Segunda Leitura: o retrato do Tribunal de Justiça de São Paulo
2 de novembro de 2008, 8h18

Um olhar mais severo poderá indicar falhas no Anuário, quiçá apontar omissões. Pouco importa. O que vale é o passo dado, a investigação científica, descompromissada e imparcial. Com o objetivo único de dar a conhecer este importante, grande e antigo Tribunal Estadual. A partir de agora há como saber o perfil de seus magistrados, a idade média, a formação cultural e até o percentual de desembargadores casados (92%) ou de formados pela USP (41%).
Com certeza não é tarefa fácil administrar e distribuir Justiça em um estado que concentra 38% da renda do Brasil, 31% de empregos, 30% das empresas, uma população superior à da Argentina (próxima a 42 milhões de habitantes), em uma Justiça que abriga 17 milhões de processos.
O TJ-SP tem 360 desembargadores (apenas 5% são mulheres) e 78 juízes os auxiliam nos julgamentos. Ele tem pontos altos, mas desconhecidos da comunidade jurídica. Nele o nepotismo é proibido há muitos anos, bem antes de proibido pelo CNJ. Não há notícias de corrupção envolvendo os seus desembargadores. Nos seus concursos não há registro de fraudes. Assim, a primeira conclusão é a de que há uma falha de comunicação do TJ com a sociedade.
Um dado amargo: a análise da ConJur revela que o TJ-SP perdeu a condição de condutor da jurisprudência nacional. Com efeito, a partir dos anos 1980, o crescimento do volume de trabalho e um certo conservadorismo fizeram com que os julgamentos fossem retardados. E com isto, o pioneirismo cedeu espaço a outros TJs, como o do RS (conhecido pelo caráter inovador) e o do RJ (conhecido pela agilidade, fruto de bem sucedida reforma administrativa).
Entre as críticas que a ele se fazem, a principal é a da morosidade. Atribui-se-lhe a demora de 5 anos para se julgar um recurso. E isto não é uma verdade absoluta. Esta fama é o resultado da prática antiga de represar os processos na distribuição, encerrada por força da EC 45/2004, à qual sobreveio a distribuição de todos os processos. O resultado é que, atualmente, há recursos sendo julgados em poucos meses (há gabinetes zerados, Anuário, p. 13) e há, também, outros aguardando decisão por muitos anos. Tudo a depender de quem é o relator, da matéria e das características do caso concreto.
Quanto ao nível dos seus julgados, é considerado bom. Neste particular, não há críticas. Quase a metade de seus magistrados são professores (48%) e mais de um terço já escreveu, pelo menos, 1 livro (34%).
Mas, então, o que estará faltando para o salto qualitativo? Não há mais espaço para o discurso simplista de falta de magistrados e funcionários. Outras soluções devem ser buscadas. Por exemplo:
a) Especialização de Câmaras pode ser uma boa medida. O TJ-PR partiu para a especialização absoluta e conseguiu reduzir consideravelmente o prazo do julgamento dos recursos. No TJ-SP isto já deu certo com a Câmara Ambiental, a de Falências e a 15ª Câmara Criminal (julga prefeitos). Assim, outras especializações podem ser criadas, como Câmaras de Direito Tributário, servidores públicos, crimes contra o patrimônio, contra a vida, cartões de crédito, etc.
b) Publicação das estatísticas da produtividade dos desembargadores, revelando os que se acham com os serviços em dia e os que detêm número exacerbado de recursos pendentes. A transparência, além de gerar respeito na comunidade jurídica, atende a um imperativo constitucional (CF, artigo 5º, XIV).
c) Aproveitamento maior dos desembargadores aposentados, prestando serviço voluntário em comissões. Os 70 anos não significam necessariamente o uso de bengalas e há muita gente boa querendo colaborar. O que já deu certo (por exemplo, no sistema de conciliações) pode ser ampliado (por exemplo, comissão de acompanhamento de vitaliciandos ou de gestão ambiental). A custo zero.
d) Edição de súmulas. É incompreensível que matérias pacificadas, consolidada a jurisprudência com o aval do STF ou do STJ, não estejam sumuladas, dispensando votos que reproduzem todos os argumentos já discutidos à saciedade. Vários TRFs e TJs, há muitos anos, têm súmulas.
e) Maior abertura do site à sociedade. Por exemplo, não existe link para a Corregedoria, o que dificulta o acesso a reclamações de eventuais prejudicados.
f) Aumentar a estrutura dos gabinetes. A estrutura do gabinete de um desembargador, com 2 assistentes e 2 escreventes, é muito menor do que o de um ministro de Tribunal Superior ou de colega do TRF.
g) Estímulo para os funcionários: nenhum magistrado trabalha mais sozinho, e por isso é preciso motivar os servidores. Por exemplo, através de concursos sobre “Experiências de sucesso no Tribunal de Justiça”, com 3 grupos (secretarias, administração e gabinetes) e prêmios que importem em crescimento pessoal, como participação em cursos no CNJ, CJF ou outros Tribunais.
Enfim, muito pode e deve ser feito. É fácil? Óbvio que não. Há múltiplos interesses conflitantes. A governança no mundo moderno não dispensa a participação da sociedade civil, que deve ser vista como aliada e não como opositora. O estudo feito pelo ConJur é uma significativa colaboração neste sentido.
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