SEGUNDA LEITURA

Estudantes têm preferido carreira pública à advocacia

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

24 de maio de 2009, 11h47

Vladimir Passos de Freitas 2 - SpaccaSpacca" data-GUID="vladimir_passos_freitas1.jpeg">

Atualmente observa-se um número considerável de pessoas referir-se com desconsideração, às vezes até desapreço, pela atividade profissional do advogado. Talvez pela multiplicação geométrica das Faculdades de Direito e de profissionais que entram anualmente no mercado. Ou por influência norte-americana, onde não raramente se fazem referências depreciativas aos advogados, inclusive em adesivos. Por esses ou por outros motivos, o certo é que uma enorme quantidade de estudantes de Direito excluem de seus sonhos esta profissão e manifestam o desejo de ingressar nas carreiras públicas.

No entanto, é preciso ver mais longe, avaliar as perspectivas profissionais com uma boa dose de razoabilidade. Ser um profissional bom, bem sucedido, útil à sociedade não é privilégio de policiais federais, agentes do Ministério Público ou magistrados. Um bom advogado pode fazer muito pelo próximo e, de sobra, colher bons frutos na sua profissão.
Um advogado de um sofisticado escritório de Direito Empresarial pode orientar seus clientes, geralmente empresas, a formalizar contratos vantajosos ou utilizar os benefícios da legislação. Mas outro, no lado oposto, pode ser um grande defensor de direitos de classes menos favorecidas, através de ações trabalhistas ou previdenciárias, atuando como um propulsor de distribuição de renda. Um profissional com perfil conciliador pode ter grande sucesso na área cível, formalizando acordos e evitando ações judiciais. Outro, na área penal, pode trazer conforto aos que se envolvem em acusações variadas, não sendo demais lembrar que a todos é assegurado o direito de defesa. Isto sem falar de áreas pouco exploradas, como a dos Direitos dos Estrangeiros ou das Execuções Penais.
E a casar estas palavras genéricas com a vida real, vejamos dois exemplos, sempre lembrando que eles devem ser sempre ressaltados. Sem hesitação. Devem servir de guia e estímulo às novas gerações. Vamos a eles. Um do passado e outro do presente.

Convivi por décadas com o advogado Ariosto Guimarães, OAB-SP 923, com escritório em Santos. Conheci-o quando, segundanista de Direito, entrei como estagiário em seu escritório, de onde saí formado. Fui também seu aluno na Faculdade Católica de Direito. Mas o que justifica a lembrança desse profissional? Afinal, são tantos que passam por nossas vidas e, sequer, recordamos o nome completo.

Ariosto Guimarães tinha interesse pelo Direito e pela vida. À boa bagagem jurídica, se aliava uma sólida cultura geral. Sua conduta ética era impecável. Certa feita, lendo uma contestação que o atacava, lá pelos meus 22 anos de idade, reagi furioso e disse a ele que esperava uma resposta à altura. Ele me olhou e disse: “não, de forma alguma, o conflito é entre as partes e não entre os advogados e, além disso, não quero que o juiz tenha desviado o foco da questão”.

Não raramente, pagava a mensalidade de alunos necessitados. Se um cliente deixava de pagar os honorários dizia: “não faz mal, o diabo me tira com uma mão, Deus me dá com a outra”. Comprou dezenas de lotes apenas para ajudar os corretores que o procuravam, inclusive em locais distantes de sua cidade, como Santa Vitória do Palmar, no extremo sul do país. E assim, só por ajudar, formou sólido patrimônio imobiliário. Quando um estudante ou um advogado lhe fazia uma consulta, apanhava um livro e dizia: “aqui está a resposta”, estimulando o estudo. Com 90 anos de idade inscreveu-se em um curso de computação. Com ele aprendi muito. Foi o único a dar-me explicações sobre temas esquecidos pela história, como o Tribunal de Segurança Nacional. Visitei-o e trocamos correspondência até a sua morte, com 96 anos.

O outro exemplo é atual e uma personalidade não menos rica. Refiro-me ao advogado de Porto Alegre e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Armando José Farah. Conheci-o em 1990, no Tribunal Rregional Feferal da 4ª Região, em razão de sua participação na banca do primeiro concurso para juiz federal substituto. Nele vi uma característica tão importante para o sucesso profissional e para a vida: o bom humor.

Desde aquela época até os dias de hoje, a cada contato, uma surpresa positiva. Nos momentos mais tensos, uma piada de bom gosto para amaciar os inevitáveis conflitos profissionais. Lutando tenazmente por seus clientes, jamais perdeu a elegância com os magistrados. E nem misturou questões profissionais com pessoais. Nas solenidades do TRF-4, sua presença foi se tornando obrigatória. Certa feita, na inauguração de uma Vara em Santa Cruz do Sul, no interior do Rio Grande do Sul, eis que surge ele, de tudo participa e depois tira fotografias de todos e as envia cortesmente.

Certa ocasião, em um hotel de Brasília, apresentei-o a Joachim Pedro da Rocha, um amigo argentino do Conselho da Magistratura daquele país. Saí por 20 minutos da mesa e, ao retornar, os dois estavam às gargalhadas, conversando como se fossem amigos há 20 anos. De outra feita, pude constatar como era recebido por funcionários de uma empresa. Todos se levantavam e iam em sua direção, com um ar de felicidade pelo encontro. Festejado e querido, o advogado Farah parece transformar cada novo conhecido em um amigo. E isto dentro e além fronteiras, pois, dominando vários idiomas teve sempre a facilidade da comunicação em qualquer parte.

Personalidades como estas dignificam a advocacia, espalham bons sentimentos, tornam o mundo melhor. São exemplos de vida e de sucesso profissional. Professores dentro e fora da sala de aula. Não devemos ser parcimoniosos em lembrá-los e dar-lhes o merecido destaque. Absolutamente. Devemos, sim, elogiar, apontar seus exemplos, para que iluminem, com o brilho que lhes é próprio, os jovens profissionais do Direito.

 

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!