Administração pública

Reavaliação de contratos tem objetivo declarado

Autor

  • Daniel Stein

    é especialista em Licitações e Contratos Públicos responsável pelo setor de assuntos governamentais do escritório VM&L Advogados

24 de maio de 2009, 8h00

Nos últimos meses de 1940 o mundo vivia uma grande crise, um conflito militar entre as grandes potências da época. Neste período, a cidade de Londres sofreu violentos bombardeios, mas os slogans da época repetiam: London can take it e Business as usual.

Diante da atual crise mundial, ressalvadas as devidas proporções, o governo do município de São Paulo editou o Decreto n. 50.935/09, dispondo sobre a reavaliação dos contratos em vigor e das licitações em curso em todos os níveis da administração municipal, cujo objetivo declarado é a redução de quantidades e preços, ainda que haja disponibilidade orçamentária para o respectivo cumprimento.

Na persecução deste objetivo, a administração sinaliza aos seus fornecedores e prestadores de serviço a possibilidade de eventual revogação ou modificação unilateral dos respectivos ajustes, caso a redução pretendida não se dê por acordo entre as partes.

É inegável o poder de modificação unilateral pela administração pública, bem como a possibilidade de rescisão unilateral. Mas convém ressaltar que esses poderes encontram limitações estipuladas na lei: a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro e a relação de hipóteses permissivas para rescisão unilateral, o que constitui uma reserva legal.

O manejo de cláusulas econômico-financeiras exige uma análise cuidadosa das circunstâncias atinentes a cada contrato, não bastando a mera flutuação de preços no mercado para embasar reduções de quantidade ou valores, justificando-se neste ponto a determinação do decreto para que as comissões de avaliação sejam constituídas por servidores com conhecimento técnico e jurídico. Logo, por salvaguarda, os prestadores e fornecedores devem se precaver de igual forma.

De fato, há uma variedade de situações para formação de preços que fogem da mera análise dos preços presentes. Pode acontecer, por exemplo, de um fornecedor ter formado um estoque previamente à contratação, pois queria garantir preço competitivo na época da concorrência. Hoje, diante da crise e da queda de preços, se este fornecedor for obrigado a reajustar seus preços oferecendo desconto ele poderá experimentar um prejuízo, pois o seu custo foi calculado em função do preço no passado e não em razão da atual crise.

Além da modificação unilateral, outra iniciativa descrita pelo decreto é o da rescisão unilateral, mas para esta também existem limites legais, como será demonstrado a seguir.

A reserva legal existente para rescisão unilateral é aquela expressa pelo art. 79, I, da lei federal n. 8.666/93. Este artigo faz referência a incisos do artigo 78 do mesmo diploma legal, os quais arrolam uma série de hipóteses para rescisão, a maior parte são referentes a problemas de execução contratual.

Portanto, a maior parte das hipóteses não é aplicável e com isso não haveria justificativa para a rescisão unilateral. Aquelas que, em tese, poderiam justificar tal medida, são perfeitamente passíveis de questionamento e devem contar com uma análise técnica e jurídica acurada das circunstâncias envolvidas.

Se para os ajustes em curso já há reservas para a aplicação efetiva do decreto municipal, para as licitações em curso há questões práticas de igual importância, que variarão de acordo com a fase em questão de cada procedimento licitatório, visto que os direitos dos licitantes, no caso, poderão ser meras expectativas ou já constituídos, o que importará em soluções diversas.

Isso porque existem elementos a serem considerados que não se restringem tão somente ao Decreto n. 50.935, mas também à lei federal de licitações, lei municipal de licitações e o respectivo decreto regulamentador.

A exiguidade do prazo é outro fator digno de nota nesta situação, pois até 20 de março de 2009 as reavaliações deverão ser concluídas pelas comissões competentes em todos os níveis da administração municipal, o que significa um tempo extremamente reduzido considerando a necessidade de análise circunstanciada de cada ajuste vigente e procedimento em curso.

Logo, todos os particulares envolvidos devem proceder com extrema cautela e diligência no cuidado de seus interesses: prontidão na defesa dos seus direitos nestes tempos de crise pode significar a viva aplicação dos slogans londrinos: podemos lidar com isso e os negócios continuarão normalmente.

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