Segunda Leitura

Bacharel sem OAB poderia trabalhar como paralegal

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  • é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

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28 de março de 2010, 8h52

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Na definição da American Bar Association, equivalente à OAB nos Estados Unidos, “um assistente legal ou paralegal é uma pessoa qualificada por formação, treinamento ou experiência de trabalho, empregada por um advogado, escritório jurídico, corporação, agência governamental ou outra entidade, que desempenha especificamente trabalho legal delegado, pelo qual o advogado é responsável”.

O paralegal atua nos Estados Unidos, Canadá e Inglaterra. Nos Estados Unidos, aquele que exerce a profissão de paralegal trabalha sob a supervisão de um advogado. No Canadá, os paralegais são licenciados pela Law Society of Upper Canada, dando-lhes um status independente. Na Inglaterra, de acordo com a mesma fonte, a falta de supervisão da profissão legal significa que a definição de paralegal engloba não-advogados que fazem trabalho legal, não importando para quem.

Segundo o site Bureau of Labor Statistics, havia 263.800 empregos de paralegais em 2008, nos Estados Unidos. Escritórios particulares empregaram 71%; os restantes trabalharam para departamentos jurídicos e vários níveis do governo. No governo federal, o Departamento de Justiça é o maior empregador, seguido pela Social Security Administration e o U.S. Department of the Treasury. Alguns paralegais trabalham como assistentes legais independentes.

O paralegal, em síntese, é alguém que, não sendo advogado, auxilia, assessora advogados, realizando funções paralelas e de grande importância para o sucesso do escritório de advocacia. Como é evidente, eles não podem exercer atividades típicas de um advogado, como dar consultas ou assinar petições junto aos tribunais.

No Brasil inexiste a profissão como tal, muito embora muitos escritórios utilizem serviços de terceiros, como detetives particulares, psicólogos (questões de família) ou policiais aposentados. Por outro lado, temos um problema que vem se agigantando com o passar dos anos, que são os bacharéis em Direito que não conseguem aprovação no exame da OAB.

Esta realidade foi abordada com muita propriedade por Adriana B. Souzani e Pedro B. Maciel Neto, ao observarem que “vivemos uma realidade em que os índices de reprovação nos Exames de Ordem ultrapassam os 90% em alguns estados (o que revela que, de uma maneira geral, os cursos de Direito não preparam os bacharéis para o exercício da advocacia) e, o que fazem para inserirem-se no mercado de trabalho os milhares de bacharéis que anualmente recebem o grau e o título honoris causa de doutor? (Consultor Jurídico, Qual é a profissão de quem não passa no Exame de Ordem?, 13.3.2007).

Excluindo, propositadamente, considerações sobre a qualidade dos cursos de Direito ou o nível de exigência dos exames da OAB, fiquemos com a situação dos bacharéis em Direito que não conseguem tornar-se advogados. São milhares de pessoas, a maioria jovens, sem profissão definida, com baixa auto-estima e uma velada reprovação familiar. O problema não é mais pessoal, mas sim social. O trabalho como paralegal pode ser uma alternativa.

Um paralegal, por ser graduado em Direito, tem condições de compreender a dinâmica de um escritório e auxiliar da forma que sua vocação e conhecimentos indique ser a mais adequada. Assim, ele pode:

a) ser o encarregado de investigar fatos e colher provas para instruir ações (o filme Erin Brocovitch, com Julia Roberts é um bom exemplo), cujos temas podem ser os mais variados, de uma ação penal a ser julgada pelo Tribunal do Júri até direitos do consumidor;

b) ser um elemento de contato entre o escritório e clientes ou mesmo servidores do Judiciário, desde que tenha facilidade para relações públicas;

c) ser o organizador de audiências, julgamentos e reuniões, fornecendo material de apoio (v.g., slides para projetar em sustentação oral em Tribunal), detalhes sobre os demais participantes (características de personalidade que podem influir no julgamento), preparo do local no caso de reunião, ciência aos que dela participarão, possibilidades de conciliação e outros detalhes;

d) auxiliar nas questões de informática (v.g., petições via eletrônica), pesquisar precedentes na internet, incluindo de Tribunais de outros países (há quem tenha domínio de idiomas, mas não passa em exame da OAB), fornecendo apoio permanente às petições;

e) se tiver algum tipo de experiência na área de saúde, auxiliar escritório que se dedique a ações envolvendo planos de assistência médica, frequentando ambientes específicos (v.g., sindicatos) e auxiliando na administração da clientela, nesses casos geralmente numerosa;

f) secretariar o escritório, valendo-se da vantagem de ter conhecimento do Direito e, com isto, prestar informações mais precisas e eficientes.

Mas, como tudo isto é novo, evidentemente surgirão muitas dúvidas e empecilhos. Sem contar a oposição dos que são contra por uma questão de princípio. Quem controlaria esses profissionais? Seriam preparados, certificados? Atuariam apenas nos grandes escritórios? Teriam campo de ação nas comarcas do interior?

Estas e outras indagações são subsequentes a um desejo de dar solução ao problema. Não se trata de uma preocupação desta ou daquela família, mas sim de todos. Afinal, são dezenas de milhares de brasileiros sem colocação profissional e que, se não aproveitados, engrossarão a lista dos deprimidos, revoltados, no extremo, talvez até viciados em drogas. Se a Constituição, no artigo 3º, I, afirma que nossa sociedade deve ser solidária, por solidariedade devemos preocupar-nos com o assunto.

Pois bem, sabendo que a definição da categoria profissional será um problema, creio que o debate deve ser lançado. E, como sugestão, que à OAB coubesse a condução de estudos a respeito. Imagino que a própria entidade poderia estabelecer cursos como requisito básico de tal tipo de exercício profissional (v.g., especialização com 360 hs aula). Talvez pudesse ser criada uma nova modalidade de inscrito na Ordem, evidentemente com a apresentação de projeto de lei.

Tudo isto merece ser avaliado e o momento já chegou. Com inteligência e boa vontade, será possível, a um só tempo, auxiliar os escritórios de advocacia a alcançarem maior efetividade e, aos que não logram aprovação no exame da OAB, com ou sem culpa, a encontrarem um caminho profissional honesto, que lhes dê o sustento e restaure o orgulho ferido.

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