mas visava também a promover o desarmamento nuclear daquelas cinco potências.

Nenhum desses dois objetivos foi plenamente cumprido. Desde a assinatura do Tratado, Índia, Paquistão, Israel e provavelmente a Coreia do Norte (esta, a única desses quatro que é signatária do TNP) adquiriram a capacidade de produzir bombas atômicas. E, com relação à segunda meta, as cinco potências originais sempre hesitaram em reduzir seus arsenais atômicos.

Logo, a revisão desse tratado deveria servir para eliminar algumas de suas distorções, aumentando sua eficácia. Analisando a declaração final da Conferência, aprovada por consenso por todos os membros do TNP, constatou-se que esta, ao menos no papel, reconhece os problemas que tornam o tratado pouco efetivo. Entre os principais pontos dessa declaração, está o comprometimento das cinco potências nucleares originais em acelerar a redução de seus arsenais, devendo informar, no ano de 2014, os progressos alcançados na busca dessa meta — decisão que atende ao objetivo de desarmamento previsto no TNP. E, com relação ao outro objetivo do tratado, de impedir que novos países adquiram a capacidade de produzir armas nucleares, um segundo compromisso relevante foi assumido: será convocada uma nova conferência em 2012, com o objetivo de estabelecer "um Oriente Médio livre de armas nucleares e outros dispositivos de destruição em massa". Agora, é preciso aguardar para ver de que forma essas duas decisões serão implementadas.

Programa nuclear iraniano
O Irã esteve no centro das atenções da comunidade internacional em 2010, e não foi apenas na área dos direitos humanos, na qual foi destaque a condenação à morte por apedrejamento de Sakineh Ashtiani, acusada de adultério e cumplicidade no assassinato do marido.

Também o programa nuclear daquele país causou polêmicas. O medo de boa parte do mundo é que esse programa não tenha fins pacíficos e leve ao desenvolvimento da bomba atômica, o que poderia causar uma corrida armamentista no Oriente Médio, alterando o frágil equilíbrio político da região.

Para evitar que o presidente Mahmoud Ahmadinejad avançasse em seu projeto, a comunidade internacional procurou se valer da aplicação de sanções econômicas por meio da Organização das Nações Unidas (ONU), que ordenou a interrupção do enriquecimento de urânio naquele país até que as intenções pacíficas do programa nuclear pudessem ser confirmadas. Essa ordem foi desafiada por Ahmadinejad que, em fevereiro, anunciou que o Irã teria começado o processo de enriquecimento de urânio a 20% — note-se que, segundo especialistas, uma vez atingido o enriquecimento a 20%, chegar ao nível necessário para a produção de uma bomba atômica, que é de 90%, levaria apenas seis meses.

Em 9 de junho, o Conselho de Segurança da ONU aprovou com 12 votos a favor (o Líbano se absteve, e Turquia e Brasil votaram contra) a Resolução 1929, impondo nova rodada de sanções contra o Irã. Entre elas, está a proibição de venda de várias categorias de armamentos pesados para aquele país, além da fiscalização mais rigorosa de quaisquer carregamentos a ele destinados, como forma de assegurar o cumprimento dessa proibição. A Resolução determina, também, que todos os países inspecionem, em portos e aeroportos dentro de seus territórios, cargas suspeitas de conter itens proibidos vindos do Irã. Prevê, ainda, medidas contra bancos iranianos no exterior suspeitos de ligação com o programa nuclear, e vigilância intensificada sobre transações com qualquer banco do Irã, além de acrescentar 40 novos nomes a uma lista de empresas iranianas que devem ter seus bens ao redor do mundo congelados, por serem ligadas ou terem contribuído com programas nucleares e de mísseis.

Apesar disso, o Irã continuou a enriquecer urânio, já tendo anunciado, inclusive, a entrada em funcionamento da usina de Bushehr, situada no litoral do Golfo Pérsico. Nos dias 5 e 6 de dezembro, o Irã se reuniu em Genebra com o grupo 5+1 (EUA, França, Reino Unido, Rússia, China + Alemanha), para discutir seu programa nuclear. As potências tentaram pressionar Teerã a suspender o enriquecimento de urânio, mas sem sucesso. Assim, foi confirmada outra reunião para o final de janeiro de 2011, em Istambul.

Integração Nacional
Mercosul
O Mercosul não escapou das críticas em 2010, inclusive durante as eleições presidenciais brasileiras. Essas críticas se deveram, basicamente, a dois fatores: os diversos obstáculos ao livre comércio entre seus países membros, e o empecilho que esse bloco pode representar para a assinatura de acordos comerciais com outros países.

