A transparência da Administração e o controle social
21 de junho de 2009, 12h35
A transparência dos atos da administração pública desperta sempre interesse geral. E não é sem razão. O cidadão comum, à exceção de um alienado ou de um excluído social, quer saber o que se passa no interior dos órgãos públicos. Está absolutamente certo, pois é ele que, com os tributos, alimenta a máquina administrativa.
Não será demais lembrar que, no Brasil, o acesso às informações dos órgãos públicos é garantido pela Constituição Federal (artigo 5º, incisos XIV e XXXIII) e pela Lei (9.784/1999, artigo 2º, § único, inc. V). O direito à informação não se restringe ao que consta nas repartições públicas, mas também na obrigação do Estado em produzir a informação, quando inexistente.
Por que é assim? A resposta é simples: quanto maior a transparência, maior o controle social e menor a probabilidade de arbitrariedade e corrupção. E, como é óbvio, quando se fala em Poder Público, entram os três, Executivo, Legislativo e Judiciário. E também todos os níveis, ou seja, federal, estadual e municipal.
Todos, indistintamente, devem prestar contas de seus atos ao administrado. A exceção são os casos em que o sigilo se impõe para preservar a dignidade das pessoas, segredos industriais, segurança da sociedade ou do Estado. Não é diferente no exterior. O Tratado de Amsterdã, que criou a Comunidade Européia, assinado em 1991 e em vigor em 1997, dispõe da mesma forma no seu artigo 225.
No Brasil, o tema voltou à discussão nesta semana. Com grande força e complexidade. O Senado, envolvido em uma de suas mais graves crises, passa por situação constrangedora. Atribui-se-lhe manter nomeações secretas e pagamento irregular a de cerca de 600 pessoas.
Segundo a Folha de São Paulo, os ex-diretores geral e de recursos humanos do Senado definiam quais atos (p.ex., criação de cargos e concessão de benefícios) deveriam ser publicados (20.6.2009, A4). Assim, uns seriam e outros não seriam tornados públicos. O jornal Estado de São Paulo informa que alguns nem sequer eram colocados em um arquivo de computador, para não vazar (19.6.2009, A11). Segundo consta, um mordomo estaria recebendo R$ 12 mil entre vencimentos e gratificações (20.6.2009, A1). A crise do Senado chega a afetar até o CNJ por atrasar a nomeação dos novos Conselheiros (20.6.2009, A6 e A8).
No âmbito do Poder Judiciário, a transparência vem melhorando. Notícias envolvendo magistrados vêm sendo publicadas. Decisões em processos criminais, inclusive no STF, são divulgadas. O site do CNJ, publica as correições feitas com informações nunca antes vistas. Mas ainda é pouco. Paira, na maioria das vezes, uma sombra sobre os que respondem ações penais. Principalmente nos casos de foro por prerrogativa de função. Clique aqui para ler mais sobre o assunto.
Não é assim nos Estados Unidos. Juízes que cometem crimes não apenas respondem por isso, como têm amplamente divulgada a ocorrência e o resultado final, inclusive com menção no Google. Vejamos. Os juízes do Estado de Louisiana, Vernon Claville e Michael Walker, acusados de terem praticado corrupção passiva, foram processados por um Júri Federal e condenados, respectivamente, a 5 e 10 anos de prisão e multa de $ 165 e $ 250. Confira no Ksl
Na esfera federal há registro de apenas três casos. O mais recente deles envolveu o juiz federal Samuel Kent da Corte de Galveston, a quem se atribuiu assédio sexual a duas funcionárias. Processado em primeira instância (não há foro por prerrogativa de função), o juiz Kent foi condenado a 3 anos de prisão. Leia mais sobre o assunto.
A situação no Brasil está longe desse estado de transparência absoluta. Mas não justifica desânimos. Há também avanços. O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, ordenou a divulgação dos gastos e a remuneração de seus 147.000 servidores. Tal atitude revela uma qualidade rara nos administradores: coragem. O Sindicato dos Professores Municipais ingressou em Juízo, obteve liminar em primeiro grau, cassada em segunda instância (Estado de São Paulo, 19.6.2009, C5). A batalha judicial promete ir longe. É possível que o ato administrativo contenha equívocos e que, na via judicial, até seja cassado. Pouco importa. O que vale é a iniciativa, a ação de tornar transparente a administração pública municipal. O mérito do prefeito (não conheço e nem voto em São Paulo) é inegável e deve ser reconhecido.
Quanto ganharia o Brasil com atitudes semelhantes? A quantificação é difícil. O ganho não seria apenas econômico. Iria muito além. A começar por um fato nem sempre percebido, mas objeto de nota da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), para quem “A corrupção e a decorrente impunidade constituem grandes ameaças ao sistema democrático” (Estado de S. Paulo, 19.6.2009, A14). Correta a conclusão. A descrença no Senado, no Poder Legislativo, nas instituições enfim, constitui ameaça direta à democracia.
Em suma, a transparência administrativa deve ser fortalecida. Afinal, ainda existem muitas dúvidas. Quanto se investe com a capacitação dos policiais nos estados? Quanto ganham os servidores do Legislativo? Quanto recebem a título de diárias? Quais as vantagens e benefícios assistenciais? Quanto se despende e quanto se arrecada com um concurso público para o Ministério Público? Quais os critérios para viagens de funcionários ao exterior? Isto, e muito mais, tem a sociedade civil o direito constitucional de saber.
Concluindo, a transparência administrativa é requisito para a existência de instituições fortes e da própria democracia. Mas ela não cairá do céu. Como tudo na vida, terá que ser conquistada. Isto só acontecerá se houver cobrança da sociedade civil organizada. Aos omissos, só resta o silêncio. E, por favor, não reclamem.
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