Liberdade de expressão

Juizado Especial censura jornal no Espírito Santo

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11 de julho de 2009, 9h44

O jornal online Século Diário, de Vitória (ES), foi condenado a retirar do ar três reportagens publicadas recentemente, tendo como tema central a atuação de dois juízes do estado. O inusitado no caso é que a decisão de censurar o jornal foi proferida por Marcos Horácio Miranda, juiz do 2º Juizado Especial Cível Adjunto-Ufes, de Vitória. A ação foi ajuizada por colegas do sentenciante, os juízes Carlos Magno Moulin Lima e Flávio Jabour Moulin, ambos também atuando em juizados especiais. Os dois foram apontados nas reportagens como responsáveis por um suposto esquema de perseguição a advogados nos Juizados Especiais do Espírito Santo.

Segundo informações publicadas nesta quinta-feira (9/7) no veículo capixaba, os dois juízes pediram indenização por danos morais no valor equivalente a 20 salários mínimos, além do pedido de retirada das reportagens do ar. Esse é o valor-limite para o ingresso de ação no Juizado Especial sem a necessidade de advogado. Além do limite de valor pecuniário das ações, os Juizados Especiais foram criados para julgar matérias de menor complexidade.

O Século Diário também esclarece que “os autores justificam a ação judicial com base no direito de resposta que é assegurado a qualquer cidadão”. Ainda segundo o Século Diário, antes mesmo de tomar conhecimento do processo, o jornal publicou uma carta-resposta enviada pelo juiz Moulin Lima. Os textos censurados foram publicados nos dias 26 de junho e 2 e 3 de julho deste ano.

Para o advogado Alexandre Fidalgo, avaliar a complexidade da matéria é uma questão abrangente, de entendimento de cada juiz, e que não há lei que impeça o Juizado de prover este tipo de decisão. "No caso de questões relacionadas à imprensa, trata-se de uma questão constitucional, que afeta a sociedade, por isso não deveria ser julgada em um Juizado Especial". Ele explica que antes da revogação da Lei de Imprensa (Lei 5.250/67), havia argumento legal para isso. "No caso da Lei 9.099, que regula a competência dos Juizados, é preciso um Mandado de Segurança para combater uma decisão liminar de tirar a informação do ar, por exemplo". 

Segundo reportagem publicada pelo jornal, o 2º Juizado Adjunto da Ufes, é hoje, dos dez Juizados Especiais existentes na Capital, um dos três únicos que não estão subordinados à distribuição automática de processos, podendo a parte interessada elegê-lo e lá protocolar livre e diretamente sua demanda. "Por essa circunstância, foi o juiz Marcos Horácio Miranda o escolhido para despachar o processo, acatando integralmente o que pleiteavam seus colegas Carlos Magno e Flávio Jabour".

Os juízes Flávio Jabour Moulin e Carlos Magno Moulin Lima também atuam em Juizados Especiais do estado. Eles são, respectivamente, filho e sobrinho do desembargador Alemer Ferraz Moulin. De acordo com informações divulgadas pelo jornal, os autores moveram 18 ações contra advogados, entre representações criminais, pedidos de indenização ou danos morais.

Segundo o editor-chefe do jornal, Stenka do Amaral Calado, os advogados do veículo estão estudando um meio de suspender a decisão. "Tudo indica que houve uma exorbitância, mas se entrarmos com recursos no mesmo juizado, este será julgado pelos mesmos juízes, o que parece ser uma perda de tempo", explica.

Processo 024.09.018.872-3

Leia a nota da redação do jornal Século Diário
A Redação de Século Diário, cumprindo ordem do juiz Marcos Horácio Miranda, do 2º. Juizado Especial Cível Adjunto-Ufes, retirou do ar as matérias publicadas nos dias 26 (relativa ao dia anterior) de junho e 02 e 03 de julho do corrente ano, em virtude da ação número 024.09.018872-3, movida pelos juízes Carlos Magno Moulin Lima e Flávio Jabour Moulin. Os dois magistrados, além do pedido de censura, requerem indenização “por danos morais” no valor equivalente a 20 salários mínimos, quantia que dispensa a necessidade de contratação de advogado para defender a causa perante o Juizado Especial. Para justificar a medida violenta contra a liberdade de imprensa, os autores justificam a ação judicial com base no direito de resposta que é assegurado a qualquer cidadão. Ocorre que Século Diário, antes mesmo de ter conhecimento da mencionada ação judicial, já havia conferido o direito de resposta pleiteado por carta do juiz Carlos Magno Moulin Lima, conforme matéria publicada na data de 08 de julho de 2009.

Portanto, a ordem judicial, violenta e desnecessária, põe em xeque, mais uma vez, a lisura do Poder Judiciário capixaba, demonstrando a intenção inequívoca de censurar a liberdade de a imprensa divulgar os fatos à sociedade. Da mesma forma que cabe ao Judiciário julgar os cidadãos no Estado de Direito, cabe à sociedade conhecer as atitudes dos magistrados, através de uma imprensa livre, e fazer o seu próprio julgamento do Poder Judiciário.

Ressalte-se que as matérias censuradas tinham por objetivo, justamente, dar conhecimento à sociedade da prática recorrente do ajuizamento de ações por magistrados, utilizando-se do Poder Judiciário do qual fazem parte, toda vez que seus interesses são contrariados.

Século Diário vem levantar o seguinte questionamento à sociedade capixaba: deve o Poder Judiciário julgar o comportamento dos seus próprios membros? Ou a sociedade possui o direito de ser informada, e fazer ela própria o julgamento de opinião a respeito da conduta dos juízes?

Não se nega ao juiz, enquanto cidadão, buscar o amparo de seus direitos. No entanto, há um limite muito tênue entre o cidadão e o cidadão-juiz, em um Poder Judiciário corrompido pelo nepotismo e pela advocacia promovida por magistrados, o que culminou na “Operação Naufrágio”.

Nos anos de chumbo (1968-1974), os acusadores também eram os próprios julgadores e executores das decisões. Nota-se, assim, que estamos à beira de viver em um simulacro de Estado de Direito, onde aqueles que condenam agora são os mesmos que acusam, censuram a imprensa e executam seus adversários. Espera-se que o Poder Judiciário, após os escândalos que se viu envolvido, não busque servir aos seus próprios membros como escudo à ciência dos seus atos pela população. Afinal, no Estado de Direito, devem governar as leis, e não os homens.  

Clique aqui para ler as matérias censuradas.

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