Retrospectiva 2007

No cenário político de 2007, Judiciário foi ator principal

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2 de janeiro de 2008, 12h01

Este texto sobre Política faz parte da Retrospectiva 2007, série de artigos em que são analisados os principais fatos e eventos nas diferentes áreas do direito e esferas da Justiça ocorridos no ano que terminou.

O homem do Brasil em 2007 foi o ministro Joaquim Barbosa. Além de ganhar o título de Homem do Ano, da revista IstoÉ, foi considerado um dos cem brasileiros mais influentes do país pela revista Época, ocupou a capa da própria Época e da Veja e deu entrevistas aos principais jornais do país. Tudo isso veio como reconhecimento pelo desempenho brilhante do relator do processo do mensalão, o julgamento dos 40 políticos acusados de receber e pagar propinas para manter a base política do governo no Congresso.

O feito do ministro tem alcance jurídico limitado. Afinal, em julgamento estava apenas se os mensaleiros deviam ou não passar de acusados a réus no processo. Com isso, o julgamento do processo apenas começou, mas o gesto de Joaquim Barbosa, relatando o julgamento histórico, colocou o Supremo Tribunal Federal, e por meio dele todo o Judiciário, no centro das decisões políticas do país.

Tanto quanto o prestígio do ministro Joaquim Barbosa, cresceu em 2007 a polêmica em torno do papel do Judiciário no cenário político e a respeito de divisão de poderes na República. Com efeito, o Judiciário soube ocupar os vazios institucionais abertos pela crise que abala os alicerces do Legislativo, começando pelo mensalão e terminando, por ora, com o escândalo Renan Calheiros.

O avanço do Judiciário na seara política deu-se não apenas ao amparo da Constituição Federal como também respondeu a seguidos apelos dos próprios políticos. E se deu numa medida muito mais ampla do que a espetacular abertura do processo do mensalão pode sugerir.

Mandado de injunção

Assim, o Supremo passou a usar com mais contundência e freqüência o Mandado de Injunção, dispositivo previsto no inciso LXXI do artigo 5° da Constituição e que é concedido “sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”. Com o Mandado de Injunção, o Judiciário pode determinar que o Legislativo regulamente um dispositivo. Pode também dar as diretrizes para que o direito não regulamentado seja exercido, até que o Legislativo faça a sua parte.

Em maio, o Supremo declarou mora do Congresso Nacional em regulamentar o aviso prévio proporcional. No mesmo mês, concedeu um prazo de 18 meses para que o Congresso aprove lei que regulamente a criação de novos municípios. Se a lei não for aprovada até o fim deste prazo, os municípios criados depois de 1996 poderão ser declarados inconstitucionais em dois anos.

Em outubro, os ministros foram ainda mais longe e estabeleceram que, enquanto o Congresso não se manifestar sobre a matéria, fica valendo para os servidores públicos a legislação que regulamenta o direito de greve dos trabalhadores privados. Para o ministro Celso de Mello, o atraso de 19 anos para regulamentar um direito constitucional “traduz incompreensível sentimento de desapreço pela autoridade, pelo valor e pelo alto significado de que se reveste a Constituição Federal”.

Prova de fidelidade

Mas a grande intervenção política do Judiciário, aquela que deve gerar mais conseqüências, foi feita com menos alarde. Ao dizer que o mandato dos eleitos para ocupar cargos públicos pertence aos partidos e não às pessoas físicas que ocupam estes cargos, o Tribunal Superior Eleitoral, primeiro, e o STF em seguida e definitivamente, instituíram o princípio moralizador da fidelidade partidária na política brasileira. Também neste caso o Supremo ocupou o vazio criado pelo legislativo, mas desta vez não precisou recorrer ao Mandado de Injunção. Bastou dar sua interpretação ao texto Constitucional.

Neste caso, políticos contrariados e mal acostumados reclamaram da ingerência do Judiciário nas lides parlamentares e executivas, mas abusaram dos recursos à Justiça para resolver querelas que eles próprios criaram.

Fazer ou não sessões e votações secretas no Congresso é questão que diz respeito ao regimento interno e às práticas parlamentares, que deveria ser resolvida pelos congressistas, mas esta foi uma das causas que fez senadores e deputados pedirem socorro à Justiça em 2007. Na pauta do STF aguardam decisão outras causas de natureza genuinamente legislativa e política, como a verticalização nas eleições e a cláusula de barreira. Quanto mais o Congresso se perde em suas próprias contradições, mais trabalho dá ao Judiciário.

Divisão de poderes

Nem o Executivo, na figura do presidente da República e sua fúria legiferante, via Medida Provisória, ficou imune ao controle do Judiciário. Antes que o ano terminasse, o Supremo deu mais um puxão de orelhas na classe política quando declarou inconstitucional a tramóia do Executivo de revogar MPs para destrancar a pauta de votações e depois voltar a editar a mesma MP como se nada tivesse acontecido.

Em setembro, para destrancar a pauta da Câmara para a votação da CPMF, o governo revogou a MP 379, que prorrogava o prazo para registro de armas até dezembro. Com a retirada da medida, o texto original do Estatuto do Desarmamento, que fixava o prazo até junho, voltou a vigorar. Dois dias depois, outra MP, a de número 394, foi editada sobre a mesma matéria, com pequenas modificações O mesmo estratagema foi usado com outras duas MPs.

O PSDB, PPS e DEM pediram socorro ao Supremo movendo três Ações Diretas de Inconstitucionalidade contra a reedição das três MPs. Para o ministro Carlos Britto, ao revogar a MP o Executivo está assumindo o papel do Legislativo, a quem cabe aprovar ou rejeitar as normas. Para o ministro Marco Aurélio, a atitude do governo foi um “drible na Constituição”. O artifício foi também qualificado como fraude pelo ministro Cezar Peluso. E o ministro Gilmar Mendes chamou a atenção para a armadilha do parágrafo 10 do Artigo 62 da Constituição, que ao pretender acelerar a votação das MPs, determinando o trancamento da pauta, acaba atrasando a votação também de outras matérias de interesse do governo.

Mas neste ponto, já era um membro do Judiciário tentando suprir a falta de idéias do Legislativo e do Executivo. Assim, não é de se estranhar que Joaquim Barbosa, o homem do ano, tenha sido proposto como candidato a presidente do Brasil. Pensando bem, é melhor que ele fique onde está. Como juiz, terá muito mais oportunidade de fazer boas coisas, inclusive políticas, para o país.

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