Segunda Leitura: falta regulamentação de segredo de Justiça
20 de julho de 2008, 0h00
O tema tem várias faces. De um lado, à unanimidade, todos concordam que as questões de Estado devem tramitar sigilosamente (por exemplo, direito de família). De outro, o sigilo nas investigações policiais desperta grandes polêmicas. No meio, sem que ninguém aponte um caminho, ficam temas pouco estudados, mas não menos importantes (por exemplo, publicidade dos processos disciplinares contra magistrados, Lei Complementar 69, artigo 54). Vejamos a realidade forense.
a) Investigações policiais: busca a Polícia Judiciária colher provas, regra geral em Inquérito Policial, sem a interferência da defesa (CP, art. 20), vez que nesta fase ainda não há o contraditório. Os advogados criminalistas, ao contrário, reivindicam o direito de acesso aos IPs, como assegura o artigo 7º, XIV, da Lei 8.096/94. O STF deu boa solução, assegurando ao advogado o direito de obter informações já introduzidas nos autos, mas não as que se referem a diligências em curso (HC 82.354/PR, Rel. Sepúlveda Pertence). É dizer, tem direito de saber o que há, mas não o que haverá;
b) Ações penais em geral: processos criminais são, regra geral, públicos e o sigilo só se justifica se houver ofensa que exponha a vítima a situação constrangedora (por exemplo, em caso de estupro com violência);
c) Ações penais originárias: as ações penais propostas contra autoridades com direito a foro privilegiado, nos tribunais recebem, regra geral, segredo de Justiça, com base no artigo 54 da Loman. Todavia, o artigo 93, X, da Constituição Federal, afirma que as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública. Na praxe forense tem se mantido o sigilo, mas a publicidade prevista na Carta Magna, ao meu juízo, deve prevalecer sobre o sigilo da Loman.
d) Legislação civil: as ações de Estado são sigilosas (art. 155, II, do CPC). Mas o que é o interesse público previsto no inciso I? Na minha opinião, é aquele que se sobrepõe ao do particular, que afeta a comunidade como um todo. Por exemplo, há interesse público em uma ação que discuta a localização de antenas eletromagnéticas, cujos efeitos são desconhecidos.
Aí estão as previsões. Nem por isso as soluções são simples. O artigo 10, da Lei 9.296/96, afirma ser crime quebrar segredo da Justiça sem autorização judicial. Mas como garantir o sigilo, se o processo passa pela Polícia, Vara, MP e advogado? No sistema atual não existem regras sobre a tramitação e qualquer dos atores ou servidores pode passar à frente informações, por corrupção, vaidade, amizade ou outro sentimento. E a jurisprudência não registra condenações.
Novas questões surgem diariamente. No TJ do Rio Grande do Sul, dois acórdãos originários do vazamento de resíduos de um aterro sanitário para um rio, causando a morte de toneladas de peixes, tiveram posições divergentes. No âmbito administrativo, a 4ª Câmara Cível, julgando o AI 70017436676, em 14 de fevereiro de 2007, garantiu a uma empresa o sigilo do processo administrativo, portanto, sem divulgação de seu nome, até decisão definitiva. Todavia, no âmbito penal, a 4ª Câmara Criminal, no MS 6001884735, em 28 de junho de 2007, decidiu que “A decretação de sigilo processual, que é medida excepcional, requer a comprovação de relevante interesse social ou necessidade de preservação da intimidade, principalmente, das vítimas”. Portanto, posições opostas, fico com a segunda, que dá realce ao interesse público.
Concluindo, fica o registro de que no Direito brasileiro questões de máxima relevância, como o cabimento e alcance do segredo de Justiça, limites da censura judicial, uso de algemas, influência da mídia sobre os atores judiciais, estatística das ações penais originárias e outras tantas ainda estão aguardando lei (ou atos administrativos do CNJ), doutrina e jurisprudência. Depois de 20 anos de Constituição, não está passando da hora?
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