Papel da defensoria

Novo CPC é chance de efetivar Direitos Humanos

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28 de maio de 2010, 7h24

Vem aí, e já não era sem tempo, o novo Código de Processo Civil brasileiro, capitaneado pela cultura ímpar e reconhecido talento e vanguardismo do eminente Ministro Luiz Fux, do colendo Superior Tribunal de Justiça, consagrado em jurisprudência memorável.

Desnecessária qualquer observação demorada sobre o ponto, é por todos sabido, em quaisquer ordenamentos jurídicos do globo terrestre, que os códigos de processo civil traduzem-se em diplomas incomparáveis, regedores do delineamento e solução procedimental da maioria esmagadora das demandas ajuizadas na busca por justiça. Afinal, certamente não são os delitos, os crimes e contravenções, a maior fonte de criação, modificação e extinção de direitos em uma vida em sociedade.

Despede-se o vetusto Código Buzaid de 1973 sem deixar saudade na memória daqueles que propugnam pela prevalência dos direitos humanos, pela molecularização de litígios, pela efetividade da tutela dos direitos coletivos fundamentais lato sensu, entre outras questões sociais e demandas afetas a uma inchada sociedade de massa, aonde se busca com todo vigor e incessantemente a preponderância do interesse público, coletivo ou social sobre o interesse marcadamente individual e patrimonialista.

Entretanto, da mesma forma como então se deu com o Ministério Público no ainda vigente CPC, deve, agora, no novo Diploma Processual Civil que se avizinha ser reservado à Defensoria Pública um capítulo próprio, dispondo sobre a atenção e zelo com que os juízes, tribunais e auxiliares deverão dispensar a essa crescente e fortalecida Instituição Democrática permanente, representativa da maioria esmagadora dos feitos que tramitam no Poder Judiciário deste País, com suas próprias nuances e peculiaridades, inerentes sempre às dificuldades e dissabores vividos pelo pobre de tudo.

Hoje, a Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicialmente, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados.

A promoção dos direitos humanos e a defesa em todos os graus dos direitos coletivos é atividade sagrada, dentro da perspectiva de que a República brasileira, integrante da Organização das Nações Unidas e da Organização dos Estados Americanos, é comprometida na ordem interna e externa com a dignidade da pessoa humana e com a prevalência e efetividade dos direitos humanos.

Após profunda reformulação e revolução legislativa federal, foram edificados como objetivos da Defensoria Pública a primazia da dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades sociais; a afirmação do Estado Democrático de Direito; a prevalência e efetividade dos direitos humanos; e a garantia dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.

Torna-se a Defensoria Pública, destarte, Instituição de vocação e atuação, judicial e extrajudicial, incomparável, protagonista de envergadura representativa sublime, no escopo da promoção do bem-estar e busca da felicidade de milhões de brasileiros, mitigando-se cada vez mais a dor e desespero do povo deste País, silenciado por décadas passadas que não deixaram recordações nas lembranças dos amantes das liberdades e garantias fundamentais instaladas com o advento da Carta de Outubro de 1988. Ao pobre a preclusão, ao rico a execução, este é o lema da lei processual de outrora, mas ainda vigente.

O processo de redemocratização do Brasil traz consigo, naturalmente e como consectário, o processo de fortalecimento da Defensoria Pública. Não há mais possibilidade de retrocessos. O tempo conspira, e o povo não pode mais esperar. Lembrando o saudoso neto de Seu Januário, o filho do querido Gonzagão, “a gente não tem cara de panaca, a gente não tem jeito de babaca”. É, as coisas mudaram. Mudaram para melhor, na esteira da promessa feita por doutor Ulysses no seu discurso antológico de proclamação da nova Constituição Federal de 1988 naquela sessão inesquecível do Congresso Nacional.

Aqui, um reconhecimento, o Congresso Nacional tem feito de tudo para promoção e efetivação da dignidade e resgate das necessidades do povo humilde brasileiro, com o fortalecimento das Defensorias Públicas no sistema de direito positivo. Ao contrário de algumas poucas Assembleias Legislativas que ainda teimam em preservar o cenário processual elitista estático e cruel do século passado. Nas sábias palavras do incansável e corajoso Senador Renato Casagrande (PSB-ES), quando da aprovação da Nova Lei Orgânica da Defensoria Pública Nacional, “o Ministério Público e a Justiça já estavam sendo constantemente fortalecidos, o que não vinha acontecendo com a Defensoria Pública”. Fortalecer a Defensoria Pública é iluminar o povo necessitado, retirando-o da escuridão jurídica, da ausência de justiça e de um mínimo existencial cristão.  

