Precatórios x Juros legais

Benefício econômico representa consistente alívio financeiro

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24 de outubro de 2007, 10h09

Os credores da Fazenda Pública vêm recebendo anualmente um décimo de seus créditos decorrentes de precatórios pendentes de liquidação em dezembro de 2000 ou referentes a ações judiciais promovidas até 31 de dezembro de 1999 nos termos do artigo 78 do ADCT da Constituição Federal, introduzido no ordenamento jurídico por força da Emenda Constitucional 30/00.

Ocorre que após o início do pagamento de tais precatórios (dezembro 2001) entrou em vigor o novel Código Civil (janeiro de 2003), que trouxe uma série de invocações legislativas, dentre elas a dobra da taxa dos juros legais devidos em decorrência da mora, fruto de qualquer inadimplemento, sendo a regra válida também para a administração pública devedora.

Passou a lei a prever, assim, que a partir de então, quando não houvesse convenção em contrário, a taxa de juros devida (juros legais) será de 1% ao mês, conclusão esta atingida em cotejo com a regra inserta no artigo 161, § 1º do Código Tributário Nacional.

As sentenças judiciais que resultaram na expedição dos precatórios anteriores à vigência do novo Código Civil, no entanto, condenaram a Fazenda Pública no pagamento dos juros moratórios, fixando expressamente o percentual de 6% ao ano ou simplesmente fazendo menção aos “juros legais”, que correspondiam àquela mesma taxa, tendo sido com base nela elaborados os cálculos do quantum devido pela administração em cada caso.

Nesta esteira, todos os pagamentos do décimo constitucional efetuados a partir do ano de 2003 continuaram levando em consideração a taxa de juros à base de 0,5% ao mês, ignorando por completo as entidades devedoras o novo regramento civil que estabelece a dobra dos chamados juros legais, devendo a nova taxa de juros incidir sobre todos os pagamentos das parcelas dos referidos precatórios, consubstanciando-se o Código Civil de 2002 como verdadeiro divisor de águas.

Ou seja, até dezembro de 2002, a taxa de juros a ser computada nos débitos fazendários deve ser de 0,5% ao mês, passando a ser de 1% (um por cento) ao mês a partir de janeiro de 2003, quando entrou em vigor o novo Código Civil, devendo os cálculos ser refeitos desde então.

E assim deve ser porque o fato gerador do direito a juros moratórios não é a existência da ação e nem a condenação judicial (que simplesmente o reconheceu), e sim a demora no cumprimento da obrigação. Tratando-se de fato gerador que se desdobra no tempo, produzindo efeitos também após a prolação da sentença, a definição da taxa legal dos juros fica sujeita ao princípio de direito intertemporal segundo o qual tempus regit actum.

Não é sob outro fundamento que o Superior Tribunal de Justiça definiu que “os juros incidentes sobre a mora ocorrida no período anterior à vigência do novo Código Civil são devidos nos termos do Código Civil de 1926 e os relativos ao período posterior, regem-se pelas normas supervenientes.”

A conclusão pacificada no seio do Superior Tribunal de Justiça não poderia mesmo ser diversa, diante da norma esculpida pelo artigo 2.035 do Código Civil, pela qual:

A validade dos negócios e demais atos jurídicos (e a sentença judicial evidentemente é um ato jurídico), constituídos antes da entrada em vigor deste Código (o que é o caso das sentenças prolatadas antes de janeiro de 2003), obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no artigo 2.045, mas os seus efeitos (e a mora é um efeito da sentença não cumprida pelo devedor), produzidos após a vigência deste Código (como é o caso dos juros decorrentes da mora renovada mês a mês), aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes (ou pela sentença) determinada forma de execução.

Não resta dúvida, portanto, que o não pagamento dos débitos judiciais da Fazenda Pública decorrentes de sentenças prolatadas antes de janeiro de 2003 devem ser acrescidos de juros legais computados à base de 1% ao mês a partir da vigência do novo Código Civil, incidindo tal regra mesmo em relação àquelas sentenças que expressamente cominaram a incidência de juros à base de 6% ao ano.

Isso porque os juros, como se viu, não são devidos por força da sentença em si, mas em decorrência da mora e o são sempre, quando não convencionados, na taxa prevista em lei. São os chamados juros legais. Assim, pouco importa se há na sentença fixação dos juros ou não e, em havendo, se em percentual ou sob a genérica denominação de “juros legais”, que é o que a lei impõe. Tanto faz esteja na sentença expresso o percentual que à época a lei determinava ou que se tenha constado a expressão “juros legais”, posto que sinônimas e equivalentes, considerando-se tudo o quanto até aqui se expôs.

Nem mesmo eventual alegação de coisa julgada seria suficiente a espancar a modificação da taxa de juros expressamente aplicada pela sentença, já que “a coisa julgada é suscetível de um processo de integração, decorrente de situação superveniente, a que deve o juiz atender, tendo em vista a natureza continuativa da relação jurídica decidida” (RTFR 160/59), sendo certo que “não impede que lei nova passe a reger diferentemente os fatos ocorridos a partir de sua vigência” (neste sentido RTJ 89/344, RSTJ 60/367, RTJ 117/516, 117/1.000. RSTJ 81/162, entre outros).

Concluímos, assim, que os credores da Fazenda Pública nestas circunstâncias, em quaisquer de suas esferas, têm direito a cobrar imediatamente do ente devedor, mesmo que já expedido o precatório correspondente e mesmo que já tenha ele sido total ou parcialmente pago, a diferença dos juros moratórios devidos desde janeiro de 2003 até a presente data, o que, evidentemente, representa sensível aumento do crédito executado.

O benefício econômico conquistado pode, em muitos casos, representar consistente alívio financeiro para as empresas credoras da administração pública, especialmente por sofrerem por tantos anos com o descaso da inadimplência estatal, sendo interessante observar que não há qualquer conseqüência negativa ao credor em caso de eventual pleito frustrado.

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