Conciliação exige juiz que minimize os conflitos
22 de novembro de 2009, 10h04
O Poder Judiciário é o órgão natural de solução de conflitos. Mas sempre se procurou, através de soluções alternativas, outras formas de composição. A Constituição Imperial de 1824, no art. 161, dispunha: “Sem se fazer constar, que se tem intentado o meio da reconciliação, não se começará Processo algum.” Portanto, há quase 200 anos já havia a conciliação prévia como antecedente obrigatório da ação judicial.
Atualmente, no Brasil, o acesso ao Poder Judiciário é livre e “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.” (CF, art. 5º, inc. XXV). Mas nada impede que existam outras formas de conciliação extra-judiciais. Sempre na busca de decisões mais informais e rápidas.
As principais são a arbitragem e a mediação, previstas na Lei 9.307/96. Entretanto, ainda não caíram no hábito do brasileiro. Na arbitragem, as partes elegem no contrato uma Câmara para decidir sobre eventual controvérsia jurídica. Na mediação, um terceiro será encarregado de reunir as partes para atuar como facilitador na busca de um acordo.
Além destas duas vias alternativas, há outras iniciativas a merecer destaque. Por exemplo, o Ministério da Justiça, junto com outros órgãos, instituiu o Programa Justiça Comunitária no Distrito Federal. Nele, agentes comunitários, pessoas da própria comunidade, são os principais operadores, através de serviço voluntário (vide Justiça Comunitária, uma experiência. MJ, Brasil, 2008).
Na Advocacia-Geral da União (AGU) instituiu-se a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal, com grande sucesso (www.conjur.com.br, 21/8/2009). A FIESP tem a sua Câmara de Mediação e Conciliação (Camfiesp), que oferece atendimento jurídico a empresas com pendências contratuais. Há, ainda, soluções tribais nos povos indígenas, acordos em inquéritos civis perante o MP e em processos administrativos junto aos órgãos ambientais. A CF, no art. 98, II, prevê a ação de Juízes de Paz, mas pende de regulamentação.
No entanto, o que aqui será abordado é a busca de conciliação dentro e pelo Poder Judiciário.
No exterior, há soluções interessantes. Na Argentina a Lei 24.573/96 impõe a obrigatoriedade da tentativa de mediação antes do ingresso em Juízo, salvo as hipóteses excepcionais previstas no art. 2º (v.g., processos penais). No Panamá a Suprema Corte criou um Centro de Mediação, pela Resolução 294, de 2001 (http://www.organojudicial.gob.pa). Nos Estados Unidos há previsão em todas as Cortes Federais e Estaduais. Os sites fornecem todos os detalhes e recomendam a negociação. Por exemplo, a Justiça Federal de Boston, MA (http://www.mad.uscourts.gov/resources/pdf/adr.pdf#search=%22mediation%22) ou a Justiça do Estado de Maryland (http://www.courts.state.md.us/district/forms/general/dc044br.html).
No passado, no processo tradicional, o juiz recebia as alegações das partes, aguardava a produção de provas e proferia sentença. Nos últimos anos, iniciou-se forte movimento para que o juiz busque a composição dos litígios. O CPC tem previsão expressa nos artigos 125, IV, 331 e 447. E o CNJ editou a respeito a Recomendação 6, promovendo anualmente semanas da conciliação.
O problema é que os juízes, como todos os profissionais do Direito, não foram preparados para negociar, aproximar, conciliar. Os cursos de Direito ensinam a lutar. As pessoas, muitas vezes, consideram bom advogado aquele que briga, que enfrenta as autoridades.
É preciso alterar esta postura. A começar pelas faculdades de Direito, que devem introduzir nos seus currículos as soluções alternativas de conflitos. Por sua vez, as Escolas da Magistratura precisam capacitar juízes e servidores para a conciliação. Aulas de psicologia, relações humanas, técnicas de aproximação, devem ser ministradas.
O juiz conciliador não deve se limitar a perguntar, de forma protocolar, se há proposta de acordo e, se não houver, prosseguir indiferente ao drama que se desenvolve à sua frente. Deve agir com habilidade, minimizar o conflito, jamais usar palavras negativas, não discutir culpa, ser informal, amigável, prestar a atenção na linguagem corporal, identificar quem manda, inspirar confiança e, acima de tudo, ser insistente. Se tiver que adiar a audiência para tentar a transação dias depois, deve fazê-lo.
A transação, por vezes, é a única forma de encerrar o conflito. A sentença nem sempre termina a querela. Se a desavença permanecer, ela ressurgirá mais tarde, sob outro pretexto. O acordo evita recursos e ainda evita a execução, quase sempre demorada.
Não se imagine que só em disputas entre particulares é possível o acordo. Ações envolvendo o SFH são objeto de conciliação em todo o país. Ações envolvendo o FGTS, diferenças no saldo da poupança, direitos previdenciários também podem terminar desta forma. E mais. Ainda que possa parecer estranho, o Judiciário pode e deve antecipar-se ao litígio. Atuar na fase pré-processual, estimulando as partes a conciliar-se. Por exemplo, criando um setor específico de conciliação antes de distribuir a ação.
Por outro lado, advogados e agentes do MP tem um papel importante na busca do acordo. Devem auxiliar o juiz na formulação de propostas, orientar a parte, contribuir para que o litígio tenha um bom final. Voluntários podem auxiliar o juízo ouvindo as partes e auxiliando na busca do acordo, deixando ao juiz apenas a homologação e mais tempo para dedicar-se aos outros processos da Vara.
A literatura ainda é escassa nesta área. Todavia, boas noções fornece o livro organizado pelo juiz de Direito André Gomma de Azevedo, Manual de Mediação Judicial, editado pelo Ministério da Justiça, em 2009.
Em suma, na sentença ocorre o ganha/perde e na conciliação o ganha/ganha. Todos saem beneficiados. Se formas alternativas de composição não forem encontradas, o Judiciário sucumbirá debaixo de milhões de processos. Há que se mudar a cultura, aceitar o novo, nele envolver-se e prestigiar a conciliação como a melhor solução.
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