Falta de afeto

Indenização por abandono moral não deve servir como vingança

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13 de novembro de 2008, 14h30

Não basta pagar pensão alimentícia, não basta comprar presentes, não bastam os mimos materiais. Os filhos precisam se sentir importantes, protegidos e amados. A concepção de um filho gera automaticamente a obrigação de exercer com responsabilidade o papel que lhes cabe: dar carinho, atenção e educação aos filhos.

Pais e mães separados precisam ter a consciência de que os filhos devem ser poupados, o quanto possível, do efeito mais comprometedor para a formação psicológica saudável de uma criança — o distanciamento afetivo de um dos genitores.

O abandono moral, configurado pela ausência, indiferença, falta de afeto e rejeição, começa a ser alvo de ações judiciais por parte de filhos que se sentem afetivamente desamparados. E já são pelo menos três os casos em que a Justiça atendeu aos pedidos e condenou os pais a pagarem indenizações como compensação pelos danos morais causados aos filhos pelo descaso.

Em recente decisão, o juiz Luiz Fernando Boller, titular da 2ª Vara Cível da Comarca de Tubarão TJSC (Ação 075.07.003948-2), condenou um pai a pagar indenização de 60 salários mínimos à sua filha, por danos morais ocasionados pela desconfiança quanto à paternidade e pela falta de cuidado e afeto que se sucederam.

Em 5 de junho último, o juiz da 31ª Vara Cível de São Paulo, Luis Fernando Cirillo, condenou um pai a indenizar a filha de 27 anos, em R$ 50 mil a título de reparação de dano moral causado pelo abandono afetivo, e a pagar-lhe, dali em diante, tratamento psicológico.

A perícia concluiu que a filha apresenta conflitos, dentre os quais o de identidade, deflagrados pela rejeição do pai — situação de abandono —, e que tem necessidade de continuar o tratamento psicológico. Segundo a sentença, “os autos não contêm apenas demonstração de problemas psicológicos de uma filha. Mostram também uma atitude de alheamento de um pai, com o que o réu não está sendo condenado apenas porque sua filha tem problemas, e sim porque deliberadamente se esqueceu da filha”.

Em Belo Horizonte, um estudante universitário de 23 anos, ganhou, na 7ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada de Minas Gerais, uma indenização de 200 salário mínimos (R$ 52 mil) por ter sido abandonado pelo pai aos 6 anos de idade. De acordo com a decisão, “a família já não se baseia mais em uma relação de poder ou provimento econômico, mas num convívio cercado de afeto e carinho entre pais e filhos”.

O pai ou mãe que abandona moralmente o seu filho está infringindo o artigo 5º da Lei 8.069/90, porque estará sendo negligente na sua função natural e de livre escolha, por uma omissão, negando ao filho, um direito fundamental da criança que é o de ser assistida e ter convivência com sua família.

Respeitar a criança é não violar sua “integridade psíquica e moral” (artigo 17 da Lei 8.069/90), onde para isto é obrigatória a presença do pai ou da mãe na sua formação e crescimento, evitando, assim, que esta ausência provoque um “constrangimento” (artigo 18, idem).

A ação por danos morais é cabível em face do pai ou da mãe, tendo em vista que é “um direito… ser criado e educado no seio da sua família… assegurada a convivência familiar” (artigo 19 da Lei 8.069/90), onde tudo isto é absolutamente possível, mesmo que os pais estejam separados e habitando em residências diferentes.

O assunto é extremamente complexo e muito delicado e tem dividido opiniões de psicólogos e juristas. Se por um lado os filhos têm razão em reclamar da atitude dos pais, é preciso ter cuidado para que a Justiça não seja usada, por raiva ou mágoa, como instrumento do capricho ou da vingança de filhos desgostosos porque as coisas não são exatamente como gostariam que fossem.

Será necessária muita cautela e prudência de nossos juízes ao analisar cada caso concreto. Não se pode esquecer que as separações de casais, no mais das vezes, se processam num clima de ódio e vingança. Nestas circunstâncias, muitas vezes a criança é utilizada como moeda de troca ou mesmo de escudo pelo detentor da guarda, num mecanismo de distorção da figura do pai ou da mãe.

*Gisela Maldonado – advogada e sócia do Matarazzo, Maldonado e Manara Advogados Associados. Gisela é graduada pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Mestre em Direito pela Universidade de Londres. É membro da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de São Paulo. Há mais de 20 anos atua nas áreas de Direito Empresarial, Família, Sucessões e Contratos. Atualmente, realiza um trabalho diferenciado voltado para o público feminino, o qual consiste em auxiliar mulheres na gestão de seus bens e direitos. E-mail: [email protected]

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