Defesa cancerígena

Uso seguro do amianto só é possível na teoria

Autor

  • Eduardo Algranti

    é chefe do serviço de Medicina da FUNDACENTRO e membro do Comitê Consultivo da Organização Mundial da Saúde em Saúde Ocupacional.

14 de dezembro de 2009, 16h34

No artigo intitulado “Segurança do amianto crisotila cumpre norma com folga”, redigido pela Dra. Maria Júlia de Aquino e publicado eletronicamente no Consultor Jurídico em 30 de novembro de 2009, fui citado por uma declaração prévia a respeito do baixo risco de desenvolvimento de doenças associadas ao amianto em moradores de residências que contenham produtos de cimento-amianto instalados.

Embora a citação seja correta, ela se insere num contexto de defesa da continuidade do uso do amianto crisotila e do apoio a um projeto de lei que altera a legislação estadual paulista de proibição da mineração, transformação industrial, comércio e transporte e amianto, para novas regras, admitindo um “período de transição”, em que o produto voltaria a ser utilizado no estado, o que é absolutamente contrário à minha posição e à posição da Fundacentro.

A nocividade do amianto crisotila é inconteste. O amianto crisotila é um produto químico classificado dentro do Grupo 1 das substâncias carcinogênicas pela International Agency for Research of Câncer (IARC), organismo da OMS. Isto significa que há suficientes evidências experimentais e epidemiológicas que permitem classificá-lo como cancerígeno. O amianto é o cancerígeno ocupacional mais descrito na literatura científica e um cancerígeno ambiental reconhecido. A OMS e a OIT entendem que a única forma de se prevenir as doenças associadas ao amianto é através da cessação da sua utilização (http://www.who.int/occupational_health/publications/asbestosrelateddiseases.pdf, http://www.ilo.org/public/english/standards/relm/ilc/ilc95/pdf/pr-20.pdf (pgs 47 a 52)). Em adição aos cânceres do sistema respiratório baixo e membranas que recobrem os pulmões, o peritôneo e o pericárdio, o amianto é também causalmente associado ao câncer de laringe e câncer de ovário (www.thelancet.com/oncology, Vol 10 Maio 2009). Mesmo que houvesse a hipotética situação de banimento global, vamos continuar a diagnosticar casos de cânceres associados ao amianto ainda por muitas décadas, devido ao longo período que estas doenças levam para se manifestar. Até o presente, nenhuma das fibras substitutas ao amianto está classificada dentro do Grupo 1 do IARC.

A “utilização segura” do amianto crisotila no seu ciclo de produção até o descarte final é não só inviável na prática, como mentirosa. Quem controla a sua “utilização segura” na construção civil? Quem controla a sua “utilização segura” em manutenção de máquinas, equipamentos e instalações que contenham amianto? Quem controla a sua “utilização segura” em reformas e demolições? Quem controla a contaminação de locais previamente utilizados para armazenamento e/ou a produção de produtos contendo amianto? Estas são algumas poucas das muitas razões que nos levam a defender o banimento do seu uso no território nacional, assim como advertir sobre os riscos a que estão submetidas pessoas em outros países que continuem a importar e utilizar amianto, seja ele brasileiro, russo, canadense ou chinês.

A colocação da missivista “Afirmação que se comprova quando analisamos o histórico de 70 anos de produtos de fibrocimento com amianto crisotila, sem registro de um único caso de doença relacionada ao seu uso”, é um jogo de palavras deplorável. Somente no nosso serviço temos dezenas de pacientes com doenças adquiridas pela exposição ao amianto na produção de artefatos de cimento-amianto brasileiros, alguns já falecidos por câncer associado ao amianto.

O problema, de fato, não se encontra nas pessoas que moram nas residências que têm cobertura de cimento-amianto ou que usam caixas d’água deste material. Para se demonstrar o problema é simplesmente necessário ter coragem e decência para desvelá-lo. Os profissionais que atuam na área sabem onde encontrá-lo. É só querer.

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