Extensão do território

Bandeira do navio define legislação a ser seguida

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18 de julho de 2009, 8h51

O registro da propriedade das embarcações determina a nacionalidade dos mesmos. Efetuado o registro, a embarcação estará habilitada a arvorar a bandeira do Estado de Registro, além de ter a proteção no alto-mar e outras vantagens inerentes à nacionalidade. Leandro Raphael diz que “O navio navegará sob a bandeira de somente um Estado e, salvo em casos expressamente previstos em Tratados Internacionais ou em Convenções, estará sujeito à sua exclusiva jurisdição quando em alto-mar. Um navio não pode mudar sua bandeira durante a viagem ou quando num porto de escala, salvo no caso de uma real transferência de propriedade ou mudança de registro” (2003: 42). Logo, um navio que navega sob bandeira de dois ou mais Estados, usando-as de acordo com sua conveniência, não pode alegar qualquer das nacionalidades a seu bel prazer e pode até mesmo ser considerado sem nacionalidade ou ser confundido com um navio pirata.

Considerando as condições e os pressupostos adotados por cada país, os registros das embarcações podem ser classificados em Registros Nacionais e Registros Abertos. Nos registros nacionais, o Estado que concede a bandeira controla os navios nele registrados, de acordo com sua legislação. Já os registros abertos, é o que será discutido neste artigo, mas primeiramente, se faz necessário alinharmos algumas questões que se referem à nacionalidade e registro das embarcações, bem como a relevância da adoção das Bandeiras de Conveniência.

Nacionalidade e registro
No alto-mar nenhum Estado exerce soberania, há um vácuo jurídico. Por esta razão foi criada a nacionalidade das embarcações, com o objetivo de proteção. Desta forma, o Estado que a concedeu, torna-se responsável pela sua proteção e as embarcações que tiverem a sua nacionalidade estarão sujeitas às leis de tal Estado.

Como bem salienta Leandro Raphael “É qualidade essencial para o navio poder gozar de proteção em alto-mar e das vantagens inerente à nacionalidade. A prova da nacionalidade é o direito do navio de navegar arvorando a bandeira do país que a concedeu. Recebendo a nacionalidade, o navio passa a ser considerado um domínio do país que a concedeu” (2003: 40). Assim, um navio sem nacionalidade é um navio suspeito, podendo ser considerado como pirata.

Cabe lembrar que o navio é extensão do território de um Estado, o que significa que mesmo que um navio se encontre no território de outro Estado, as pessoas que se encontram a bordo estão sujeitas às leis do país cuja bandeira o navio arvora. Da mesma forma, nascimentos, mortes e casamentos a bordo são, portanto, considerados como se tivessem ocorrido no país que concedeu a nacionalidade ao navio, mesmo que este esteja atracado.

Os critérios, pressupostos e condições para a aquisição da nacionalidade são fixados por lei e variam conforme o Estado, mas em geral dizem respeito à construção, propriedade, nacionalidade, equipagem ou critério misto. O critério misto é o critério adotado pelo Brasil nos termos da Lei 9.432/97. A Convenção das Nações Unidas sobre condições para o registro de navios tentam dar um sentido para o se chama de elo genuíno entre o navio e o estado. Porém, esta vem sendo duramente criticada pelo fato dos países que adotam os registros abertos não mais registrarem seus tripulantes. Foi criado depois desta Convenção o Registro Estrangeiro ou Segundo Registro.

No caso do Brasil, para a embarcação adquirir a nacionalidade brasileira, o proprietário, se pessoa física, deverá ser residente e domiciliado no Brasil, além de dois terços da tripulação ter de ser brasileiros. Dentre os direitos e privilégios da nacionalidade brasileira estão: a navegação de cabotagem; auxílio financeiro; reserva de carga (no caso de cargas especiais que devem ser carregadas por navios brasileiros), bem como apoio consular no estrangeiro. O Brasil instituiu o Segundo Registro denominado Registro Especial Brasileiro (REB) previsto na Lei 9.432/97 que dispõe sobre a ordenação do transporte aquaviário e dá outras providências.

