Defensoria: estrutura não acompanha suas atribuições
9 de janeiro de 2008, 15h29
[Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo, desta quarta-feira, 9 de janeiro]
Hoje, dia 9 de janeiro, a Defensoria Pública paulista marca dois anos de existência. O preceito constitucional que determinava a sua criação em todos os estados, elegendo-a como um dos pilares da Justiça brasileira, ao lado da magistratura e do Ministério Público, foi cumprido com 17 anos de atraso em São Paulo, após intensa mobilização da sociedade civil que congregou cerca de 400 entidades.
Nessa curta trajetória, a instituição tem comprovado, na prática, a importância de sua criação, realizando cotidianamente a missão de garantir aos menos favorecidos o acesso à Justiça por meio da assistência jurídica gratuita e integral, que abrange não apenas o atendimento aos milhares de pessoas que procuram a defensoria diariamente, buscando a proteção e a satisfação de seus direitos individuais, mas também a defesa de seus interesses coletivos e a educação em direitos, voltada à conscientização e ao exercício da cidadania.
O espírito que moveu o legislador na edição da lei complementar 988, de 9 de janeiro de 2006 (Lei Orgânica da Defensoria Pública Paulista), foi o de atender amplamente o mandamento constitucional, delegando à Defensoria Pública vastas e importantes atribuições institucionais, que vão desde a orientação jurídica permanente aos necessitados, tanto judicial quanto extrajudicialmente, até a efetiva atuação na construção de políticas públicas destinadas a erradicar a pobreza e a marginalização e a reduzir as desigualdades sociais.
Contudo, a ainda precária estrutura da instituição — que conta com apenas 400 defensores em todo o estado de São Paulo — não acompanha a grandeza de suas atribuições.
No que tange ao acesso à Justiça, São Paulo tem muito a fazer para alcançar os demais estados da Federação. Segundo dados do segundo Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil, elaborado pelo Ministério da Justiça e publicado em 2006, o estado de São Paulo possui, atualmente, 1 defensor público para cada 58.130 potenciais usuários. No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, a proporção era, em 2005, de 1 defensor público para cada 13.886 possíveis assistidos.
Outro aspecto que chama a atenção diz respeito à participação orçamentária, especialmente quando comparada com outras instituições que integram o sistema de Justiça.
No Orçamento de 2008, o estado de São Paulo irá repassar à Defensoria Pública menos de 1% (um por cento) da verba prevista para o Tribunal de Justiça e menos de 3% (três por cento) daquela destinada ao Ministério Público.
Em termos salariais, a diferença também é sentida, pois a remuneração inicial de um juiz ou a de um promotor é, aproximadamente, 200% (duzentos por cento) superior à de um defensor público, causando constante evasão de profissionais recém-selecionados e treinados em busca de vencimentos mais atraentes.
A despeito de todo esse quadro, outro dado também alarmante se faz presente neste aniversário da Defensoria Pública paulista.
Completa-se hoje o ciclo inicial de transição entre a Defensoria Pública e a Procuradoria Geral do Estado, instituição que, anteriormente, prestava assistência judiciária à população carente e da qual partiram os primeiros defensores públicos.
Nesse período, o atendimento aos destinatários do serviço apenas pôde ocorrer com o auxílio de funcionários emprestados pela procuradoria, em virtude de expressa previsão legal.
O mesmo dispositivo da lei, entretanto, determina que o período do aludido empréstimo de servidores hoje se encerre, e a defensoria ainda não conta com quadro próprio para se desincumbir das funções auxiliares que lhe são indispensáveis, não obstante a obrigação legal dirigida ao governador do Estado, que deveria ter enviado à Assembléia Legislativa, até o mês de julho de 2007, projeto de criação dos cargos auxiliares.
Sem funcionários, o atendimento torna-se inviável, e a defensoria, infelizmente, deixa de existir. O anteprojeto de lei enviado pela Defensora Pública Geral ao governador no início de 2007 institui um quadro de apoio moderno, enxuto e capaz de viabilizar a assistência integral aos economicamente necessitados preconizada pela Constituição de 1988. Urge o seu envio à Casa Legislativa pelo governo, que detém iniciativa exclusiva nessa matéria.
O dia 9 de janeiro de 2008 não nos é, portanto, um dia de celebração, mas de expectativa.
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