Eleições OAB-SP

Reeleição e soberania popular

Autor

  • Braz Martins Neto

    advogado é conselheiro e presidente da Comissão de Estágio e Exame de Ordem da OAB SP e candidato a tesoureiro da CAASP na chapa de D’Urso

6 de novembro de 2009, 10h53

A reforma política costuma ser um menu permanente sobre a mesa do debate nacional. Sob seu abrigo, estariam eixos fundamentais como o sistema de voto, o aperfeiçoamento da legislação eleitoral, a cláusula de barreira, o financiamento de campanhas, o sistema de representação proporcional, o sistema de governo e estatutos como o da fidelidade partidária e o da reeleição. Cada uma dessas esferas está a merecer ampla discussão, sabendo-se que a polêmica se estabelece de forma intensa e com mínimos aspectos consensuais.

De antemão, é oportuno lembrar que a política vive um ciclo de crise há décadas e é dentro de uma moldura mais abrangente que devem ser vistos os posicionamentos pontuais de uma reforma política. Como se sabe, a crise política comporta variáveis não exclusivas de nossa cultura política. São visíveis em todas as Nações ocidentais fenômenos como a pasteurização doutrinária e a fragmentação dos partidos, o declínio dos Parlamentos, o arrefecimento das bases eleitorais, a concentração de forças pelo presidencialismo e a emergência de uma democracia centrada nos pilares da sociedade participativa, cuja referência maior se apresenta na multiplicação das entidades de intermediação social (associações, federações, sindicatos, núcleos, movimentos de gêneros, profissões e minorias étnicas). Torna-se impossível fazer qualquer observação mais aguda sobre a reforma política necessária a um determinado país, sem atentarmos para o quadro geral de mudanças na contemporaneidade. A par dessa configuração, urge adicionar as radiografias políticas nacionais, com suas peculiaridades e características.

A crise da representação política se torna mais intensa nas sociedades submetidas à bateria midiática, que, na esteira das pressões dos movimentos sociais, tem se tornado mais intensa. Certamente a massa de pressão tem contribuído para a conscientização social e consequente expansão da cidadania. Passamos, em nosso país, em decorrência das mazelas de nossa política, pelo ciclo de uma cidadania regulada, fruto da tradição de país que, antes dos direitos políticos, formou uma base de direitos sociais. Os organismos de representação política se transformaram, em determinados ciclos de nossa história, em ornamentos do regime. Mas os direitos sociais sempre constituíram massa de manobra dos nossos mandatários, particularmente nos tempos fechados das ditaduras (Estado Novo, ciclo militar de 64).

Sob essa ressalva, tomo a liberdade de pinçar um dos eixos da reforma política, o estatuto da fidelidade partidária. Começo com a constatação: alguns defendem a posição de que o governo e os candidatos situacionistas dispõem de melhores condições para fazer campanha que as oposições; apesar de ser esta uma posição razoável, não resiste ela à hipótese de que o eleitor é soberano e, como tal, deve saber escolher, entre diversos candidatos, aquele que é o melhor e o mais preparado para atender suas demandas e expectativas. Se não souber escolher, é porque a democracia do país em que vive ainda é imatura, fato que não justifica mudanças nas regras do jogo. A questão sobe para a alçada da educação para a cidadania, conforme nos ensina Norberto Bobbio.

Analisemos as posições. A reeleição, em primeiro lugar, se insere no escopo das melhores tradições democráticas, a partir dos Estados Unidos e de países europeus. Não se trata, portanto, de um fenômeno exclusivo do nosso país. Em segundo lugar, os benefícios da reeleição podem ser constatados pelos eleitores, a partir de uma visão de longo prazo, necessária para a harmonia e a eficácia administrativa. No Brasil, uma das maiores mazelas da política é a descontinuidade, que se apresenta nas milhares de obras inacabadas, elefantes brancos que enfeiam a paisagem, denotando a existência de um gigantesco PIB jogado no lixo. Tal descontinuidade decorre de uma cultura política, a qual, por sua vez, tenta desconstruir o que foi construído no passado. Cada administrador público quer lapidar sua própria imagem e, para tanto, se esforça para desfazer e apagar os feitos do antecessor.

Além do planejamento e execução de um programa, no longo prazo, a um custo político bem menor, os entes federativos — municípios, Estados e União — passam, hoje, por controles mais rígidos, a partir de um olhar atento dos eleitores e de sistemas de monitoramento a cargo dos Tribunais de Contas dos Estados, Controladoria Geral da União e Tribunal de Contas da União. A sociedade participativa deu respostas altamente positivas à reeleição, como podemos constatar, no último pleito de 2008, quando foram reeleitos quase 70% dos prefeitos. Trata-se da mais cabal manifestação de apoio ao estatuto da reeleição. O que se viu foi um perfil de candidato compromissado com as demandas sociais. A ele, a sociedade concedeu o passaporte da continuidade.

É evidente que o uso e o abuso da máquina administrativa constituem um problema, mas, para evitar as ilicitudes, o país conta com as Cortes eleitorais, sensíveis aos recursos e às denúncias feitas pelos movimentos e pela mídia. As cassações recentes de dois governadores estão a demonstrar a firmeza do Tribunal Superior Eleitoral em matéria de abuso do poder econômico e compra de votos. Pode-se aperfeiçoar o estatuto? Com essa finalidade, normas mais rígidas e claras podem ser baixadas pelos Tribunais. O maior aperfeiçoamento, porém, virá quando outros estatutos forem redimensionados, como o tipo de voto (voto distrital e misto, por exemplo), campanhas eleitorais menos extravagantes, maior transparência dos patrocinadores e maior fiscalização pela própria sociedade.

Entre o eterno recomeçar, fonte de gastos supérfluos, e a continuidade administrativa, matriz da racionalidade, a segunda alternativa é a melhor. Até porque se impregna da soberania popular, que garante ao cidadão o direito de escolher os seus governantes. Por esses motivos, acima expostos, defendo a recondução de Luiz Flávio Borges D’Urso à presidência da OAB SP.

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