Relevância da adoção do registro das bandeiras
O primeiro fator de importância do registro da propriedade das embarcações, é que, uma vez registradas, elas adquirem a nacionalidade do país que as registrou. Efetuado o registro, estará habilitada a arvorara a bandeira do Estado de registro e gozará de proteção em alto-mar como também de outras vantagens inerentes à nacionalidade.

O princípio da nacionalidade dos navios possui dois aspectos. O primeiro, interno, concerne às condições que cada Estado fixa para outorgar o uso de sua bandeira. O segundo refere-se ao Direito Internacional, que visa organizar a juridicidade no alto mar, atrelando a conduta nos navios ao ordenamento do Estado que concedeu a bandeira.

Registros abertos: segundo registro e bandeiras de conveniência
Os registros abertos são caracterizados pela facilidade em se realizar o registro, pelos incentivos fiscais, pela não imposição de vínculo entre o Estado de registro e o navio, pela flexibilidade na fiscalização das embarcações neles registradas, pela legislação menos severa no que diz respeito à segurança e equipamento a bordo, não sendo necessário vínculo entre o Estado de Registro e o Navio. Os registros abertos podem ser classificados em: segundo registro e em bandeira de conveniência.

As bandeiras de conveniência assim como o segundo registro são registros abertos. O que as diferencia é a rigorosidade na fiscalização. Nas bandeiras de conveniência quase não há exigências quanto à equipagem e a instalação de empresa no país, já no segundo registro há algumas exigências. As bandeiras de conveniência também são mais tolerantes que os segundos registros no que se refere ao cumprimento de Convenções Internacionais.

O segundo registro (second register) ou registro internacional (offshore register)
Foi criado em alguns países visando a resguardar a sua frota mercante. Oferece vantagens semelhantes às bandeiras de conveniência. É concedido por nações que já possuem registro nacional a navios de sua ou de outras nacionalidades. O segundo registro submete o navio a todas as leis e convenções internacionais, concernentes à segurança da navegação, excetuando, em alguns países, a leis trabalhistas, subvenções e incentivos concedidos aos navios de registro nacional.

As bandeiras de conveniência ou Rochdale Commision Report de 1970
É a técnica para se registrar o que se chama de Direito Aberto, não havendo muitas exigências quanto à residência dos estrangeiros, permitindo também o registro de navios pertencentes ou controlados por estrangeiros e a possibilidade de serem tripulados por estrangeiros. Caracteriza-se pela facilidade e rapidez nos processos de registro, onde muitas vezes para a realização do registro sequer realizam vistoria para pelo menos ter ciência da existência ou não do navio.

Não há tributação das receitas oriundas da exploração dos navios, ou quando tributadas, os impostos são mínimos. Por esta razão, os países que adotam as bandeiras de conveniência são considerados como paraísos fiscais.

Além disso, podemos destacar também o fato das taxas iniciais de registros e a manutenção das mesmas serem bem baixas. Também temos a impossibilidade do governo anfitrião utilizar os navios para propósitos próprios.

Destaca-se também a inexistência de legislação ou métodos administrativos destinados ao controle das empresas de navegação. Aliás, nem a contabilidade é fiscalizada, sendo a legislação, portanto, completamente flexível e a legislação trabalhista é favorável. A não exigência de vínculo do Estado da bandeira com o navio e a não observância de legislações e regulamentos decorre do fato de os Estados que concedem as bandeiras de conveniência não serem signatários ou na cumprirem os preceitos da Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar e de outras convenções internacionais importantes no contexto da navegação como, por exemplo, a Marpol, Solas, CLC/69 e o ISM Code.

