Instituição familiar

STJ manda Vara de Família decidir sobre união gay

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2 de setembro de 2008, 18h41

O Superior Tribunal de Justiça decidiu que a Constituição não proíbe expressamente a união estável entre gays. E, assim, abriu a possibilidade para que homossexuais formem uma família. Os ministros mandaram a 4ª Vara de Família de São Gonçalo (RJ) julgar o processo ajuizado pelo agrônomo brasileiro Antônio Carlos Silva e o canadense Brent James Townsend. A ação foi extinta sem análise do mérito. Agora, deve retornar para a primeira instância. O objetivo principal do casal é pedir visto permanente para que o estrangeiro possa viver no Brasil, a partir do reconhecimento da união estável. Eles vivem juntos há 20 anos.

É a primeira vez que o STJ analisa o caso sob a ótica do Direito de Família. Até então, a união homossexual vem sendo reconhecida pelos tribunais como sociedade de fato, sob o aspecto patrimonial. A votação na 4ª Turma foi por 3 votos a 2. Com o voto desempate do ministro Luís Felipe Salomão, a Turma afastou o impedimento jurídico para que o mérito do pedido seja analisado na vara de família.

O ministro Luís Felipe Salomão acompanhou o entendimento do relator do caso, Antonio de Pádua Ribeiro. Salomão ressaltou, em seu voto, que a impossibilidade jurídica de um pedido só ocorre quando há expressa proibição legal. E, no caso em questão, não existe nenhuma vedação para o prosseguimento da demanda que busca o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo.

O casal entrou com ação de reconhecimento da união na primeira intância. Os dois alegaram que vivem juntos há anos de forma duradoura, contínua e pública. O pedido foi negado e o processo extinto sem julgamento do mérito.

Por isso, eles recorreram ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que também rejeitou a proposta. Para os desembargadores, não há previsão legal para tal hipótese na legislação brasileira. O caso foi parar, então, no STJ.

Os fundamentos

O julgamento estava empatado no STJ. Os ministros Pádua Ribeiro e Massami Uyeda votaram a favor do pedido. Eles entenderam que a legislação brasileira não traz nenhuma proibição ao reconhecimento de união estável entre pessoas do mesmo sexo. Os ministros Fernando Gonçalves e Aldir Passarinho Júnior negaram o recurso. Para eles, a Constituição Federal só considera a relação entre homem e mulher como entidade familiar.

O ministro Luís Felipe Salomão também ressaltou que o legislador, caso desejasse, poderia utilizar expressão restritiva de modo a impedir que a união entre pessoas do mesmo sexo ficasse definitivamente excluída da abrangência legal, mas não procedeu dessa maneira.

Ele concluiu seu voto destacando que o STJ não julgou a procedência ou improcedência da ação — ou seja, não discutiu a legalidade ou não da união estável entre homossexuais —, mas apenas a possibilidade jurídica do pedido. O mérito será julgado pela Justiça fluminense.

Direito patrimonial

O direito patrimonial de casais do mesmo sexo não é novidade no STJ. A Corte já possui jurisprudência sobre questões patrimoniais, pensão e partilha de bens, dentre outras.

O primeiro caso apreciado no STJ (Resp 148.897) foi relatado pelo ministro Ruy Rosado de Aguiar, hoje aposentado. Em 1998, o ministro decidiu que, em caso de separação de casal homossexual, o parceiro teria direito de receber metade do patrimônio obtido pelo esforço comum.

Também já foi reconhecido pela 6ª Turma do STJ o direito de o parceiro (Resp 395.804) receber a pensão por morte do companheiro. O entendimento, iniciado pelo ministro Hélio Quaglia Barbosa quando integrava aquele colegiado, é que o legislador, ao elaborar a Constituição Federal, não excluiu os relacionamentos homoafetivos da produção de efeitos no campo do direito previdenciário, o que é, na verdade, mera lacuna que deve ser preenchida a partir de outras fontes do direito.

Em uma decisão mais recente (Resp 773.136), o ministro Humberto Gomes de Barros negou um recurso da Caixa Econômica Federal. O banco pretendia impedir que um homossexual colocasse seu companheiro como dependente no plano de saúde. Segundo o ministro, o casal atendia às exigências básicas para a concessão do benefício, como uma relação estável de mais de sete anos e divisão de despesas, entre outras.

Ponto de vista

A advogada Renata Catão, do escritório Edgard Leite Advogados Associados, discorda da maioria dos ministros e diz que faz parte da corrente do voto vencido. Para ela, os casais homossexuais devem ter os seus direitos garantidos na esfera do direito obrigacional e não no campo de família. “A Constituição reconhece união estável só entre homem e mulher”.

Já a especialista em Direitos de Homossexuais, Sylvia Maria Mendonça do Amaral, do escritório Mendonça do Amaral Advocacia, explica que essa decisão representa um avanço que certamente contribuirá para mudanças nos rumos da sociedade. “Agora, a tendência é que grande parte de pedidos semelhantes sejam analisados sob a ótica do Direito de Família, já que o STJ o fez, de forma inédita”.

Sylvia ressalta, ainda, que a nova determinação do STJ poderá modificar também a visão dos direitos dos homossexuais, tanto no Judiciário como em futuros projetos do Legislativo. “É um passo dado em sentido ao reconhecimento dos direitos dos homossexuais. Reconhecendo-se que o pedido, feito de forma enviesada, poderá ser atendido. Para a advogada, fica abalada a tese utilizada por muitos julgadores, que defendem que, se não há previsão legal, o direito não pode ser reconhecido.

O casal homossexual foi representado pelo advogado Eduardo Coluccini Cordeiro, sócio do escritório Azevedo Sette Advogados.

Resp 820.475

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