JUSTIÇA NA HISTÓRIA

Clovis Bevilaqua, um senhor brasileiro (3)

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18 de setembro de 2009, 7h34

Spacca
Coluna Cassio Schubsky - SpaccaCivilista, internacionalista… Como se não bastasse sua atuação destacada nesses campos do Direito, Clovis fez mais – e tão bem quanto.

Ainda no campo jurídico, assinou obras de Filosofia do Direito, História do Direito, Legislação Comparada de Direito Civil e Direito Constitucional. Aventurou-se em temas como Economia Política e Direito, entre muitos outros.

Uma visão ampla do direito
Fica realmente difícil enquadrar Clovis Bevilaqua nos estreitos limites de um só campo jurídico, como publicista ou privatista etc. Ele foi múltiplo, tinha verdadeira visão holística da ciência jurídica. Legítimo representante da Escola do Recife – para alguns o primeiro movimento filosófico organizado no País –, Clovis ficou marcado pelas ideias de Tobias Barreto, brilhante germanista e filósofo, liderança nata daquele grupo. E o jurisconsulto de Viçosa do Ceará escreveu Os juristas filósofos, por exemplo, analisando o pensamento de alguns de seus próprios mestres, como Herman Post e Rudolf von Jhering.

De outro lado, dedicou-se a reflexões no campo da História do Direito, sempre em estilo vigoroso, com linguagem elegante e clara – aliás, tônica, esta, de todos os seus escritos teóricos, literários, históricos, filosóficos, legislativos etc.

Sebo do Messias
Código Civil do EUB - Clóvis Beviláqua - Sebo do MessiasÉ tão vasta a produção bibliográfica de Clovis Bevilaqua, que necessário se faça uma organização sistemática de sua obra, incluindo livros (muitos deles esgotados e não reeditados), artigos acadêmicos (às centenas), pareceres públicos e privados, projetos de lei (além do de Código Civil, fez também um Projeto de Código Penal da Armada, além de propostas envolvendo o ordenamento jurídico no campo internacional).

Urge – não custa nada insistir no assunto, pois o risco maior é apenas gastar um punhado de latim – cuidar de conservar seus escritos, espalhados País afora, jogados às traças, literalmente. Muitas coisa boa ainda vai se perder, fruto dessa falta de cuidado. Não haja dúvida: o destino da obra rara é tornar-se obra extinta. Está mais do que na hora de se organizar a vast produção bibliográfica de Clovis Bevilaqua, para conservação e publicação. Tarefa para uma fundação própria criada para este fim, ou para as fundações já existentes, institutos, universidades etc. Quem se habilita?!

Bem, desabafo feito, voltemos à linha mestra de nosso texto. Muitos dos ensinamentos de Clovis espalhados por livros e artigos (e até em anotações esparsas, que conservava como rascunhos de ideias, reflexões e projetos) revelam sua eclética argúcia intelectual. Abundam os exemplos. Citemos um, somente, para deleite do leitor. E para atiçar-lhe o apetite por leituras de textos do grande mestre.

Assim, sobre a importância da Filosofia do Direito:
O indivíduo que empreende uma excursão pelos vastos domínios da ciência jurídica tem obrigação de premunir-se com certas ideias fundamentais, que serão os seus guias através dessas regiões tão trilhadas e, apesar disso, ainda tão desconhecidas. Sem esse preparo prévio, arrisca-se a mostrar-se como um espírito lamentavelmente vacilante e desconjuntado, que pode ser evolucionista em ciências naturais, metafísico em direito e fetichista em religião” (“Da concepção do Direito como refletora da concepção do mundo”. In Criminologia e Direito, Campinas, Red Livros, edição histórica, 2001, p. 108).

No debate da criminologia
Clovis não tinha medo de se aprofundar nos mais variados campos do conhecimento. Encarava todos os desafios intelectuais com afinco, com sede de saber. Assim, debate, por exemplo, os temas de Criminologia, no final do século XIX, absolutamente sintonizado com a produção bibliográfica nacional e internacional sobre o tema, acompanhando, também, ainda que à distância, os debates em congressos internacionais. Tudo facilitado por ser um exímio poliglota – que dominava, além do português, o inglês, o francês, o alemão, o espanhol, o italiano e, dizem alguns biográfos, também o tupi.

Reprodução
Criminologia E Direito - Clóvis Bevilaqua Penal Criminal - ReproduçãoSua obra Criminologia e Direito, de 1895 – do jovem Clovis, portanto –, revela um autor sóbrio, sempre estudioso, contendor equilibrado, debatendo pontos de vista com parcimônia, embora, muitas vezes, com contundência.

Assim, para citar um exemplo bastante expressivo, o jurista cearense põe-se a perscrutar os conceitos de Lombroso, que faziam sucesso naquela época – e que, vale dizer, mantêm uma legião de adeptos até hoje…

Analisando a criminalidade no Ceará no último quartel do século XIX, Clovis passa a examinar, primeiramente, a noção de crime. E, referindo-se explicitamente à escola lombrosiana, admoesta, cordialmente, os seus discípulos porque procuravam “interpretar o crime mais biológica do que socialmente (“Notas sobre a criminalidade no Estado do Ceará”, tópico “Noção de crime”. In Criminologia e Direito, op. cit., p. 53). E conclui: “Por mais que investiguem, nunca nos poderão dar uma ideia exata e completa dele”.

É natural, porém, que muitas ideias suas sobre a Criminologia – como, de resto, nos vários campos do Direito, da História, da Filosofia, etc. – sejam datadas, superadas pela evolução histórica, por novas descobertas científicas etc. Mas é certo que outras tantas reflexões, em qualquer campo do saber, se prestam hoje mais do que à mera contemplação histórica. Têm atualidade flagrante.

Autores

  • é formado em direito pela USP e em história pela PUC-SP, editor e historiador, é autor, entre outras obras, de "Advocacia Pública - Apontamentos sobre a História da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo".

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