Com relação ao primeiro ponto, neste ano assistimos à criação de novas barreiras ao comércio e à manutenção de barreiras previamente existentes — por exemplo, a exigência de licenças não automáticas de importação pela Argentina e a concessão destas em prazos nem sempre satisfatórios.

Quanto ao segundo ponto, realmente o bloco não tem sido bem sucedido na assinatura de acordos com países fora da América do Sul. Em agosto, foi celebrado acordo comercial com o Egito, que veio somar-se a um único acordo anterior com Israel. A outra negociação relevante em curso, com a União Europeia (UE), sofre com a resistência da Argentina — e recentemente também de alguns setores econômicos brasileiros — em abrir seu mercado de bens industriais, e com a intransigência de alguns países europeus, notadamente a França, em retirar seus subsídios agrícolas.

Além disso, uma das queixas da UE nessas conversas refere-se às diversas exceções à Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul. Outra reclamação da UE se devia à dupla cobrança da TEC — que significa que, quando um produto entra em um dos países do Mercosul e é reexportado a outro país do bloco, os dois países cobram o tributo. Pelo menos o Mercosul assumiu em 2010, depois de mais de seis anos de discussões, o compromisso de eliminar gradualmente essa dupla cobrança, o que pode ajudar nas discussões com a UE. A decisão, tomada em reunião do bloco em agosto em San Juan, Argentina, é que fica para janeiro de 2012 o prazo para o fim dessa dupla cobrança. A demora na tomada dessa decisão se deveu principalmente à resistência do Paraguai que, por não ter litoral, vê suas importações de produtos que vierem por mar passarem obrigatoriamente por portos dos outros integrantes do bloco — resistência essa agravada pela importância para aquele país desse imposto, que chega a representar 20% de sua arrecadação. Por isso, acertou-se também a partilha da renda aduaneira do bloco. Outra decisão que merece ser mencionada foi a de aprovar o Código Aduaneiro do Mercosul.

O Brasil encerrará a presidência pro tempore do Mercosul assinando um acordo de preferências tarifárias com sete países em desenvolvimento (Índia, Indonésia, Coreia do Sul, Malásia, Egito, Marrocos e Cuba). É a conclusão da chamada Rodada Sul-Sul, iniciada em 2004. O tratado poderá ser ainda mais amplo, tendo em vista que está pendente a adesão da Argélia e do Irã. De forma geral, se estabeleceu uma preferência tarifária de 20% sobre as alíquotas de importação de 70% dos itens comercializados entre os países signatários.

Por fim, a questão da entrada da Venezuela no bloco segue em discussão no Congresso paraguaio — único país que ainda não deliberou sobre o assunto — podendo ser decidida até mesmo antes do final deste ano.

Meio Ambiente
As discussões sobre meio ambiente se deram no âmbito de conferências das partes signatárias (Conference of Parties – COP na sigla em inglês) de duas convenções da ONU: a Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB), e a Convenção Quadro sobre as Mudanças Climáticas (CQMC).

Nascidas na Conferência do Rio de 1992, essas duas convenções têm por objetivo a proteção do meio ambiente em escala global, em harmonia com o desenvolvimento de todos os povos do planeta. São instrumentos complementares, pois a CDB se preocupa com as questões relacionadas à perda da biodiversidade, enquanto a CQMC busca combater o aquecimento global decorrente do excesso de gases de efeito estufa na atmosfera.

COP 10 — Nagoya

Proclamado pela ONU “Ano Internacional da Biodiversidade”, 2010 foi palco de importantes debates sobre esse tema.

Em outubro, as 193 partes signatárias da CDB realizaram a sua 10ª Conferência, na cidade japonesa de Nagoya, para discutir a proteção à biodiversidade, tema que havia ficado em segundo plano, principalmente pelo destaque que vem sendo dado às mudanças climáticas.

O panorama, até então, não era dos melhores. Os países signatários da CDB falharam em atingir as metas de reduzirem significativamente a perda de biodiversidade até 2010, que haviam assumido em 2002.

Porém, a reunião de Nagoya foi considerada um sucesso. Nela, foram discutidas medidas para atender aos três objetivos principais da CDB — a proteção e conservação da biodiversidade; o uso sustentável dos recursos naturais; e a divisão igualitária entre os povos das riquezas originadas da biodiversidade mundial.