O novo Código de Processo Civil será tabuleiro do povo brasileiro, dando-se um xeque-mate na propriedade que não exerce sua função social, no abuso do poder econômico, na omissão do Poder Público e na devastação de nossos recursos naturais. Será algo com começo, meio e fim, diploma antenado com a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, sem promover a desigualdade de armas. A atual codificação de 1973 é instrumento para quem pode esperar, para o despreocupado com a entrega da prestação jurisdicional.

Estão escancaradas as portas da democracia. É um caminho sem volta. 

São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras, prestar orientação jurídica e exercer a defesa dos necessitados, em todos os graus; promover, prioritariamente, a solução extrajudicial dos litígios, visando à composição entre as pessoas em conflito de interesses, por meio de mediação, conciliação, arbitragem e demais técnicas de composição e administração de conflitos; promover a difusão e a conscientização dos direitos humanos, da cidadania e do ordenamento jurídico; prestar atendimento interdisciplinar, por meio de órgãos ou de servidores de suas carreiras de apoio para o exercício de suas atribuições; exercer, mediante o recebimento dos autos com vista, a ampla defesa e o contraditório em favor de pessoas naturais e jurídicas, em processos administrativos e judiciais, perante todos os órgãos e em todas as instâncias, ordinárias ou extraordinárias, utilizando todas as medidas capazes de propiciar a adequada e efetiva defesa de seus interesses; representar aos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos, postulando perante seus órgãos;  promover ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando o resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes; exercer a defesa dos direitos e interesses individuais, difusos, coletivos e individuais homogêneos e dos direitos do consumidor, na forma do inciso LXXIV do artigo 5º da Constituição Federal; impetrar Habeas Corpus, Mandado de Injunção, Habeas Data e Mandado de Segurança ou qualquer outra ação em defesa das funções institucionais e prerrogativas de seus órgãos de execução; promover a mais ampla defesa dos direitos fundamentais dos necessitados, abrangendo seus direitos individuais, coletivos, sociais, econômicos, culturais e ambientais, sendo admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela; exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado; acompanhar inquérito policial, inclusive com a comunicação imediata da prisão em flagrante pela autoridade policial, quando o preso não constituir advogado; patrocinar ação penal privada e a subsidiária da pública; exercer a curadoria especial nos casos previstos em lei; atuar nos estabelecimentos policiais, penitenciários e de internação de adolescentes, visando a assegurar às pessoas, sob quaisquer circunstâncias, o exercício pleno de seus direitos e garantias fundamentais; atuar na preservação e reparação dos direitos de pessoas vítimas de tortura, abusos sexuais, discriminação ou qualquer outra forma de opressão ou violência, propiciando o acompanhamento e o atendimento interdisciplinar das vítimas; atuar nos Juizados Especiais; participar, quando tiver assento, dos conselhos federais, estaduais e municipais afetos às funções institucionais da Defensoria Pública, respeitadas as atribuições de seus ramos; executar e receber as verbas sucumbenciais decorrentes de sua atuação, inclusive quando devidas por quaisquer entes públicos, destinando-as a fundos geridos pela Defensoria Pública e destinados, exclusivamente, ao aparelhamento da Defensoria Pública e à capacitação profissional de seus membros e servidores; e, ainda, convocar audiências públicas para discutir matérias relacionadas às suas funções institucionais.

Outrossim, essas funções institucionais da Defensoria Pública serão exercidas inclusive contra as Pessoas Jurídicas de Direito Público, suas autarquias, fundações e empresas públicas, até mesmo contra os desleais administradores e agentes surrupiadores da coisa pública, quando sujeitos à ação por improbidade administrativa ou à ação civil pública. Também, o instrumento de transação, mediação ou conciliação referendado pelo Defensor Público valerá como título executivo extrajudicial, inclusive quando celebrado com a pessoa jurídica de direito público. Ora, o Poder Público, sem nenhum átimo de dúvida, é o maior demandado na Justiça. Será, assim, a Defensoria Pública a proteção e mola propulsora ativa da efetivação desses direitos.

Por muito menos, à época, o ultrapassado CPC de 1973 convidou o Ministério Público a ter assento neste Códex da Ditadura Militar:

“LEI No 5.869, DE 11 DE JANEIRO DE 1973

TÍTULO III

DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Art. 82.  Compete ao Ministério Público intervir:

I – nas causas em que há interesses de incapazes;

II – nas causas concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposições de última vontade;

III – nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural e nas demais causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte”.

