Segunda leitura

Segunda leitura: soluções para aproximar a Justiça dos excluídos

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  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

12 de outubro de 2008, 1h00

Vladimir Passos de Freitas 2 - por SpaccaSpacca" data-GUID="vladimir_passos_freitas1.jpeg">O tema acesso à Justiça entrou na pauta de discussões no Brasil a partir do clássico livro de Cappelletti e Garth, que leva o mesmo nome (S. Fabris, 1988, trad. Ellen Northfleet). O estudo dos autores chamou a atenção para os problemas do efetivo acesso à Justiça, não o meramente formal, principalmente nas ações coletivas e para os economicamente menos favorecidos.

A legislação brasileira, que até então contava apenas com a antiga Lei 1.060/50, que cuidava da assistência judiciária, começou a direcionar-se para alargar o acesso à Justiça. Passos importantes foram dados com a Lei 6.939/81 (deu legitimidade ao MP para propor ações coletivas ambientais), Lei 7.347/85 (idem às ONGs), a Constituição de 1988 (assegurou o acesso à Justiça como garantia de direito individual, artigo 5º, LXXIV), Lei 9.099/95 (criou os Juizados Especiais, que permitem a apresentação de requerimentos orais e sem advogado) e outras tantas.

No entanto, muito embora o acesso à Justiça tenha se tornado mais fácil para pessoas jurídicas ou pessoas físicas de nível social mais elevado, não se dá o mesmo com aqueles em pior situação econômica. Por exemplo, um cidadão que receba até R$ 800 não disporá de meios para pagar um advogado. Poderá valer-se, é verdade, de um defensor público. Mas estes ainda são em número pequeno para as necessidades. Outra hipótese será um Defensor dativo, nomeado pelo juiz ou indicado pela OAB, cuja qualidade dos serviços variará caso a caso. Mas os deste grupo, bem ou mal, conseguem chegar à Justiça, principalmente aos Juizados Especiais.

O problema maior mesmo se dará quando a necessidade for de um excluído social, aquele que se encontra abaixo da linha de pobreza. Os que dispõem apenas do mínimo para o abrigo e alimentação, ou, por vezes, só alimentação. São os que vivem em espaços públicos (por exemplo embaixo dos viadutos), os habitantes das favelas da periferia das grandes cidades (São Paulo, capital, tem 1.565 favelas, O Globo, 11.10.08, p.11), os que invadem e vivem em construções inacabadas, os que constroem habitações em cima de mangues ou nas encostas dos morros, enfim, os que nada têm e que não sabem quais são, nem como reivindicar, seus direitos.

A dura realidade destes milhares de brasileiros, que já se encontram inclusive nas cidades de porte médio, foi bem retratada em entrevista feita com um catador de lixo em Curitiba (vide site d www.ibrajus.org.br). Nela se tem uma amostra do quadro social que vem aumentando nos últimos tempos.

O entrevistado, originário do Paraná, tem uma vida parecida à de outros tantos que lhe são semelhantes. Filho de criação (possível problema de família), nascido no interior, migrou para a capital (Curitiba), é pouco mais que alfabetizado. Recolhe papel, garrafas PET e latas de cerveja para um terceiro, que lhe aluga o veículo que puxa pelas ruas da cidade. Trabalha durante todo o dia recolhendo lixo reciclável e recebe cerca de R$ 100 por semana. Vê-se das respostas que o seu único contato com a Justiça foi quando foi preso sob a acusação de ter agredido a mulher. Desconhece por completo o Judiciário, nunca ouviu falar em Justiça do Trabalho ou Juizado Especial. Perguntado sobre a quem procura para resolver um conflito, e se havia algum chefe de facção criminosa atuando como árbitro no local onde mora, prudentemente disse desconhecer tal fato e que, na sua favela, as pessoas costumavam evitar problemas. Mas deixou bem claro que se tivesse que procurar alguém iria à Polícia.

Abstraindo outros problemas na vida do “carrinheiro” entrevistado, como a falta de perspectiva de vida para o futuro ou problemas de saúde que, apesar de novo, já tem, cumpre analisarmos a situação do ponto de vista do acesso à Justiça. É evidente que os excluídos sociais muitas vezes têm algum tipo de direito a reclamar. Pode ser contra aquele que compra os resíduos que recolhe, pode ser uma certidão de nascimento que precisa ser retificada, o FGTS de um ascendente falecido, um benefício assistencial junto ao INSS, um seguro por morte de um parente em acidente de trânsito e outros tantos.

Sem a pretensão de esgotar o assunto, algumas medidas podem ser cogitadas para aproximar o excluído dos seus direitos. Vejamos: a) os TJs podem procurar instalar Juizados Especiais nas zonas de residência dos excluídos, quiçá funcionando nos fins-de-semana em colégios estaduais (por certo é algo de difícil execução, mas que pode ser tentado) ou ocupar espaço nos postos do Poder Executivo encarregados de fornecer documentos de identidade, CNH e outros; b) os TRFs podem promover mutirões de tempo limitado (por exemplo 10 dias) nas zonas de residência dos excluídos, orientando e atendendo casos de assistência e previdência social; c) idem os TRTs para matéria trabalhista; e) as Faculdades de Direito poderão direcionar estágios para atendimento específico dessas pessoas; f) as Defensorias Públicas podem desenvolver projetos destinados exclusivamente aos excluídos, que são os que dela mais necessitam; g) Secretarias da Justiça, em parceria com o MP, OAB, Universidades ou Polícia, poderão promover programas de educação e orientação (ONGs podem ser parceiros importantes); h) a implantação de Juizados de Paz pode ser de grande utilidade; i) órgãos de conciliação prévia nas periferias, com voluntários de profissões diversas (a Secretaria da Reforma do Judiciário, com o TJ-RS, Igreja Católica, Defensoria Pública e outros parceiros, implementou este programa em Porto Alegre).

A nós outros, portadores de diploma de curso superior, cabe, no mínimo, ter consciência do problema e assumir uma posição ativa. É preciso, enfim, que por meios manejados com criatividade, se abra oportunidade da Justiça poder ouvir a voz dos sem voz.

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