Duas medidas

Supremo frustra sociedade ao revogar isenção da Cofins

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5 de novembro de 2008, 23h00

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade da revogação da isenção da Cofins para as sociedades civis de prestação de serviços profissionais relativos ao exercício de profissão legalmente regulamentada, ao julgar um recurso sobre o assunto (RE-AgR 573.255/PR), por entender que a matéria não está submetida à reserva constitucional de lei complementar. Portanto, a isenção concedida pela Lei Complementar 70/91 poderia, de modo válido, ser revogada pela Lei 9.430/96.

No mesmo diapasão, ao julgar o Recurso Extraordinário 556.664/RS, o Pleno do STF declarou ofensa ao princípio constitucional, posto que decadência e prescrição são matérias inseridas no texto constitucional como reservadas à regulamentação por meio de lei complementar, não podendo, pois, uma lei ordinária dispor sobre o tema.

Ambas as decisões guardam respeito à coerência jurisprudencial dos membros do Supremo Tribunal Federal. Em suma, determinam respeito à hierarquia das leis, em obediência à letra constitucional. Em relação à primeira decisão — a que trata da Cofins —, os efeitos da pronúncia da Corte incidiram desde os primórdios da Lei 9.430. Ou seja, os contribuintes que porventura deixaram de recolher a Cofins sob o argumento e sob a tutela de Súmula do STJ se verão obrigados a recolher ao Tesouro tudo aquilo que, indevidamente, sob a ótica do STF, foi tirado do Poder Público.

Contrário senso, no caso da decisão sobre a dilação do prazo decadencial e prescricional estabelecida pela Lei 8.212, os efeitos foram “modulados”, no sentido de somente surtir efeitos futuros. Ou seja, aquilo que indevidamente foi tirado, sob a mesma ótica do STF, só que neste caso em sentido inverso, dos contribuintes, pelo Tesouro Nacional, não precisará ser pago.

Causa-nos espécie o conceito de “dois pesos e duas medidas” que foi utilizado no julgamento pela mais alta Corte do Brasil. Equivale a dizer: o Direito do Erário, do Público, do Interesse Coletivo é maior e melhor do que o Direito do Indivíduo, do Cidadão, do Contribuinte. Leis inconstitucionais não são nulas “ab initio”? O enriquecimento ilícito não é crime? O crime do contribuinte é punido sem excepcionalidades. É devido! Pague-se! O mesmo crime cometido pelo Poder Público é subjetivado ou relativizado, pois, através da modulação, valoriza a condição especial do criminoso, que tomou dos “contribuintes de bem” o que não lhe cabia. Faz-se isso em homenagem à segurança jurídica? Se assim admitirmos, inverteremos por completo a matriz direcional do espírito constitucional.

Quem deve primar pela obediência à Constituição? Compete à Suprema Corte guardar a Constituição, até por determinação direta da própria Constituição (artigo 102 da Constituição Federal). E, de modo absolutamente simplista, o que é uma Constituição, senão a expressão da vontade do seu povo? Por vezes parece que nos olvidamos do “Preâmbulo” da nossa Carta Maior, que professa, de modo claro:

“Nós, representantes do povo Brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil.”

Parece mais do que evidente que estamos distantes de cumprir todos os desejos esculpidos na apresentação do texto constitucional, erguido no Congresso Nacional, há 20 anos, com orgulho por um grande lutador da democracia, presidente da Assembléia Nacional Constituinte, deputado federal Ulysses Guimarães.

Por um dos caprichos dessa vida, o “Dr. Diretas Já” soçobrou nos mares do Rio de Janeiro, em um acidente de helicóptero, sem nunca sair da memória de toda uma geração de brasileiros, que não se esquecem da imagem do Ulysses empunhando, com o fervor dos vencedores, a mais poderosa das armas com que sonhou lutar: A Constituição Cidadã. E, com ela, ajudou a definir a identidade de nação que pretendemos ser: socialmente justa e economicamente desenvolvida.

Não podíamos prever é que o guardião do berço e do templo da democracia admitiria subjugar o “espírito” democrático, tratando o Poder Executivo — ou o governo de plantão — como um ente superior, com maiores privilégios, sob o manto roto do interesse nacional e da segurança jurídica. A Senhora Justiça, embora cega e sempre equilibrada, foi flagrada desferindo, sob seu manto, uma piscadela em direção ao Poder Executivo. Feriram-se, com a dualidade de tratamento para decisões de mesma estirpe, vários dos desejos dos representantes do povo brasileiro. Buscou-se assegurar, com a Constituição, os direitos individuais, a segurança, a igualdade e a justiça como “valores supremos”.

Infelizmente, para nós, cidadãos e contribuintes, frustrou-nos o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, exceção honrosa a do ministro Marco Aurélio. Temos muito a lamentar. Resta a esperança de vermos um Brasil melhor, mais justo, mais seguro e mais igualitário. Sem dúvida alguma, para que isso se concretize, o judiciário tem um papel fundamental e definidor. E o STF, especialmente, pode caminhar muito nesse sentido, revendo seu papel de operador, mais do que do Direito, da Justiça! Mais do que da Justiça, do Desejo do Seu Povo!

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