Foi com relação a esse terceiro objetivo que se registrou o maior avanço. Foi aprovado o protocolo de acesso e repartição de benefícios do uso dos recursos genéticos da biodiversidade (ABS, na sigla em inglês), que passou a ser conhecido como Protocolo de Nagoya. Este regula o uso desses recursos e uma repartição mais justa e igualitária dos benefícios resultantes de produtos deles derivados — como patentes de medicamentos, vacinas etc. — com a determinação de que, durante esse processo, deverão ser respeitadas as leis dos países de onde o recurso tiver sido retirado.

Para atender à necessidade de proteção da diversidade biológica, foram discutidas metas obrigatórias de redução da destruição da biodiversidade, por meio do estabelecimento de um plano estratégico para o período de 2011 a 2020. E para alcançar o uso sustentável de recursos naturais, debateu-se a criação de mecanismos de mercado baseados na proteção ou na recomposição da biodiversidade, seja por meio da instituição de áreas protegidas, seja pelo combate ao desmatamento. O resultado da reunião foi o de aumentar de 10% para 17% as áreas terrestres que os países terão que destinar a áreas protegidas — nas áreas marinhas, esse percentual é de 10%.

Ficou acertado, por fim, que deverá ocorrer um aumento significativo dos recursos financeiros destinados a ações de conservação em países em desenvolvimento.

COP 16 — Cancun
Após a decepcionante Conferência de Copenhague, no ano passado, as quase 200 partes signatárias da CQMC fizeram a sua 16ª reunião, de 29 de novembro a 10 de dezembro, na cidade mexicana de Cancun, sob um clima de baixas expectativas. Talvez até por isso, os resultados desse último encontro — que ficaram conhecidos como os “Acordos de Cancun” — foram considerados surpreendentemente satisfatórios.

A conclusão, nas palavras da Presidente da COP 16, Patrícia Espinosa, é a de que essa Conferência “devolveu a confiança ao sistema multilateral”. Isso porque nela os países participantes colocaram a discussão de volta nos trilhos, graças ao consenso alcançado em relação a determinados assuntos. Vale lembrar que, para isso, a fim de contornar a discordância da Bolívia, que se recusou a aprovar os Acordos, a Presidente da COP adotou a fórmula de que “consenso não significa unanimidade” — afirmação que certamente ainda será objeto de debate no plano internacional.

Entre as medidas aprovadas está a criação de um Fundo Verde, destinado aos países em desenvolvimento, para que estes possam reduzir as suas emissões e se adaptar aos efeitos das mudanças climáticas. Esse Fundo terá aporte inicial de US$ 30 bilhões até 2012, feito pelos países desenvolvidos, que deverão contribuir com US$ 100 bilhões até 2020. Ficou decidido, também, que nos três primeiros anos esse Fundo será administrado pelo Banco Mundial, mas não se resolveu quais países industrializados contribuirão e — questão relevante em tempos de crise econômica — quanto cada um deles irá aportar.

O mecanismo conhecido como REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal) foi oficializado como instrumento de combate às mudanças climáticas — fato importante uma vez que o desmatamento responde hoje por pelo menos 15% das emissões mundiais. Foram aprovadas suas principais diretrizes, com a previsão de compensações financeiras para países em desenvolvimento por projetos de desmatamento evitado. As regras de financiamento e outros detalhes sobre o funcionamento do REDD ficaram, contudo, para 2011.

Os Acordos de Cancun reconhecem a necessidade de cortar as emissões para que o aquecimento global não ultrapasse 2o C — limite que poderá ser reduzido a 1,5º C. Porém, não houve definição de um segundo período de compromisso de metas de redução de emissões para o Protocolo de Kyoto, o que é necessário uma vez que o primeiro período se encerra em 2012. Essa indefinição se deveu principalmente à resistência de países como Japão e Rússia, isso sem falar nos Estados Unidos, que ficaram mais distantes de adotar medidas de combate às mudanças climáticas após a perda da maioria democrata no Congresso nas eleições deste ano. Os países participantes estabeleceram, apenas, que empreenderão esforços para que novas metas sejam aprovadas de forma a que não exista lapso de tempo entre o primeiro e o segundo períodos de compromissos.

Assim, embora com poucos resultados práticos e diversos pontos em aberto, os Acordos de Cancun resgataram parte da credibilidade perdida na COP15 de Copenhague e podem representar uma etapa significativa no caminho rumo à celebração de um acordo juridicamente vinculante na COP 17, a ser realizada em 2011 na cidade sul-africana de Durban. No entanto, se esse passo essencial será de fato dado, é algo que só saberemos no ano que vem.

Autores

  • é doutor em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo e D.E.A. pela Universidade de Paris II, sócio de L.O.Baptista Advogados, autor do livro A Humanidade e suas Fronteiras – do Estado soberano à sociedade global e ganhador do prêmio Jabuti

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