Seriedade jurídica

Juízes do Rio agem com apatia, negligência e omissão

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16 de janeiro de 2008, 23h00

A Ordem dos Advogados do Brasil, seção do Rio de Janeiro, já há algum tempo, por meio de um criterioso trabalho, cadastra informações de partes e advogados sobre o trabalho de alguns juízes. Conforme dados recebidos, o que se vê é juiz atuando em uma linha completamente contrária do que prevê a função. Alguns revelam atuação displicente, desinteressada, acomodada, negligente e omissa. Muitos relatos registram julgadores que adotam postura visivelmente inadequada à realidade. Colecionam-se, assim, casos em que o juiz procede com falta de bom-senso.

Para ilustrar esse quadro, citam-se alguns exemplos. O Serviço de Plantão da Justiça Federal do Rio de Janeiro, nos dias de recesso de fim de ano, tem registrado um considerável número de pedidos de Mandados de Segurança e Medidas Cautelares. Desses, boa parte é de natureza tributária e muitos se referem a pedido de liberação de Certificado Negativo de Débito. Nesse caso, houve juiz, de plantão, que negou o pedido por entender não ser caso de urgência. Ele decidiu pela distribuição do processo a juízo por sorteio. A estranheza desse despacho foi logo entendida quando o magistrado confessou à presença de outros advogados que ele era de Juizado Especial Federal e não conhecia bem a matéria.

Há ainda o caso de visível conduta desinteressada, apática, de dois vogais em julgamento no Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Enquanto o relator expunha sua tese, o revisor e o vogal conversavam entre si amenidades e não prestavam a atenção devida ao processo em questão. Quando o relator terminou de falar, a presidência da turma instou o revisor a se manifestar e este, concentrado na conversa com o colega, apenas gesticulou e disse: “acompanho o relator”. O mesmo fez o vogal.

Para julgadores que assim procedem, julgar virou conversa de futebol, bate-papo, desconcentração. Existem juízes que agem prejudicando as partes por puro despreparo ou por acomodação. Embora esse tipo de julgador quase sempre acabe justificando sua forma de decidir, rotulando que esse é o “seu entendimento”, o efeito resultante revela desinteresse, negligência e prejuízo.

Sabe-se, no mundo jurídico, que esse quadro já ocorre há muito tempo e, por recepção silenciosa dos operadores do Direito, numa passividade que já está enraizada, muitos advogados não têm o ânimo de dizer, de observar, de reclamar, de representar sobre a comportamentabilidade de certos julgadores. Agem assim porque acham que o Judiciário é blindado, o que desestimula os que pensam ousar, gritar, reclamar.

Outro exemplo coletado versa sobre recente Mandado de Segurança interposto contra a exigência administrativa da cobrança de 30% (depósito recursal sobre débito apontado pelo INSS), exigido para que uma empresa autuada tivesse o direito de recorrer ao Conselho de Contribuintes.

Mesmo o Supremo Tribunal Federal já tendo decretado a inconstitucionalidade dessa exigência, no caso relatado, o magistrado negou o direito à empresa observando que, quanto à decretação da inconstitucionalidade pelo STF, o juiz pode “ousar divergir”.

Tal forma de decidir seria normal se o magistrado não soubesse que a Super Receita já editou o Ato 16, de 23 de novembro de 2007. Ele determina que “as unidades da secretaria da Receita Federal do Brasil deverão declarar a nulidade das decisões que não tenham admitido recurso voluntário de contribuintes, por descumprimento do requisito do arrolamento de bens e direitos”, devendo, assim, o recurso seguir para o Conselho sem o recolhimento da taxa recursal.

