Busca de nova Justiça

Justiça brasileira ainda tarda e falha no básico

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7 de abril de 2009, 11h11

Editorial da Folha de S.Paulo

O exame de uma instituição problemática como a Justiça redunda por vezes em efeito paradoxal: a exposição continuada de mazelas pode impedir o reconhecimento dos avanços. Em meio a tanto debate -aliás justificado- sobre sua morosidade, parece um contrassenso que 80% dos brasileiros considerem valer a pena procurar os tribunais e 53% se digam satisfeitos com os resultados aí obtidos.

O resultado provém de sondagem nacional encomendada pela Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (RJ) ao Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas. O estudo foi objeto de artigo, na Folha, de Joaquim Falcão, membro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

A pesquisa evidencia que o conceito da Magistratura é positivo (39% julgam-na ótima ou boa). E, também, que vai mudando: para 44%, a Justiça melhorou nos últimos cinco anos. No detalhe, contudo, a opinião da maioria apresenta-se devastadora para o Judiciário, visto como lento (88%), caro (78%), enviesado (69%) e influenciável (63%). Não poderia ser de outra forma, porque da sensação de melhora à de eficiência vai alguma distância. Num país em que assassinos podem aguardar em liberdade uma década ou mais até ver sua condenação transitar em julgado, a Justiça ainda tarda e falha no básico, impedir a impunidade.

Bem avaliada é a Justiça à que a massa dos brasileiros tem acesso, a do Trabalho, considerada a de melhor atuação por 41% dos entrevistados. Em segundo lugar vêm os juizados especiais. A população parece demandar menos processos arrastados e mais conciliação, com o pragmatismo que muitas vezes falta a juízes.Já se avançou alguma coisa na disposição para realizar a modernização gerencial da Justiça, como atesta a recente adoção da meta ambiciosa de julgar neste ano todos os processos distribuídos até 2005 -ou 40 milhões dos 67 milhões de casos ativos nos 97 tribunais do país. Para isso seria necessário dobrar a produtividade dos magistrados brasileiros, o que soa inexequível em tão pouco tempo.

Uma contribuição seria reduzir para 30 os 60 dias anuais de férias dos magistrados (aos quais se somam 15 de recesso). Providência similar em Portugal melhorou em 9% a produtividade. Espera-se que o ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal e do CNJ, elimine este privilégio no projeto de Lei Orgânica da Magistratura Nacional que finaliza.

O efeito desburocratizador da negociação e dos acordos nas áreas trabalhista e civil não se repete na Justiça criminal, gargalo particularmente sensível. O amplo direito à defesa representa valor que não pode e não deve ser cerceado em nome da agilidade, mas permanece um campo extenso para magistrados atuarem de modo mais decidido contra a cultura de protelação que ainda viceja no país.

A imagem da Justiça progride, o que é ótimo. Mas a melhora só vai continuar se o Judiciário for capaz de cumprir seu papel com mais celeridade.

[Editorial publicado no jornal Folha de S.Paulo, desta terça-feira, 7 de abril]

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