Independência à prova

PEC permite ao Legislativo sustar atos do Judiciário

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4 de abril de 2011, 18h44

Em meio à polêmica omissão do presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-RS), que ainda não cumpriu decisões liminares do Supremo Tribunal Federal que determinam a posse de suplentes de acordo com a ordem de eleição das listas dos partidos, e não da coligação, tramita silenciosamente no Congresso a proposta que permite ao Poder Legislativo sustar atos normativos de outros poderes, do Judiciário inclusive.

A Proposta de Emenda à Constituição 3/2011, de autoria do deputado Nazareno Fonteles (PT-PI), estabelece entre as prerrogativas de competência exclusiva do Congresso Nacional a de “sustar os atos normativos dos outros poderes que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa”. Hoje, o Congresso poder sustar atos apenas do Executivo nessas condições. A proposta estende esse poder também em relação aos atos do Judiciário.

A seccional do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil emitiu nota na qual manifesta preocupação com a proposta. “Qualquer reforma, principalmente que implique em alteração do sistema jurídico, não pode ser feita no calor dos acontecimentos, não pode se dar como reação a uma ou outra decisão do Supremo Tribunal Federal”, afirma o presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais da OAB-DF, Igor Carneiro de Matos.

O grupo de acompanhamento legislativo da comissão identificou a proposta e a está acompanhando. Hoje, o texto do deputado piauiense aguarda designação de relator na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Se a PEC andar, enfrentará a resistência certa da comissão da OAB-DF.

Para Matos, a discussão não pode ser feita junto com a definição pelo Supremo, por exemplo, da controvérsia em torno do preenchimento das vagas de suplente na Câmara. “É necessário pensar qual é o alcance e a repercussão da PEC para sentir, inclusive, se é o caso de ela prosseguir ou não”, disse.

Episódios de estranhamento entre o Legislativo e o Judiciário têm acontecido com alguma frequência. Para Igor Carneiro, um deles foi a falta de uma decisão do STF sobre a Lei da Ficha Limpa antes das eleições de 2010. Apesar disso, afirma, “é ao Supremo que cabe dar a última palavra em questões afetas à jurisdição constitucional, e é bom que assim permaneça”.

Na exposição de motivos da proposta, o deputado Nazareno Fonteles sustenta: “Nada mais razoável que o Congresso Nacional passe também a poder sustar atos normativos viciados emanados do Poder Judiciário, como já o faz em relação ao Poder Executivo. Com isso estaremos garantindo de modo mais completo a independência e harmonia dos Poderes”.

Para a comissão da OAB-DF, contudo, a proposta não fortalece a independência entre os poderes. Ao contrário, enfraquece. “A pretensão da PEC de restringir o exercício da jurisdição constitucional no Brasil ou, pelo menos, de tentar afastar dos debates judiciais temas que outrora estavam afetados, exclusivamente, ao campo da política, vai de encontro à própria evolução da jurisdição constitucional e esbarra diretamente no princípio da separação dos poderes”, registra a nota.

Leia a manifestação da OAB-DF sobre a proposta

Tramita no Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional nº 3, de 2011, de autoria do deputado Nazareno Fonteles (PT/PI), que tem por intuito incluir, na Constituição Federal, outra atribuição do Poder Legislativo, que seria a de “sustar os atos normativos dos outros poderes que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa”.

Para a Comissão de Assuntos Constitucionais da OAB/DF, os efeitos da Proposta podem acarretar um retrocesso quanto ao ideal de Estado Democrático de Direito, também podendo enfraquecer a independência e harmonia que deve existir entre o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Nada obstante se reconheça a existência de modelos nos quais o Legislativo tem a competência de rever decisões tomadas pela Corte Constitucional, como no Canadá, a experiência mostra que, mesmo lá, essa competência quase não é utilizada.

As experiências alemã — com o Tribunal Constitucional Federal — e norte-americana — com a doutrina das questões políticas — mostram que a expansão, ou retração, da jurisdição constitucional, decorre de fatores multifacetários, cuja possibilidade de controle não virá da mera aprovação de mais uma emenda à Constituição brasileira.

A rigor, tanto no nosso país, como em outras nações, percebe-se, no alvorecer deste Século XXI, uma expansão do debate constitucional e, consequentemente, um ingresso, por parte da jurisdição constitucional, em temas inseridos na Constituição por vontade popular.

Assim, a pretensão da PEC de restringir o exercício da jurisdição constitucional no Brasil ou, pelo menos, de tentar afastar dos debates judiciais temas que outrora estavam afetados, exclusivamente, ao campo da política, vai de encontro à própria evolução da jurisdição constitucional e esbarra diretamente no princípio da separação dos poderes.

Ora, não há dúvidas de que os poderes Executivo e Legislativo, bem como a sociedade, devem, assumindo seu relevante compromisso cívico, acompanhar, fiscalizar, discutir e criticar o exercício da jurisdição constitucional; todavia, não nos parece que a evolução do sistema jurídico-constitucional passe pelo necessário cerceamento do poder do Supremo Tribunal Federal pelo Legislativo.

Em todo caso, a par da controvérsia existente em torno dos indícios de inconstitucionalidade deste projeto, fato é que uma proposta desta natureza e repercussão não pode caminhar sem antes sujeitar-se ao mais amplo e irrestrito debate sobre o papel do Judiciário e a separação dos poderes.

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