Enchente paulista

Advogados erram ao querer comandar executivo

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16 de janeiro de 2010, 11h25

[Editorial do jornal O Estado de S. Paulo]

Recorrendo a uma Ação Civil Pública, instrumento que foi criado há mais de 25 anos para permitir a apuração de responsabilidades por danos causados ao meio ambiente e a direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo acaba de pedir ao Poder Judiciário a suspensão imediata das remoções de famílias pela Prefeitura, das áreas alagadas há mais de um mês na zona leste da capital. Já foram derrubadas 111 casas em situação de risco. E, das 2.313 famílias cadastradas nas áreas de risco, 280 foram transferidas para unidades da CDHU e 680 estão recebendo auxílio-aluguel de R$ 300 por mês. 

A intenção da Defensoria Pública estadual, cuja principal atribuição é oferecer assistência jurídica gratuita à população de baixa renda, é que as propostas da Prefeitura de remoção das famílias das áreas alagadas, para a construção do Parque Linear da Várzea do Tietê, primeiro sejam discutidas em audiências públicas com os moradores afetados pelas enchentes. Os defensores públicos só aceitam as remoções feitas por questão de segurança. Além disso, eles também querem que a Justiça obrigue a Prefeitura e o Departamento de Águas e Energia Elétrica a realizar serviços de drenagem e de limpeza que garantam a saúde das famílias. 

Os coordenadores do Núcleo de Habitação e Urbanismo da Defensoria Pública alegam que já haviam pedido essas providências aos dois órgãos no final de dezembro e que as respostas recebidas teriam sido "vagas". Segundo os defensores públicos, a Prefeitura estaria se valendo da situação de calamidade para estimular as famílias pobres dos bairros Jardim São Martinho, Vila Seabra e Jardim Romano a aceitarem a transferência às pressas, sem negociar. "Não discordamos da remoção, mas isso tem de ser feito com a participação da população", disse o defensor público Carlos Henrique Loureiro.

Em resposta, o prefeito Gilberto Kassab afirmou que aceita realizar as audiências públicas reivindicadas pela Defensoria Pública de São Paulo, mas lembrou que, por causa das fortes chuvas que vêm caindo na região, desde dezembro, a Prefeitura precisa agir com rapidez, para evitar que a população seja atingida por novos alagamentos. Por seu lado, os moradores desses bairros disseram que aceitarão as propostas de remoção da Prefeitura, desde que lhes sejam oferecidas novas moradias – prontas e em condições de serem habitadas. 

Ao visitar os três bairros, acompanhado do secretário de Transportes, Alexandre Moraes, e de outras autoridades municipais, Kassab foi hostilizado em dois – o Jardim Martinho e a Vila Seabra – e bem recebido em um – o Jardim Romano. Na ocasião, o prefeito lembrou que ainda não foi notificado da abertura da ação civil pública proposta pelo Núcleo de Habitação e Urbanismo da Defensoria Pública de São Paulo e pediu cautela. Segundo ele, a Prefeitura não está em condições de atender imediatamente a todas as exigências das famílias atingidas pelos alagamentos, uma vez que as novas residências não podem ser construídas do dia para a noite. 

Embora estejam cumprindo a atribuição que lhes foi conferida pela Constituição de 88, os defensores públicos paulistas estão cometendo os mesmos equívocos de alguns promotores e procuradores do Ministério Público (MP). Ou seja, estão exorbitando de suas prerrogativas funcionais ao pedir, nos tribunais, obras e providências administrativas que as autoridades municipais não têm a menor condição de fazer no curto prazo. 

Os defensores públicos se esquecem de que há famílias em situação de risco por instabilidade do solo, nas áreas que se encontram alagadas há mais de um mês na zona leste. E, ao bater nas portas do Judiciário para fazer exigências irrealistas às autoridades municipais, estão tentando intervir em áreas que são de competência do Poder Executivo. Esse é o mesmo erro que há muito tempo vem sendo cometido por alguns promotores de Justiça, comprometendo a própria autoridade do MP: achar que, em nome do interesse público, eles podem, sem voto e sem mandato, comandar a máquina governamental.

[Editorial publicado na edição deste sábado (16/01) no jornal O Estado de S. Paulo.] 

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