Se esse magistrado tivesse aos menos se interessado em ler as razões do STF não teria decidido como decidiu. Aqui está a explicação:

● a exigência dos 30% recursais nasceu com a edição do Decreto-Lei 822, de 5 de setembro de 1969, cujo artigo 2º outorgou ao Poder Executivo competência para regulamentar o processo administrativo fiscal;

● todavia veio a Emenda Constitucional 1, de 17 de outubro de 1969, (portanto posterior à data do Decreto-Lei 822/69) e fixou, no artigo 18, parágrafo 1º, que somente lei complementar poderia estabelecer normas gerais de Direito Tributário. Logo, esse Decreto-Lei 882/69 ficou revogado pela Emenda Constitucional 1/69, cessando, assim, a prerrogativa dada ao Poder Executivo para legislar sobre matéria tributária;

● três anos depois, em 6 de março de 1972, o Poder Executivo equivocadamente editou o Decreto 70.235/72, regulamentando matéria tributária em cima do exatamente revogado artigo 2º do Decreto-Lei 822/69;

● decorreu, por esse Decreto 70.235/72, uma desobediência à Constituição Federal, pois o Poder Executivo legislou sobre matéria tributária, cuja competência foi constitucionalmente cassada. Tal Decreto, dessa forma, foi considerado para muitos desembargadores federais, um decreto morto, como consta em teor de vários acórdãos prolatados pela Justiça Federal.

E é fácil entender por que. A Constituição Federal de 1967 dava, de fato, poderes ao Executivo para legislar matéria tributária. Mas, com a Emenda 01, a CF recebeu uma nova redação, tornando ultrapassado o texto original. A nova redação excluiu a competência do Executivo para legislar sobre matéria tributária. No entanto, em 1972, o Executivo que sabia que não poderia editar normas tributárias, ainda mais por Decreto, assim mesmo o fez, por puro vício, para regulamentar o mencionado artigo 2º do Decreto-Lei 822/69 que já tinha sido extinto pela Emenda Constitucional 1/69.

● os procedimentos de inconstitucionalidade não pararam aí. De forma mais gravosa ainda, o Poder Executivo editou a Medida Provisória 2.176-79, de 23 de agosto de 2001 que, pelo artigo 32, inseriu nesse já morto Decreto 70.235/72 (no seu artigo 33) um segundo parágrafo, pelo qual ficou criada a obrigatoriedade de depósito recursal. Tal Medida Provisória acabou indevidamente convolada na Lei 10.522/02, de 19 de julho de 2002, cujo artigo 32 trouxe por novidade a alternativa do depósito recursal ser pago em dinheiro. E, aí, os procedimentos inconstitucionais se tornaram anárquicos, pois o Executivo, por MP, não poderia legislar sobre o assunto.

● e finalmente, na continuidade desse imbróglio, é editada outra MP, a 1.608/98. Por ela, o presidente da República determinou alterar o artigo 126 da Lei 8.213/91 (Lei da Previdência Social), sacramentando, de forma irregular, em definitivo, a obrigatoriedade das empresas autuadas recolherem depósito de 30% para ter o direito a recurso junto ao então Conselho da Previdência Social (hoje Conselho de Contribuintes). E essa MP foi convolada, por vício, na Lei 9.639/98.

Portanto a história da exigibilidade da taxa recursal foi edificada em cima de um decreto morto, logo uma mentira jurídica. Na discussão do Supremo Tribunal Federal, toda essa reflexão apareceu. E o resultado da votação foi de 9 a 1. Ficou vencido o ministro Sepúlveda Pertence

Mas o que se ressalta é a forma como julgou esse magistrado de primeiro grau da Justiça Federal do Rio o pedido de Mandado de Segurança: não leu as razões do Supremo que justificaram decretar a inconstitucionalidade que ele “ousou discordar”; não tomou ciência, certamente, do ato da Super Receita 16, de 23 de novembro de 2007 e ainda se atrelou jurisprudencialmente em cima de voto do vencido ministro Sepúlveda Pertence.

É de se assinalar que o Judiciário sempre foi bem dotado de julgadores responsáveis, interessados, competentes e dedicados, mas o que também se vê é a falta de aprofundamento e de interesse. Pelo modo de decidir, tudo leva a pensar que esses julgadores perderam o amor à seriedade judicante ou, então incidem numa acomodação ou, talvez, demonstrem insegurança jurídica.

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