Cada tribunal deve decidir qual a roupa adequada
17 de maio de 2009, 10h44
No domingo passado (10/5), a imprensa noticiava que o CNJ julgaria se as pessoas poderiam entrar de bermuda ou minissaia nos tribunais. A origem de tudo estava em uma determinação oriunda do Fórum de Vilhena (RO), que proibia a entrada de pessoas usando calção, bermuda, camiseta regata, minissaia, miniblusa, blusa com decote acentuado, chapéu e boné. Segundo a notícia, tudo começou porque um advogado local, sensibilizado pelo fato de um homem de baixa renda ter sido impedido de entrar no fórum, representou ao CNJ.
O julgamento, objeto de profundas e acaloradas discussões, acabou sendo adiado para a sessão seguinte. Nessa semana, segundo notícia jornalística, o CNJ indeferiu a anulação da norma restritiva. Vale dizer, manteve a portaria disciplinadora do modo de vestir.
A discussão não é nova. Vai e vem ao sabor dos tempos. No passado, se proibia que mulheres ingressassem nos tribunais de calça comprida. Certa feita, um juiz federal proibiu um indígena de participar de um julgamento porque estava em trajes típicos. Mais recentemente, houve caso de repercussão nacional com a suspensão de uma audiência trabalhista porque o reclamante estava de chinelo.
O que sempre vem à discussão é se os tribunais devem ter preservada a discrição, seriedade ou devem abrir-se às novas formas de comportamento social, exteriorizadas em roupas informais. No meio desta dúvida, surge o fator social a colocar uma pitada a mais na paixão que envolve o tema. É razoável exigir de um excluído social calça, camisa e sapato? E se ele não tiver?
Antoine Garapon é um dos poucos que enfrentam os temas ligados ao Judiciário, seus edifícios, o discurso, a encenação, ao se referir aos trajes, fala da toga, observando que, “se o rei delega aos magistrados a responsabilidade de fazer justiça, estes devem usar os mesmos hábitos do primeiro” (Bem julgar. Ensaio sobre o ritual Judiciário, Ed. Inst. Piaget, p. 81).
De uma forma ou de outra, em toda parte os tribunais são locais diferenciados. A arquitetura costuma ser clássica, escadas levam a um patamar mais alto, como a simbolizar um afastamento dos problemas terrenos. Salas de julgamento nas cortes de instância superior costumam ter pinturas clássicas, revestimento de madeira, cores escuras. Juízes ingleses ainda usam perucas nas sessões. Juízes americanos utilizam um pequeno martelo para manter a ordem. Salas com pinturas ou retratos buscam dar um ar perene aos que ali passaram.
No Brasil, o Regimento da Relação, de 1609, exigia que os desembargadores não usassem trajes de cor e andassem vestidos com as ópas (espécie de capa preta, sem mangas) no tribunal e na cidade (Memória da Justiça Brasileira, TJBA, 1993, p. 250). Atualmente, a toga é utilizada pelos juízes nos tribunais, sendo que os agentes do Ministério Público e os advogados usam becas. Na primeira instância, o uso é raro, ainda que obrigatório para os juízes federais (Lei 5.010/66, art. 31).
Como transpor a tradição de séculos para a rotina forense atual? Como portar-se diante de uma população totalmente diferente da existente algumas décadas atrás? Como deve conduzir-se o juiz-administrador em um mundo em que o traje informal (bermuda, chinelos, camiseta regata, etc.) tornou-se comum e aceito nos bancos, nas repartições públicas e no comércio? Qual o ponto limite de um traje? Admitida a camiseta regata, alguém irá depois sem camisa? Da bermuda se passará ao calção? Do calção à sunga? Como manter o respeito em uma época de quebra da hierarquia, decadência nos costumes e do empobrecimento de grandes massas nas periferias das cidades, sem condições de ter vestimenta formal?
É óbvio que não há uma resposta certa. E óbvio também que não é recomendável uma regulamentação nacional. Em um país continental como o nosso, costumes são diferentes. Bermuda e chinelo podem significar desdém pela Justiça em uma capital e o traje normal em uma ilha litorânea. Uma camiseta colorida pode ser aceita em um jovem artesão que comparece na Justiça do Trabalho, mas constituir um acinte se usada por um alto executivo em uma vara de crimes contra a ordem econômica da Justiça Federal. O paletó pode ser rotina na fria São Joaquim (SC), mas totalmente inadequado no clima quente de uma comarca do interior do Piauí.
O que se está a dizer é que, ao analisar o uso de trajes na Justiça, estamos diante de uma situação complexa em um mundo que se transforma velozmente. O caminho certo é adaptar-se aos novos tempos, mas passo a passo, com moderação. Esta adaptação passa, até, por um fator antes inimaginável: o aquecimento global. Com efeito, a elevação da temperatura resultará no uso de vestes menores e menos formais. No Japão, as empresas dispensaram os seus altos executivos do terno e gravata, como forma de reduzir os gastos com aparelhos de ar condicionado.
Em meio a esta babel de argumentos, opiniões conflitantes, casos peculiares, posicionamentos ideológicos e outros tantos fatores, somente de uma coisa se pode ter certeza: o sensato é deixar que nos tribunais e nas comarcas os que administram a Justiça fixem as regras, escritas ou não (o costume também é fonte do Direito), atentos à realidade local. E os excessos, quando surgirem, que sejam discutidos na instância administrativa ou judicial competente e corrigidos, quando necessário.
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