SEGUNDA LEITURA

Justiça Federal requer expansão para não parar

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

7 de março de 2010, 10h13

Coluna Vladimir - SpaccaSpacca" data-GUID="coluna-vladimir.png">

No idos de 1921, por meio do Decreto-lei 3.481, surgiu a ideia de descentralizar a Justiça Federal de segunda instância, então exercida pelo Supremo Tribunal Federal, criando-se três Tribunais Regionais. A ideia não vingou. Só em 1947 foi implantado, no Rio de Janeiro, então Capital da República, o Tribunal Federal de Recursos.

O TFR mudou-se para Brasília e, em 1988, não suportava mais a brutal carga de trabalho oriunda da Justiça Federal de todo o país. Daí surgiu a proposta de mudança constitucional para concretizar o antigo sonho de criação de TRFs. Assim, a Constituição Federal de 1988 criou cinco Regionais. E o TFR transformou-se no atual STJ, sendo mantidos os seus ministros e nomeados outros para completar o número de 33, previsto no artigo 104 da CF.

Os TRFs foram instalados em 30 de março de 1989. Eram 18 juízes na 1ª Região (DF), 14 na 2ª (RJ), 18 na 3ª (SP), 14 na 4ª (RS) e 10 na 5ª (PE). A divisão geográfica pautou-se por critérios mais políticos do que técnicos. A 5ª Região, apesar de representar o Nordeste, ficou sem a Bahia e o Piauí. E com a 1ª Região ficaram 13 estados, com características absolutamente distintas, como Minas Gerais, Mato Grosso e Amazônas.

Mais tarde eles foram aumentados. Atualmente, a 3ª Região tem 42 desembargadores, a 1ª, a 2ª e a 4ª, 27, e a 5ª Região, 15. Só que este crescimento foi absolutamente desproporcional ao da primeira instância. Enquanto esta tinha, em 1989, aproximadamente cem juízes federais (v.g., o RJ tinha 23 na capital, dois em Niterói e um em Campos), atualmente a primeira instância conta com cerca de 800 magistrados, titulares e substitutos, espalhados por todo o país.

E os TRFs recebem, ainda, recursos contra sentenças de juízes estaduais em ações previdenciárias e embargos às execuções fiscais da União e suas autarquias. Imagine-se a quantidade de recursos da Justiça Estadual em estados como SP e MG.

O contraste entre o passado e o presente, o expressivo crescimento da base e o inexpressivo crescimento da cúpula geraram o que qualquer um poderia prever: os processos se acumularam nos TRFs. Evidentemente, não de forma igual. Medidas de gestão, trabalho solidário e não individual, especialização de Turmas e outras medidas, tornaram alguns mais ágeis. Mas, inegavelmente, todos estão sobrecarregados.

No CNJ, registra-se que na 1ª Região pendem de julgamento 209.405 recursos; na 2ª, 66.227; na 3ª, 299.545; na 4ª, 86.859; e na 5ª, 50.742 (www.cnj.jus.br , “Justiça em números” e “Dados estatísticos por Tribunal”). Mesmo com a Meta 2, levarão anos para serem julgados.

Para atenuar essa situação, convocam-se juízes de 1ª instância. Tudo começou em 1999, no TRF da 4ª Região, sob a presidência dinâmica do des. Fábio Rosa. A iniciativa deu resultados e, de uma forma ou de outra, espalhou-se por todos os Regionais, ora criando Turmas Suplementares, ora convocando para auxiliar um desembargador, às vezes em caráter provisório, outras por longos períodos. Atualmente, dezenas de juízes federais prestam relevante auxílio nos TRFs. O provisório tornou-se definitivo. Mas paga-se um preço por isso. A 1ª instância viu-se privada dos magistrados mais experientes. Isto sem falar nas despesas, pois cada convocado que tenha domicílio fora da capital do Tribunal acaba recebendo diárias e passagens aéreas. Não é pouca coisa. Convocar ajuda, mas não resolve. Não convocar significa atraso mais grave, quiçá o caos.

O Brasil tinha, segundo o IBGE, 146.825.475 habitantes em 1991 (não há informações de 1989) e, em 2009, as estimativas são de 191,5 milhões de pessoas (http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1435&id_pagina=1). Além disso, a conscientização da sociedade sobre os seus direitos, o crescimento econômico e a interiorização da Justiça Federal estimularam mais demandas. No entanto, dos 74 membros iniciais para os 138 atuais, o crescimento não chega a 50%. Já a base da pirâmide multiplicou-se 8 vezes.

Nos Estados Unidos da América, cuja população gira em torno de 200 milhões de habitantes, portanto maior do que a nossa, existem 12 Tribunais Federais de Apelação (Circuito), com um total de 167 juízes, mais 86 “seniors judges” (www.uscourts.gov, Federal Court Management Statistics, 2009) que, aposentados, continuam prestando serviços com uma carga reduzida a 25% de um juiz em atividade. Fácil é ver a desproporção em desfavor dos Tribunais brasileiros.

Pois bem, para resgatar a situação, tramita no Congresso a PEC 544/2002, que prevê a criação de mais quatro Regionais, com sedes no PR, MG, BA, AM, cada um com sete magistrados. A mudança é necessária. Basta lembrar que a Justiça do Trabalho possui TRTs em quase todos os estados da Federação.

Duvidará alguém da necessidade absoluta do Amazonas ter um TRF? Uma região com peculiaridades próprias, conflitos fundiário graves, fronteira sujeita ao tráfico de entorpecentes, soberania nacional a ser preservada, questões indígenas e ambientais, necessita um tratamento especial. E os demais estados previstos como sede também, seja pela população ou PIB que ostentam.

Pois bem, para que se mude esta realidade, a via natural seria a apresentação de proposta pelo STJ, na forma do art. 96, inciso II, alíneas de “a” a “c” da CF, propondo o aumento do número de TRFs. Esta é a via natural, precedida de estudos da área técnica. Mas o Congresso, através da PEC 544/2002, reivindica o direito de fazê-lo independentemente da iniciativa do STJ. A questão é jurídica e política a um só tempo e não se tem conhecimento de precedentes na jurisprudência.

Se a PEC não lograr sucesso, então que se aumente o número de desembargadores nos TRFs. O que não se compreende é que persista a 2ª instância federal reduzida a poucos desembargadores, convocando juízes de 1ª instância com prejuízo para as Varas, julgando em tempo aquém do aceitável e, assim, descumprindo o mandamento constitucional da razoável duração do processo (CF, art. 5º, inc. LXXVIII).

O problema vem se agravando a cada dia. Por uma ou por outra via legislativa, é necessário que se reestruture a 2ª instância federal. Desta vez, espera-se que não seja preciso aguardar 67 anos, como ocorrido entre a previsão do DL 3.481/1921 e a CF de 1988 — para o bem dos que aguardam, cada vez menos pacientes, os milhares de recursos pendentes de julgamento nos Tribunais Federais.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!