Dentre os exemplos de países que adotam a bandeira de conveniência, atualmente estão: Bahamas, Bermudas, Bolívia, Camboja, Chipre, Costa Rica, Filipinas, Guiné Equatorial, Honduras, Ilhas Cayman, Ilhas Cook, Panamá. Dentre os países cujo Registro Marítimo Internacional permite que navios que não possuem vínculo nacional arvorem sua bandeira estão: Alemanha, Antilhas, Gibraltar, Ilhas Marshal, Líbano, Luxemburgo, San Vicente, Santo Tomé e Príncipe, Sri Lanka, entre outros.

O fator condicionante para a ocorrência de tantos países adotarem os registros abertos é, sem dúvida, a questão econômica, já que estão sendo utilizadas como estratégias empresariais que visam maior eficiência e lucratividade. Porém, deve-se analisar que as adoções desses registros podem ocasionar condições insatisfatórias de trabalho da tripulação, evasão de divisas dos países que concedem registros nacionais e o tráfico de terceira bandeira, isto é, promoção de tráfego marítimo estranho à mobilização do comércio exterior do país cuja bandeira arvora, o que impossibilita o controle, a fiscalização e a inspeção do navio por parte das autoridades do Estado de Registro.

Além desses aspectos negativos ocasionados pela navegação de navios com registros abertos, destacam-se também os desastres marítimos. Em decorrência dessas catástrofes surgiram reações contrárias aos registros abertos, sobretudo, em relação às bandeiras de conveniência, já que as evidencias mostraram que os maiores problemas em relação aos aspectos econômicos, sociais, ambientais e internacionais da navegação ocorreram com navios que ostentavam tais bandeiras.

Considerações finais
Constata-se que os problemas sociais, econômicos, ambientais e internacionais é um fato na realidade internacional hoje. Não podemos deixar de lembrar a realidade dos trabalhadores dessas embarcações, uma vez que esses navios ferem os preceitos da Organização das nações Unidas sobre Direito do Mar, que diz respeito à obrigação dos Estados sobre os navios de suas respectivas bandeiras.

O percentual destas embarcações é alarmante, girando em torno de 50% da frota mercante mundial, o que tende cada vez mais a aumentar, tendo em vista o barateamento dos custos, a não observância dos preceitos de qualificação e certificação de mão-de-obra a não submissão aos sindicatos e o não cumprimento da legislação do Estado de bandeira e das convenções internacionais, o que gera inúmeros problemas, principalmente, aos trabalhadores dessas embarcações, que em geral não se sujeitam a normas mínimas de saneamento, segurança e proteção ambiental, por exemplo, estando o trabalhador, a mercê de sua própria sorte.

Dentre os principais problemas dos navios de bandeira de conveniência estão além dos já citados a exaustiva jornada de trabalho, ausência de normas mínimas de segurança e a falta de materiais de trabalho, equipamentos de proteção, remédios e até de alimentação. Espera-se, portanto, que este trabalho tenha contribuído, ainda que de forma simplificada, para apresentar uma situação muitas vezes desconhecida por parte de quem não vive do mar. Os Registros Abertos são uma realidade que precisa urgentemente ser modificada, tendo em vista a melhoria das relações do transporte, da economia, das questões ambientais e, sobretudo, das condições do trabalhador, que deve ter preservada a sua dignidade humana.

Referências
BRASIL. Decreto nº 1.530, de 22 de junho de 1995. Disponível em: http://www2.mre.gov.br/dai/m_1530_1995. Acesso em: 01 de junho de 2009.

RANGEL, Vicente Marotta. Nova Ordem Internacional: Fundos Oceânicos e Solução de Controvérsias no Direito do Mar. In O Direito na Década de 1990: Novos Aspectos: estudos em homenagem ao Prof. Arnold Wald. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1992.

RAPHAEL, Leandro. Direito Marítimo. São Paulo: Aduaneiras: 2003.

REVISTA ANAMATRA. Trabalhadores do Mar. XVIII, nº 52, Brasília: 2007.

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