Ora, quanto aos incapazes, a criança e o adolescente, o idoso, a pessoa portadora de necessidades especiais, a mulher vítima de violência doméstica e familiar e outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado, como os consumidores, por exemplo, a representatividade dos mesmos é levada a efeito pela Defensoria Pública, que passa atualmente a atuar inclusive como substituta processual dessa gente marginalizada ou esquecida. Não é por outro motivo que os Núcleos e Ofícios cíveis da Defensoria são o templo salvífico dessa gente, o último refúgio.

Nas causas concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposições de última vontade, é desnecessário dizer que é nas fileiras da Defensoria Pública que o povo tem acesso aos juízos de família, após incansável atendimento e confecção da preambular pelo seu Defensor Público, com a juntada dos documentos pertinentes, para posterior ajuizamento da ação. O Defensor da Vara de Família, aqui uma homenagem, é um herói. Defensores de renome do País no tema do novo Direito de Família e suas transformações, como o nome de Olga de Almeida Marques, serve de magistral modelo de um novo ideal de acesso à justiça, a partir da certeza de um atendimento técnico ímpar à um decesso à justiça com extrema judiciosidade até a última Instância judicial. 

Pelo que, nesta breve síntese, a olhos vistos, percebe-se que faz-se imprescindível, senão obrigatório, o reconhecimento da Defensoria Pública como Instituição essencial à função jurisdicional cível no ordenamento positivo, dedicando-lhe, neste passo, Capítulo reservado à consolidação deste entendimento no novo Código Fux. Conhecemos bem a magistratura brasileira de piso, na sua generalidade: “Doutor, em que artigo está isso?”.

Fazendo minha a lapidar lição da Eminente e Culta Ministra Carmem Lúcia Antunes Rocha, da Suprema Corte brasileira, o império da lei não tem mais lugar no Estado Democrático de Direito material, pois neste o que se adota é o Império da Justiça, sob cuja égide ainda se forma e se informa a ordem jurídica contemporânea. A legalidade não é cogitada, pois, senão com o significado de ser aquela que veicula a materialidade da Justiça concebida e desejada pelo povo de um Estado, segundo suas necessidades e aspirações. A dimensão do Estado haverá que ser, pois, a desta Justiça realizadora do bem de todo o povo, da universalidade das pessoas que o compõem, mais, ainda, sem prejuízos graves ou fatais para toda a humanidade, pois não poucas vezes, agora, os interesses públicos não são apenas locais, mas transnacionais, como ocorre quando se cuida de meio ambiente, saúde e, especialmente, direitos humanos.

O Novo CPC deve atender às aspirações e necessidades instrumentais dessa nova Defensoria Pública brasileira. Acabando-se definitivamente com esse modelo de piedade e dó, de redução do Defensor Público àquela desconfortável condição de submisso à vontade de juízes e serventuários, para transformá-lo, sim, definitivamente, em um padrão de respeito e consideração, sem sobressaltos de preclusões ou fórmulas processuais ortodoxas inaceitáveis para um defensor de massas.

Por todos, trago o próprio incomparável Eminente Ministro Fux, do Festejado Tribunal da Cidadania:

“A Constituição não é ornamental, não se resume a um museu de princípios, não é meramente um ideário; reclama efetividade real de suas normas. Destarte, na aplicação das normas constitucionais, a exegese deve partir dos princípios fundamentais, para os princípios setoriais. E, sob esse ângulo, merece destaque o princípio fundante da República que destina especial proteção a dignidade da pessoa humana”.

É evidente, claro que uma demanda envolvendo dois grandes conglomerados empresariais do setor de siderurgia ou telefonia não guarda nenhuma sintonia instrumental com demanda judicial aonde o pobre busca frascos de insulina para não morrer ou uma ultrasonografia porque o aparelho do hospital na cidade está quebrado, para se salvar a vida do nascituro.  

O novo CPC, de uma vez por todas, não deve ser um diploma monegasca. Deve estabelecer uma liturgia contemporânea ao seu povo e às questões sociais do Brasil, sob pena da necessidade de termos que ter dois Códigos de Ritos, ou, num futuro próximo, transformarmos o novíssimo CPC em colcha de retalhos, uma vez que a afirmação expressa da Defensoria Pública nesse Diploma será inevitável. Então, que se aproveite o momento. A hora é essa. Calemos Ovídio na sua máxima “curia pauperibus clausa est”, para abrir as portas da Justiça aos vulneráveis.

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